O diabo existe?
O DIABO EXISTE?
Ademais, fortaleçam-se no Senhor e na força do seu
poder. Vistam a armadura de Deus para resistir às
manobras do diabo (Ef 6,10).
Quando se fala em diabo ou demônio, nota-se nos auditórios, em geral, um murmúrio, que reflete um mal estar nas pessoas, que preferem assuntos mais light ou de menor nível de dramaticidade. Paulo VI disse certa vez que “É preciso muita coragem para falar em anjos e demônios no século XX”. Em uma sociedade tão secularizada e superficial, como a nossa, que banaliza a vida e os valores espirituais, torna-se difícil impor regras de espiritualidade.
Hoje, a mídia, e vários segmentos sociais e culturais, mesmo dentro das igrejas evitam falar no diabo, fazendo coro a algumas religiões e ciências que afirmam que o diabo não existe, e que pecado, inferno e coisas correlatas são idéias medievais para intimidar os ingênuos e as crianças. No entanto, a coerência da nossa fé e a fidelidade à revelação bíblica nos obrigam a confessar a existência de anjos e demônios é elemento integrante da compreensão da vida cristã.
Em outro escrito (novembro de 1973) Paulo VI questiona: “Atualmente, quais são as maiores necessidades da Igreja?”. Ele faz a pergunta e fornece a resposta: “Não deveis considerar a nossa resposta simplista, ou até supersticiosa e irreal: uma das maiores necessidade da Igreja é a defesa daquele mal, a quem chamamos Demônio”. No terreno da ameaça espiritual, o mal já não é apenas uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e perversor. Trata-se de uma realidade terrível e misteriosa.
Nos dias atuais (e não é de hoje) é costume algumas pessoas, instituições e até segmentos espiritualistas negarem a existência do diabo. Por isso a pergunta inicial: O diabo existe? Na verdade, trata-se de uma realidade atestada na Bíblia, e como tal, irrefutável. E como não haveríamos de recordar Jesus Cristo, falando três vezes (no mínimo) no demônio? Ele se refere ao inimigo como “príncipe deste mundo” (cf. Jo 12,31; 14,30; 16,11).
A expressão “mundo” empregada por Jesus não se refere ao planeta em si, mas ao mundo comprometido com o pecado, ao mundo materialista que rejeita a Deus para se comprometer com as coisas do Maligno. A ameaça dessa nociva presença é indicada também em muitas passagens do Antigo Testamento.
São Paulo chama o diabo de “deus desse mundo” (cf. 2Cor 4,4) e nos previne contra as lutas ocultas que nós cristãos, muitas vezes, devemos travar não só contra o demônio, mas com toda a sua tremenda pluralidade, que vai desde as hostes malignas até as organizações e entidades humanas, por ele instrumentalizadas:
Revistam-se da armadura de Deus para que possam resistir
às ciladas do Demônio. Porque nós não temos que lutar
(apenas) contra a carne e o sangue, mas também contra os
Principados e Potestades, contra as Dominações deste
mundo tenebroso, contra os Espíritos malignos espalhados
pelos ares (Ef 6,11s).
O problema do mal, tema da minha tese de doutorado em Teologia Moral, continua a ser um dos maiores desafios para o ser humano, até depois da vitória retumbante de Cristo sobre a morte e o pecado. Muitos, mesmo tendo disponível a proteção do sangue de Cristo, cedem à tentação e se extraviam por aí. É preciso estar atento para sempre recorrer à proteção divina:
Todo aquele que foi gerado por Deus, Deus o guarda, e o
Maligno não o toca (1Jo 5,19).
A nomenclatura referente aos espíritos malignos, embora haja muitos sinônimos e ideias afins, é extensa. Em muitos casos ela é individual (Satanás, Diabo, Demônio, Maligno) e em outros é mais genérica e impessoal (demônios, espíritos maus, diabos e capetas). O verbete diabo (do latim diabolus, por sua vez do grego, diábolos, indica “aquele que separa”, e é o nome mais comum atribuído à entidade sobrenatural maligna da tradição judaico-cristã, o Satanás. Diábolos também quer dizer “desordeiro”.
A representação do mal aparece, com sua suposta forma original de um anjo querubim do alto escalão da hierarquia angelical, que foi expulso dos céus por nele se encontrar o princípio da corrupção universal. Já a expressão demônio tem origem no verbete daimon, daimonos, que quer se referir a algim tipo de espírito, que no princípio não se referia a um ser malévolo.
Ao que tudo indica Satanás (ou Satã) funciona como um codinome, uma apelido original de Lúcifer, do latim lux fero, portador da luz, ou aquele que traz a luz, representando a estrela da manhã, o planeta vênus, que é visível antes do alvorecer. Lúcifer (em hebraico, heilel ben-shach, em grego na versão dos LXX, heosphoros) foi o nome dado ao anjo caído, como descrito no capírtulo 28 de Ezequiel. Nos dias de hoje, numa nova interpretação da palavra, o chama de Diabo (caluniador, acusador), ou Satã (cuja origem está no hebraico Shai'tan, que significa simplesmente adversário.
O nome Lúcifer ocorre uma vez nas Escrituras Sagradas e apenas em algumas traduções da Bíblia em língua portuguesa, geralmente usado na “vulgata” para referir a “estrela da manhã”. Por exemplo, certas traduções protestantes traduzem Isaías 14,12: “Como caíste do céu, ó Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?” A expressão hebraica (heilel ben-shahar) como vimos, é traduzida como “o que brilha”, nas várias versões do Antigo Testamento.
Vistam a armadura de Deus para resistir às manobras do diabo
Segundo a tradição católica, Lúcifer era o mais forte e o mais belo de todos os Arcanjos. Então, Deus lhe deu uma posição de destaque entre todos os seus auxiliares. Segundo a mesma versão, ele se tornou tão orgulhoso de seu poder, que não aceitava servir ao homen, uma criatura de Deus. Por isso ele se revoltou contra o Altíssimo, caindo em desgraça.
A tradição cristã conta que o arcanjo Miguel liderou as hostes de Deus na luta contra Lúcifer e suas legiões de anjos corrompidos, derrotando-os e realizando sua expulsando do céu. Desde então, o mundo vive esta guerra eterna entre Deus e o Diabo: o bem e o mal. Pelo seu lado Lúcifer e suas legiões tentam corromper as criaturas mortais feitas por Deus, os homens; do outro, Deus, seus anjos e santos travando batalhas diárias contra as forças do mal (personificado em Lúcifer) saem na defesa da humanidade. Que maior vitória obteria o “anticristo” frente a Deus do que corromper e condenar as almas dos humanos aos infernos, sua morada verdadeira?
O livro do Apocalipse, sobretudo a partir do capítulo 12, nos dá uma síntese do ensinamento bíblico sobre este Adversário contra o qual, desde a origem até o fim da história da salvação, a humanidade deve combater. No fim, porém, juntamente com a Besta e o falso profeta, suas expressões e criaturas, bem como os homens que tiverem renunciado à graça de Jesus Cristo, todos serão lançados no mar de enxofre “que é a segunda morte” (cf. Ap 20, 10.14s).
A Igreja postula a verdade a respeito da criação de Lúcifer e dos demais espíritos maus. Eles não foram criados maus, pois nada de mal pode brotar de Deus. Há uma bula do Papa Inocêncio III, endereçada aos Valdenses, depois ratificada por outros documentos conciliares que afirma: “Cremos que o diabo não foi feito mau por criação, mas tornou-se assim por sua livre decisão”. Na sequência, o IV Concílio Lateranense proclamou:
O diabo e os outros demônios foram criados bons por Deus,
mas eles, por si mesmos se tornaram maus.
A aparência de Lúcifer pode variar; acredita-se que ele (chamado agora de Satanás), pode assumir a forma que desejar, podendo passar-se por qualquer pessoa. Embora sendo espírito, seu aspecto físico criado pela Igreja em seus primeiros séculos, como já vimos, (e posteriormente herdado pelas várias religiões cristãs) fora copiado de várias entidades das mitologias e religiões de diferentes povos antigos (não exatamente ligadas à maldade). Seu reino, os infernos, sofreu infuência do Tártaro da mitologia grega, morada de Hades (a morte), local para onde iam as almas dos mortos, cuja porta de entrada era guardada por Cérbero, o cão de três cabeças; seus chifres e os pés de bode eram de Pã, uma entidade grega protetora da natureza.
Por ser um espírito, a figura demoníaca ainda é desconhecida, mas muitas são as tentativas de reproduzi-la. O mais popular o levaria a ter uma cor vermelha, com feições humanas, mas com chifres, rabo pontiagudo, pés de bode e um tridente na mão, como um cetro (afinal, ele é conhecido como “o rei deste mundo”).
Alguns acreditam que esta imagem foi criada a partir dos cultos do paganismo. Outra forma também comum quanto ao parecer corresponde a de um ser metade humano, metade bode, com o pentagrama invertido inscrito no corpo, lembrando a imagem de Baphomet, uma entidade maléfica das crença da baixa Idade Média..
Vistam a armadura de Deus para resistir às manobras do diabo
Satanás ou Satã (do hebraico, adversário/acusador), no grego Satanás, é um termo originário da tradição judaico-cristã e geralmente aplicado à encarnação do mal nas religiões monoteístas. A palavra Satanás (significando adversário, acusador) assim como o árabe shaitan, derivam da raiz semítica šṭn, significando ser hostil, acusar. O talmude utiliza a palavra satan para se referir a adversários ou opositores no sentido geral assim como opositores espirituais. No interior do Brasil, para enfatizar sua maldade, o diabo é referido pelo povo simples como o “coisa ruim”, o “nefasto”, o “chifrudo”, o “caramulhão”, etc.
Já o Novo Testamento utiliza o termo Satanás como um nome próprio que designa uma entidade sobrenatural que teria se rebelado contra Deus e que agiria contra este (baseados em Ex 28,12-19 ). O termo grego Satanás aparece no Novo Testamento e em suas versões posteriores (a LXX). Nada impede que se identifique a figura de Satanás com o próprio Lúcifer. Jesus o chama também de “pai da mentira” (cf. Jo 8,44).
Algumas seitas, religiões e ciências, entre elas o Seicho-no-iê e o Espiritismo costumam negar a existência do diabo. Para o espiritismo cardecista, os demônios não existem como tal, mas representam a transitoriedade de alguns espíritos envoltos em trevas, cheios de obsessão, seres atrasados em fase de evolução, que um dia atingirão a luz, tornando-se como os anjos e mesmo como Cristo. Para estas instâncias, o diabo além de não existir, é uma invenção da Igreja Católica para atemorizar seus fiéis.
Foi durante a “baixa Idade Média” que o “anjo decaído” ganhou a iconografia de uma hedionda aparência com a qual o conhecemos hoje. A idade das trevas foi um momento fértil para a propagação nas crenças nas ações de forças demoníacas agindo sobre o mundo. Os milhões de mortos nas epidemias de peste negra vieram, juntamente com a ocorrência de guerras sangrentas, levando muitos à ideia de que “o Anticristo” estaria atuando no mundo.
Foi aí que Lúcifer passou a representar a personificação do mal da forma mais intensa e poderosa que conhecemos hoje. Para que não se caia em erro de interpretação, é imperioso observar que em algus trechos da Bíblia o próprio Jesus Cristo é chamado de “estrela da manhã” que ilumina até o fim dos tempos toda escuridão, como no livro do Apocalipse, onde se lê:
Eu, Jesus, enviei o meu anjo. Ele atestou para vocês todas
essas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou o rebento da
família de Davi, a brilhante estrela da manhã (22,15).
Assim também na segunda carta de Pedro encontramos:
Por isso acreditamos com maior firmeza na palavra dos
profetas. E vocês fazem bem considerando-a como luz que
brilha em lugar escuro, até que raie o dia quando a estrela a
manhã brilhar em seus corações (1,19).
Na realização de um complô demoníaco contra a humanidade, vemos que o diabo vem sozinho ou em massa. Quando Jesus expulsa uma entidade maligna de um homem, pergunta seu nome. É comum nos rituais de exorcismo perguntar o nome do atormentador. Neste caso, a resposta foi assustadora: “Meu nome é Legião, porque somos muitos” (cf. Mc 5,9). Baseado nas milícias dos romanos, uma “legião” era composta de seiscentos soldados de infantaria, mais cavaleiros e homens de apoio, em um total de cerca de mil pessoas.
De outra feita, lemos que Jesus expulsou do corpo de uma mulher, “sete espíritos malignos” que a atormentavam (cf. Mc 16,9). Nos evangelhos há relatos de algumas dezenas de exorcismos (expulsão de demônios) realizados por Jesus.
São muitos os nomes, as características e os poderes atribuídos ao diabo - o príncipe das trevas - na cultura ocidental. Na verdade, a especulação a respeito do diabo é o resultado da fusão de muitas crenças de diversas entidades e de diferentes culturas.
Aparece na Bíblia Sagrada como sendo a serpente que seduziu Eva e Adão no paraíso, levando-os a comerem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal; ou quando no jejum de Cristo, quarenta dias no deserto, o diabo aparece tentando-o, oferecendo-lhe o mundo como recompensa para que Jesus abandone o plano de Deus para sua vida. Padre Leo († 2007), da “Canção Nova”, chamava o diabo de o “encardido”, alegando que assim procedia para não dar muita notoriedade ao “pai da mentira”.
Vistam a armadura de Deus para resistir às manobras do diabo
Com a descoberta da América, o Diabo ganhou contornos nativos, sendo Maíra, Anhangüera, ou qualquer entidade indígena. Com a escravidão dos negros, logo a Igreja (a serviço da coroa) e os senhores brancos se apressaram em associar a figura do Diabo às divindades africanas. O Diabo ganhou uma aparência africanizada, passou a ser chamado também de Exu, Tranca-Rua e outras definições afins.
Na teologia católica, especialmente agostiniana, o diabo é a representação de tudo o que Deus não representa, perversidade, apatia, tentação, luxúria, morte, destruição, como Deus representando a Luz, que existe, e o demônio as trevas, ou seja, a ausência da luz. A esse respeito, encontram-se referências bíblicas em Is 14, Ez 28 e Ap 12.
Um demônio, ou ainda, daimon ou daemon é originalmente um tipo de ser que em muito se assemelha aos gênios da mitologia árabe, mas ao longo dos séculos a sua descrição mudou, e segundo a maior parte das religiões, é um ser intermediário entre o homem e Deus, tipicamente descrita como um espírito do mal, embora originalmente a palavra demônio e os primeiros significados dela pertença aos gregos, e para eles também pode significar um espírito, e até um ser benigno, que caminhava pelo mundo na companhia dos anjos (cf. Jó 1, 6s).
Demônios são espíritos do folclore, da mitologia e da religião do mundo inteiro, que existem em todas as formas e tamanhos e quase sempre querem fazer alguma coisa ruim. Na maioria das culturas é possível encontrar histórias apavorantes de demônios e suas maldades. Embora algumas peças do folclore sejam reconhecidas como fruto de imaginação, os demônios efetivamente são reais, inclusive eram responsabilizados por boa parte dos males acontecidos aos seres humanos.
Nas culturas do Oriente Médio, na Antiguidade bíblica e extra-bíblica nos chegam as figuras de Abaddon, Asmodeu (o pior dos demônios), Belial (o malvado), Beelzebub (o senhor das moscas), Mámon (o deus da riqueza) e Pazuzu (o deus das ventanias), entre tantos outros. Cada cultura, ciente da existência de potências malignas, dava um nome carcterístico àquelas entidades a quem temiam.
Os mais antigos relatos sobre demônios podem ser encontrados nas velhas culturas da Mesopotâmia, Pérsia, Egito e Israel, onde uma diversidade de espíritos malignos levava a culpa pelas doenças, pela destruição das plantações, pelas inundações, incêndios, pragas, ódios e guerras. Diziam que demônios com nomes como “o emboscador” e “o pegador” estavam sempre prontos a atacar, em todo e qualquer lugar, como desertos e florestas, em porões e telhados, ruínas e dentro de casas que não estivessem devidamente protegidas com amuletos e feitiços.
Na maioria das religiões cristãs, conforme já falamos, os demônios são anjos caídos que foram expulsos do terceiro céu (presença de Deus), conforme diz em Ap 12,7ss). Lúcifer era um querubim ungido, da guarda do céu (cf. Ez 28 e Is 14,13s) que, ao desejar ser igual ao Criador, foi lançado fora do céu. Quando porém ele foi expulso do céu e lançado sobre a terra, a Bíblia nos relata que Lúcifer (que tem por qualificativo os nomes de diabo, serpente, dragão, príncipe da potestade do ar, etc...) trouxe com sua cauda um terço dos anjos de Deus (Ap 12s), lembrando que isto é uma linguagem figurativa, que significa apenas que junto de si levou muitos anjos, que se tornaram demônios.
Vistam a armadura de Deus para resistir às manobras do diabo
A Bíblia não cita a quantidade de anjos caídos, mas tem um passagem que diz que o número de anjos que adoram ao Senhor são milhares de milhares e milhões de milhares (Ap. 5,11). A referência a “um terço das estrelas?” pode apontar para o grande número de anjos que se desviaram. O inferno foi feito para eles e a função deles é destruir a máxima criação de Deus (Homem). Sua função é fazer com que o ser humano não conheça a Jesus Cristo. Todos aqueles que morrem sem arrependerem de seus pecados, crendo que Jesus Cristo não é o único Salvador, é lançado no inferno juntamente com estes anjos caídos.
Devido a rituais ou simplesmente a submissão de pessoas ao diabo, os demônios podem eventualmente entrar no corpo de alguém, tornando-o o que se chama de endemoniado, ou atuando sobre o corpo de alguém, como no caso do vudu. Fora isso eles podem simplesmente usar alguém para dizer alguma mensagem para outro indivíduo/grupo. Segundo o que se sabe hoje em dia, os meios para se tirar um demônio de um corpo possuido são, pela Igreja Católica, o exorcismo, e pelos evangélicos a simples oração (e em alguns casos jejum), como orientado pela Bíblia.
Em meu livro “Os anjos existem?” (Ed. Vozes, 1994, 3ª. edição), em um tópico que trata dos “anjos maus”, reportando-me à doutrina cristã, eu saliento que a Revelação cristã impõe aos que crêem, de forma doutrinal e irrefutável, as seguintes afirmações:
• A existência do diabo é uma verdade que pertence ao
depósito da fé e por isso não pode ser posta em dúvida nem
interpretada como mera personificação mitológica do mal no
mundo;
• O diabo, do mesmo modo que os outros demônios é uma
criatura absolutamente finita, que no final dos tempos
enfrentará a destruição, quando Cristo entregar toda a
criação ao Pai.
São Pedro fala em “sobriedade de atitudes” como forma de vencer o mal. São Paulo recomenda que “se vista a armadura de Deus”. No que consiste esse vestir armadura? Trata-se de desenvolver uma atitude de fé, que por sua vez fortalece a vigilância e que conduz o cristão a, movido pelom Espírito Santo, não se afastar da graça de Deus mas, pelo contrário, conservá-la, cada dia mais, junto de si, em seu coração.
Em minha tese de Doutorado já aludida aqui, que versa sobre o mal, refiro-me ao mal como uma realidade presente no mundo. A origem do mal tem duas principais explicações simbólicas. Na primeira delas, Satanás fazia parte da “corte” de Deus. Ele não era mau, e funcionava como um assessor, um conselheiro, com a função de descobrir as faltas dos humanos e denunciá-los. A outra versão é mais épica.
Antes da criação da humanidade, havia quatro grandes arcanjos: Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael. Por ser o mais belo de todos, Lúcifer deixou-se levar pela soberba, desafiando o Criador. Houve uma grande batalha no céu, e Lúcifer derrotado e expulso. Desde então, ele procura semear o mal nos caminhos do homem, a fim de desviá-lo do bem.
O inferno foi criado pelo mal, prossegue a tese. Quando Lúcifer se auto-excluiu e rompeu a comunhão com Deus, ele criou um estado de trevas para ele e seus seguidores. Deus não é o criador do caos (cf. Is 45, 18). Consumada a sua condenação, Satanás tenta criar na terra, através de tantas estruturas de poder, de corrupção, de luxúria e de violência um pseudo-céu, material, sem Deus. Mais do que nenhuma coisa, o inferno é uma escolha: Escolhe o bem e viverás (Jr 21, 8).
Nas formulações teológicas do chamado “Magistério da Igreja” vamos encontrar várias citações e sentenças a respeito do mal, e a atribuição de sua autoria aos espíritos maus. A menção aos anjos, como criaturas de Deus, alerta a literatura patrística do séc. IV, nem sempre aponta apenas para o bem.
Há os anjos do céu, os mensageiros de Deus, mas há também os espíritos maus, chamados “anjos caídos”. Para começo de conversa, cabe dizer que Deus não criou essas criaturas mergulhadas na maldade. Elas foram criadas boas, perfeitas, cheias de luz e amigas do Criador.
No entanto, como eram livres, muitas delas resolveram se insurgir contra a autoridade de Deus, ocasionando uma ruptura irreversível. Assim, os anjos foram expulsos do céu, jogados no abismo, condenados a vagar eternamente, longe da presença de Deus. A queda dos chamados “espíritos maus” deve-se ao uso errado que eles fizeram de sua liberdade. A gravidade desta queda é agravada substancialmente pelo fato de serem esses seres possuidores de uma inteligência excepcional.
Muito tempo depois, os homens – embora possuidores de uma inteligência bem abaixo dos seres espirituais – também fazendo escolha de caminhos errados, quebraram a comunhão com o Criador. Há quem veja semelhança nessas duas rupturas. Eu não concordo! Os anjos eram “seres superiores”, inteligentes, sabiam muito bem a diferença entre bem e mal. O homem não!
Este é, como se diz, “um pobre coitado”, incapaz de avaliar corretamente – até hoje – seus atos e as consequências que deles resultam. O exemplo típico dessa deficiência é o apóstolo Pedro. Ele foi chamado por Jesus, era figura proeminente no grupo e predestinado à santidade, mas na hora de decidir, não soube discernir, acabando optando pelo mais fácil. Sabendo Deus que o homem não seria capaz de decidir e salvar-se sozinho, encarnou-se na humanidade para plenificar seu projeto.
A tese vai adiante quando se refere aos “anjos caídos”. A Tradição é clara ao dizer que muitos (o Apocalipse afirma, em sua linguagem figurada, no Cap. 12, em “um terço das estrelas”) pecaram ao se revoltarem contra Deus. Isso ocorreu, diz a maioria dos textos paralelos, porque essas criaturas espirituais eram dotadas de liberdade e responsabilidade, liberdade que lhes possibilitava participar ou recusar a natureza divina que lhes era proposta. Alguns anjos, portanto, recusaram a graça divina, e pecaram ao procurar serem como Deus: independentes. Nisto consiste o ato de orgulho por excelência que Santo Tomás de Aquino explica na Suma Teológica:
O anjo pecou da seguinte maneira: ao se voltar, por seu livre-arbítrio para seu próprio bem, sem ordená-lo segundo a regra suprema, que é a vontade divina.
O Diabo sabia, desde o início, que “o salário do pecado é a morte” (cf. Rm 6,23), por isso, na mitologia de Gn 1-11 enganou Eva, acenando com vida, conhecimento e poder. Essa é a estratégia do mal: acenar com um bem para ante o vacilo humano introduzir o mal. O caçador coloca carne fresca na armadilha, para atrair suas presas. É como oferecer uma fruta, bonita e vistosa por fora, mas podre e cheia de bichos por dentro. Ao dizer “certamente vocês não morrerão...” (cf. Gn 3,4), o Malvado queria encobrir toda uma gama de conseqüências negativas, como ruptura, dor e morte, que se originaria a partir da desobediência.
O objetivo egoísta do Diabo é perder e separar; jamais viver o amor e o bem. A questão situa-se na dúvida se o homem sabia, de fato, o que estava fazendo, ao deixar-se levar pelo mal, ao invés de prosseguir na trilha do bem.
Os grandes sermões da era patrística são unânimes em alertar contra a ingerência perniciosa do Demônio, “autor e princípio de todo o mal” na caminhada do homem na direção da casa do Pai. Neste contexto literário-teológico ressaltam-se as manifestações de Clemente romano († 212), Justino († 165), Orígenes († 253), Lactâncio († 330), Ambrósio de Milão (†397), Basílio de Cesaréia († 379), Crisóstomo († 407), Gregório de Nazianzo († 390),Theodoro de Mopsuéstia († 428), Leão Magno († 461), Isidoro († 636) e outros, afirmando a periculosidade do Diabo, que procura, de todos os meios, afastar as almas do convívio da graça.
Para os “pais da Igreja”, o bem é teo-lógico (vem de Deus), enquanto o mal é onto-lógico (vem das criaturas). Em muitos desses autores sobressai-se aquela idéia do “mal necessário” para que se dê valor ao bem. Deus destinou que deveria haver distinção entre coisas boas e más; que devemos conhecer, através do que é mau, as qualidades do que é bom, bem como do que é bom a partir do que é mau. Não pode ser entendida a natureza de um sem a existência do outro. No último capítulo da tese, refiro-me aos mestres João Crisóstomo, Gregório e Basílio, que enxergaram o mal moral (pecado) de inspiração demoníaca, na exploração, ganância, usura e insensibilidade social.
Mata seu próximo quem lhe nega a comida, a vestimenta e o
amparo, A prata que cria ferrugem em teu cofre pertence ao
indigente. (São João Crisóstomo: Sermão. PG 59,102).
O ensinamento bíblico, conforme vimos aqui, vem permeado de referências a Satanás, sobretudo no Novo Testamento, onde a práxis do “pai da mentira”, “assassino desde o princípio” é explicada pelo fato que ele representa o grande adversário de Cristo, o qual veio “para destruir as obras do Diabo” (cf. 1Jo 3,8).
Disto se conclui a razão de os evangelhos apresentarem a vida pública de Jesus “como uma luta contra Satanás”. Foi o diabo que colocou no coração de Judas a iniciativa de trair Jesus e entregá-lo a seus inimigos (cf. Jo 13,2). Como um alerta, vale repetir as palavras de São Pedro a respeito:
Sejam sóbrios e fiquem de prontidão! Pois o diabo,que é inimigo de vocês, os rodeia como um leão que ruge, procurando a quem devorar. Resistam ao diabo, permanecendo firmes na fé, pois vocês sabem que essa mesma espécie de sofrimento atinge os seus irmãos que estão espalhados pelo mundo. Depois de um breve sofrimento, o Deus de toda a graça, aquele que os chamou em Cristo para a sua glória eterna, ele os restabelecerá, firmará a fortalecerá, e fará com que vocês sejam inabaláveis. A Deus pertence todo o poder para sempre. Amém! (1Pd 5,8-11).
Encerrando, eu pergunto: para você, o diabo existe? Entendo que a maior vitória do “encardido” é nos levar a pensar e verbalizar que ele não existe. Se ele passar despercebido, sua função de tentar e perverter as pessoas será muito mais facilitada: o caminho está aberto e as almas mais vulneráveis.
Se Cristo veio nos libertar desse poder maligno, todas as vezes que negamos (ou colocamos em dúvida sua existência), estamos diminuindo o projeto libertador de Jesus. O diabo existe, sim! Qual uma fera ele está sempre a nosso redor tentando nos devorar. Jesus afirma a existência do inferno, um fogo eterno, reservado para o diabo e seus anjos (cf. Mt 25, 41). Ora, se o Mestre fez essa afirmativa, não sou eu quem vai negar aquelas realidades.
Ademais, fortaleçam-se no Senhor e na força do seu poder.
Vistam a armadura de Deus para resistir às manobras do
diabo. A nossa luta, de fato, não é contra homens de carne
e osso, mas contra os principados e as autoridades, contra
os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos
do mal, que habitam as regiões celestes (Ef 6,10ss).
Pregação levada a efeito em um Curso de Esíritualidade de religiosos, em Curitiba, setembro de 2008.