O triunfo dos porcos

Este é outro título em português do romance “A revolução dos bichos”, de George Orwell – o mesmo autor de “1984”, onde aparece a expressão Big Brother, o “grande irmão” de um regime totalitário. Em “Animal Farm”, título original do livro, um velho porco reúne os animais da fazenda e lidera uma rebelião, cujo objetivo é libertar os bichos do jugo humano, e assim fazer com que os animais possam governar a si próprios.

A revolução tem início pela definição dos inimigos – todos que andem sobre duas pernas – e o estabelecimento de uma conduta moral que proíbe os animais – de quatro pernas – de se matarem, e ainda prescreve o status de igualdade entre os rebelados. O porco idealista mais velho morre logo, e jovens porcos assumem o comando do movimento, prometendo aos bichos uma nova era de liberdade.

Quando o poder é tomado, e a “sede do governo” – a casa do fazendeiro – é ocupada, os princípios revolucionários instantaneamente são substituídos pelos fins da autoridade instalada: os porcos decretam regras complementares, usufruindo de direitos e regalias que não haviam sido explicitados. Antes do triunfo, todos os animais eram iguais; depois, uns tornaram-se “mais iguais” do que os demais.

A ditadura suína de Orwell, então uma alegoria do stalinismo, vem a calhar em tempos de epidemia global. Mas não pelo pânico da referência aos porcos. E sim, pela imagem que mistura os bons e os maus, opressores e oprimidos num só espectro, na fusão do homem-bicho com o porco humano. Em especial, por representar o asco – ou a apatia – que se generaliza em torno dos acometidos de outra pandemia, que tem por estas bandas mais de 500 anos: a pandemia da corrupção.

Sem diminuir os atributos originais ou evolutivos do ser suíno que ora nos assusta e nos mete máscaras, o porco da fábula, no Brasil, encarnaria a figura grotesca do corrupto de sempre.

Se naquela fazenda imaginária fica difícil, a certa altura, distinguir “quem é porco, quem é gente”, no Brasil real é cada vez menos prudente separar santos e bandidos. Tomando a fórmula orwelliana usada em “1984”, parece que passaram uma régua na política nacional, e todo moralismo é hipocrisia, justiça é injustiça, e o mais grave – ética é corrupção.

Executivo, Legislativo e Judiciário, quando acuados pelo quarto poder – a imprensa e a opinião pública – querem que se resguardem as instituições, enquanto trocam favores e acusações. O discurso da preservação institucional é tão velho quanto a hipocrisia que se diz que precisa acabar.

A confusão que incorpora o erário ao salário possui nome e história: patrimonialismo. O patrimonialismo, no entanto, vai além de mera ilusão cultural, como se referiu, ainda atônito, o deputado Fernando Gabeira, flagrado na farra das passagens. É o traço mais forte da herança colonial que resiste, perpetuada em oligarquias, e marcada, na atual década petista, pela “revolução dos mensaleiros” – que, segundo as aparências, jamais existiram, nem triunfaram.

Contra antigos e novíssimos oligarcas, iludidos e ilusionistas do patrimonialismo como justificativa cultural, a única saída é identificar e punir a corrupção. Sem meias verdades, sem concessões. O mais difícil, neste momento, é extrair exemplos honrosos, encontrar referências dignas do lado dos inocentes silenciados pela algazarra dos que guincham que não há diferença entre limpos e sujos, entre doentes e sãos, entre porcos e homens.

(Publicado no Correio Braziliense, 01/05/2009)

Fábio Lucas
Enviado por Fábio Lucas em 01/05/2009
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