Filme "adeus Lenin"

Filme "Adeus Lênin"(Wolfgang Becker – 2003)

Por: Gabriella Damasceno

O filme é uma espécie de metáfora do impacto sofrido pelos apaixonados socialistas da Alemanha Oriental, quando da queda do muro e da invasão dos valores ocidentais e capitalistas em sua cultura, fato que desencadeou a instabilidade econômica e a perda da identidade social daquele povo.

Embora se trate de uma ficção, podemos ver em Christine Kerner (camarada Hanna) a personificação ou simbolismo do povo socialista que em um dado momento da história “dorme” e ao “abrir” seus olhos vê aquilo em que não pode acreditar: a derrocada de sua fé, do seu idealismo.

Semelhantemente ao escravo do mito da caverna (Platão), a Sra. Kerner vive “acorrentada” às suas verdades, vislumbrando sombras do que fora a sua pátria antes do coma, ao acompanhar pela TV a recriação da verdade feita pelo filho Alex, no intuito de protegê-la da decepção através de imagens por ele forjadas. Em sua criação, mesmo a coca-cola é mostrada como uma empresa socialista usurpada pelo capitalismo, e os carros ocidentais como pertencentes aos refugiados rendidos ao socialismo.

Nesse contexto, é possível se fazer uma leitura crítica ao poder de persuasão e alienação da mídia sobre os indivíduos que tomam como verdade o que lhe é aparente sem antes adotar uma posição crítica e investigativa dos fatos.

Assim como o escravo, Christine também deixa sua “caverna-quarto” e encontra um mundo diferente daquele que fora levada a aceitar como real. Contudo, o escravo se liberta. Christine, porém mesmo depois da revelação, prefere manter as aparências. E de forma nostálgica, se despede do mundo como fez o socialismo.

A obra não faz apologia nem a um nem a outro modelo econômico, não pretende fazer julgamento de qual deles era bom ou ruim. Antes, porém, mostra a face de cada um nos seus melhores ou piores ângulos.

É possível identificar uma abordagem negativa quanto ao capitalismo, sobretudo quando mostra o desemprego crescente e os subempregos que reduziam os heróis nacionais a vendedores, operadores e motoristas a exemplo de Sigmund Jähn. Este conhecido cosmonauta que foi ao espaço na época da guerra fria, torna-se um simples taxista na trama. Ou ainda, quando mostra o fechamento das estatais ali representadas pelo café Mooca e dos pepinos Spreewald para abrir caminho às empresas ocidentais.

Contudo, é de igual modo possível perceber os exageros do socialismo. O filme mostra em certos momentos a pressão que o partido exercia sobre os seus nacionais, como quando o pai de Alex fora forçado a fugir por não se adequar ao modelo imposto. Mostra também que essa democracia defendida pela RDA não era tão democrática quanto se pretendia. Para permanecer no poder, o governo que antes defendia as mudança e o espírito de negação da sociedade, agora cerceava a liberdade de imprensa e reprimia os questionamentos da sociedade a esse modelo que não funcionava mais, lançando mão inclusive de força física, da coerção para manter a ordem como faziam os positivistas numa tentativa de instaurar a ditadura do proletariado.

É interessante perceber que mesmo depois da queda do muro, não houve efetivamente a união dos dois lados. O país se unificou, a nação não. Mesmo que sutilmente é possível perceber a disparidade até na linguagem (“cosmonauta” “astronauta”) das duas nações. De modo que, o próprio Alex ao visitar o pai, diz aos irmãos que viera de outro país. Contudo, com a vitória da copa do mundo de 1990, essa divergência é maquiada, e o país celebra uma grande festa da paz tão irreal, quanto os filmes de Alex.

Embora a base da trama seja romântica e singela (um filho protegendo a mãe da realidade amarga do mundo), o filme consegue ser forte e tratar de um fato social tão complexo e marcante com uma pitada de humor e serenidade.

Gabriella S.N.Damasceno, acadêmica do curso de Direito

Faculdade Pio-X, Aracaju-Se