A âncora (SERMO XXXII)
A ÂNCORA
Senhor me salva!
(Mt 14,30)
Eu tenho certeza que todos vocês sabem o que é uma âncora assim como conhecem a sua finalidade, de firmar os navios com segurança, seja no porto seja no mar. Trata-se de um pesado artefato de ferro, preso a uma corrente, que quando acionado cai com um grande estrépito em direção ao fundo do mar. Todos os navios têm suas âncoras. Alguns, seja pelo motivo que for – e o depósito de ferrugem nas engrenagens no-lo revela – jamais ou raramente as utilizam. O fato é que todas as embarcações, desde os simples barcos pesqueiros até os gigantescos superpetroleiros, todos são equipados com esse indispensável dispositivo de segurança.
Assim como os navios, expostos às grandes ameaças do mar, o ser humano também é vulnerável e impotente, tornando-se muitas vezes uma presa fácil das investidas do mal. Se não nos fixamos em algo consistente, mais precisamente em alguém, que nos dê amparo e segurança, nossa existência corre o risco de, qual um frágil barco de madeira, despedaçar-se contra os rochedos do pecado, da violência, da doença e de tantos fatores capazes de colocar em risco nossa vida material, psíquica e espiritual.
O apóstolo Pedro era um pescador que certamente sabia nadar. Seguindo a ordem de Jesus ele se dispôs, como o mestre, a caminhar sobre as águas, naquela noite em Genesaré. Quando o vento agitou o mar, sentindo-se ameaçado, mesmo sabendo nadar, ele pediu a ajuda de Jesus:
Senhor me salva!
Todos nós entendemos alguma coisa de carpintaria. Serramos aqui, pregamos ali e colamos acolá. Nosso conhecimento nessa área nos permite elaborar alguns serviços de emergência, algo assim para “quebrar o galho”, não é mesmo? Mas na hora de fazer um trabalho mais importante, definitivo e de maior responsabilidade, a quem apelamos? A um “carpinteiro” profissional, um especialista na matéria. Assim ocorre a graduação em nossas necessidades e urgências humanas. Alguém duvida?
Os crentes mais humildes oram e cantam ao Deus da vida, pedindo proteção. O pessoal mais sofisticado e de mais posses prefere confiar no poder da sua inteligência, do dinheiro, das amizades influentes, dos advogados, etc. Eu já conhecia a música, mas quando morei no nordeste, senti de perto a fé daquele povo simples das comunidades de base, cantando a plenos pulmões:
Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus,
pois ela, ela te sustentará...
não temas, segue adiante
e não olhes para trás,
segura na mão de Deus e vai!
As seguranças que o mundo tem para oferecer podem ser muito boas, e resolver uma porção de problemas do dia-a-dia, mas não são cem por cento eficazes. Pedro sabia nadar, mas na hora do sufoco preferiu “segurar na mão de Deus”, pois intuiu que só dali viria a solução para a angústia daquele momento.
Nada é tão radicalmente eficaz como a âncora que Deus nos oferece a cada instante. E não se trata de algo miraculoso que desce dos céus nos momentos aziagos. Não! Os grandes navios têm motores potentes, rádio, radar e âncora. Então porque naufragam? Por imperícia e imprudência do comandante, que deixa de utilizar aqueles instrumentos de apoio na hora certa. Na nossa vida também ocorre, muitas vezes, algo parecido. As âncoras estão à nossa disposição. Se naufragamos é porque não soubemos ou não as utilizamos na hora adequada. Nesse aspecto, gostaria de relacionar alguns fatores, que reputo como importantes para a “fixação” de nossa vida cristã:
1. Vida familiar comprometida
A responsabilidade com a unidade da família é fundamental para a criação de um tipo de consciência que é capaz de reagir contra tantos males que agridem as pessoas, e que se não compulsados devidamente, contribuem para a dissolução do grupo familiar; o mundo por aí está cheio de histórias de derrotas, individuais e conjuntas que tiveram sua gênese a partir do desmoronar da família;
2. Vida comunitária atuante
A manutenção de uma vida comunitária atuante, por conta da necessidade de um testemunho permanente, é um ponderável esteio contra todo tipo de mal; quando nos inserimos numa comunidade cristã, adquirimos a consciência de que é preciso combater o mal e todas as investidas do pecado;
3. Oração
A oração é a ferramenta mais eficaz contras as tentações. Santo Afonso de Ligório ensina que “quem ora se salva; quem não ora, facilmente se perde”. As grandes vitórias contra o pecado e suas armadilhas foram desenhadas a partir dos joelhos em terra, da contemplação ao Cristo no sacrário e com a grande arma do Terço nas mãos; os antigos místicos bizantinos usam a figura da âncora, comparando-a com a oração, como o instrumento contra as tentações; para eles, a Rosário é a corrente que ajuda a fixar a âncora;
4. Estudo da Palavra de Deus
Quem não estuda Palavra de Deus, não medita o evangelho e não lê diuturnamente a Bíblia, é incapaz de encontrar um porto seguro onde deixar abrigado o barco de sua vida espiritual; a leitura permanente das Sagradas Escrituras dá ao cristão a orientação para o caminho do bem, da virtude e da santidade;
5. Freqüência (no mínimo dominical) à Santa Missa
Inserida na vida comunitária, a freqüência à Santa Missa é um poderoso auxílio contra as urdiduras do diabo, livrando o crente da sedução das armadilhas malignas. A Missa é para nós um prazeroso encontro com alguém que nos ama. Não se trata de ir quando temos vontade, mas alimentar o desejo de uma comunhão permanente, profunda e regeneradora. A Missa é o cimo referencial de toda a nossa vida cristã. É por onde começam todos nossos projetos de santidade;
6. Freqüência aos sacramentos (Reconciliação e Eucaristia)
Junto com a Missa, a freqüência à Eucaristia é um ato de amor e comunhão. Não é possível um cristão, especialmente um católico, viver sem a recepção dos sacramentos, seja da Eucaristia, seja da Reconciliação. Quem comunga (pelo menos uma vez por semana) e confessa (pelo menos uma vez por mês) tem melhores meios de fugir do pecado e manter-se puro e isento das tantas tentações que assaltam os menos prudentes;
7. Atos permanentes de caridade
A caridade (ou o amor) é a principal das virtudes cristãs; trata-se daquela dedicação à pessoa do outro, da família, da Igreja e da sociedade; quem pratica o bem, representado por uma caridade discernida (não se trata de um mero assistencialismo) mantém-se ligado às coisas, sem tempo para pensar no mal, tornando-se assim mais resistente ao pecado.
Esses fatores auxiliam sobremaneira o desenvolvimento da nossa fé e, como tal, são capazes de formar uma resistência contra os assaltos do maligno. Tem gente que naufraga, famílias que se destroçam, espíritos que se desviam, porque os engodos do mundo, sedutores como eles só, tiram dos trilhos aqueles que foram incapazes de se organizar a partir do conjunto de fatores acima relacionados. Não basta praticar um ou outro; temos que exercitar todos.
Na carta de São Paulo a Tito vemos os efeitos da graça na vida do cristão, como uma ferramenta para a prática do bem:
Ela (a graça) nos ensina a abandonar a impiedade e as
paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio,
justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a
manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador,
Jesus Cristo (2, 11-14).
Assim como tem navios que deixam suas âncoras enferrujarem pela falta de uso, muitas pessoas deixam brotar em si uma ferrugem da falta de vigilância e do laxismo no espírito, nos valores morais e nos desejos de conversão, quando deixam de exercitar em suas vidas os sete fatores de fixação visto acima. Quem não ora, não vive o amor na família e na sociedade, não medita o evangelho e não freqüenta os sacramentos, esse, na hora que tentar algum recurso contra as ciladas do maligno vai notar que está desatualizado, desarmado, sem o equipamento de segurança capaz de defendê-lo dos naufrágios. Tudo o que de deixa de usar, por mais sofisticado que seja, na hora da necessidade vai se mostrar emperrado, incapaz de resolver os nossos problemas. É como, usando uma expressão gauchesca, “só rezar para Santa Bárbara quando troveja”.
Um irmão nosso, mais ou menos atuante na Igreja (digo mais ou menos, porque ele fazia somente aquilo que lhe agradava, e quando convinha) mudou de cidade e se extraviou completamente. Acho que ele hoje “daria um milhão” para voltar àquela vidinha pacata com a família, com os amigos, com sua comunidade de Igreja. Ele primeiro deixou de freqüentar os sacramentos, depois abandonou a vida comunitária e por fim perdeu o compromisso com a família e tudo desmoronou. A mudança que era para ser uma promoção conduziu-o à boca da serpente.
E foi grande a ruína daquela casa.
Recordo que a coisa de um ano ocorreu um grande vendaval no sul, próximo à barra do porto de Rio Grande. Pequenas embarcações, descontroladas pela ventania, foram arremessadas contra os molhes da barra, a maioria delas sofrendo enormes prejuízos e até perdas totais.
Nessa ocasião, li nos jornais a declaração do comandante de um grande petroleiro que atribuiu à eficiência da âncora do navio a salvação do barco, da tripulação e da preciosa carga. “Como temos – contou – uma grande âncora, poderosa e pesada, com uma corrente, forte e extensa, quando pressenti o perigo iminente, mandei soltar a âncora do navio que, firmando-se no fundo do mar, impediu o desastre”.
O homem diligente precisa estar atento às ameaças que se colocam à sua frente. É preciso atenção e capacidade de reação. Quando li a reportagem sobre a prudência daquele comandante, me lembrei do Pedrão, afundando no Mar da Galiléia e preferindo contar com a força da mão de Jesus, clamando:
Senhor me salva!
Quantos de nós, pelos talentos e carismas recebidos, pela inserção num dinâmico grupo comunitário, não representam o papel de um superpetroleiro no projeto de Deus? Quantas pessoas são carregadas de dons e de bênçãos para levar adiante a mensagem de Jesus? E não é porque temos essas dádivas e esse potencial de multiplicação da doutrina que vamos ficar imunes às ventanias e aos furacões levados a efeito pela fúria do maligno.
Assim como não existem grandes navios nem frondosas árvores que não tenham sofrido o embate dos ventos, igualmente não há pessoa humana que não tenha sido fustigada pela tentação e pela perspectiva do pecado.
Jesus diz que quando o homem constrói sobre a areia, é grande a ruína da sua casa. Não leva a nada construir uma vida sobre o luxo, a riqueza, a posição social, as bajulações dos cargos e a superficialidade da vida mundana. Assim também, quando deixamos de usar os instrumentos à nossa disposição, o radar, o rádio, o motor, o desastre com a embarcação da nossa vida é inevitável. O radar seria o nosso senso crítico; o rádio, a oração; o motor potente indica o dom da fortaleza agindo em nós, pelo poder do Espírito Santo; a âncora é a mão de Deus. Qual um comandante experiente, o homem que sabe manejar eficientemente essas ferramentas, mesmo que ameaçado pelos perigos mais cruciais, jamais experimentará a derrota de um naufrágio.
De outro lado, conheço gente que sofreu a insídia dos mesmos vendavais e o assédio quase irresistível do mal e do pecado, e conseguiu sobreviver. Nenhum de nós, qual os grandes navios que singram os mares ameaçadores, está imune às tempestades da vida. Quando menos se espera desencadeiam-se situações indicativas de uma tragédia iminente, sem precedentes.
Quanto maior a estatura espiritual e comunitária da pessoa, mais terrível é a batalha que se deflagra contra ela e mais assustadora é a pressão desenvolvida pelo maligno, que busca alijar tal pessoa do caminho do bem e do serviço ao evangelho. Quando nosso trabalho espiritual é importante, o diabo se sente incomodado e “vem com tudo” para nos derrubar. Aí só um clamor pode resolver:
Senhor me salva!
Na hora que o vendaval das tentações aparece só a âncora de Deus, a oração, os sacramentos e a inserção na comunidade são capazes de mudar as coisas e nos defender do naufrágio. Se confiarmos apenas em nossos recursos humanos, a coisa complica e a vaca vai pro brejo. Não se trata de afirmar, de forma maniqueísta, com referência aos dois casos acima, que “A” é melhor que “B”, ou vice-versa. O furacão é o mesmo. Ambos tinham as mesmas ferramentas e contavam com a disponibilidade da mesma âncora. A diferença se situa no fato de que um a usou e o outro não.
Às vezes só uma âncora de ferro ou uma mão poderosa é capaz de impedir as tragédias em nossa vida. Em muitas ocasiões a gente chega a se desesperar, achando que não existe saída para nossas aflições, que tudo se vai por água-abaixo. Não é assim? É esse desespero, essa sensação de “sem saída” que inspira os suicidas ao gesto derradeiro. Como ajuda vamos buscar subsídios na Bíblia.
Em termos de aflição e embates com o mal, eu me recordo de Moisés e de Davi. Vamos ver primeiro a saga de Moisés. Depois de muito debate verbal e ações que visavam vencer a teimosia do governante do Egito, Moisés conseguiu autorização para ir embora com seu povo. Logo a seguir, quando olhou para os lados viu que a cavalaria dos egípcios vinha atrás deles, e na frente estava o Mar Vermelho. Não havia saída! O faraó, tipificando o mal de todos os tempos, “veio com tudo” contra o povo de Deus (cf. Ex 14,2).
Os carros de guerra do Egito eram as armas mais letais que existiam naquele tempo. Eram terríveis na arte da guerra; nada podia resistir a eles. Quantas vezes nos deparamos com situações na vida em que concluímos não haver mais saída? Em quantas oportunidades sentimos o crescimento do poder do inimigo, em disparidade à nossa capacidade de reação.
Não tem aquela hora que bate o desespero? Pois foi assim que ficou o povo: atrás o exército do faraó e à frente um braço de mar, humanamente instransponível. Tudo parecia liquidado. Não é? Mas o Senhor escutou a súplica de seu povo e o defendeu do perigo que se manifestava de forma terrível.
Diante dessa perspectiva ameaçadora Israel tremeu. A gente treme também diante dos perigos da vida, especialmente diante de quem fomos escravos. Mesmo livre o povo teve medo de decidir. Tem gente que prefere a lei (que escraviza) à graça (que liberta). Não tem saída? Recorra a Deus como fez Moisés, e a solução apareceu, o mar se abriu e o inimigo foi derrotado. Na hora do perigo, do “sem saída”, Deus nos inspira alguns passos. Vamos ver cada um deles?
1. Veja o problema!
Trata-se de ver com os olhos da fé a solução do problema; Deus sempre abre uma porta para nós; quem enxerga o problema com os olhos da fé, já vê as questões resolvidas; a fé tem poder;
2. Obedeça à voz de Deus!
É imperioso obedecermos conforme aquilo que Deus nos inspira; ele sempre nos move no sentido da ação, nunca da apatia. Se for Deus que dirige a nossa vida, vamos acatar a direção dele;
3. Vá em busca do milagre!
O milagre não cai do céu; a gente é que tem que clamar e correr atrás dele; há vários exemplos de pessoas que correram atrás do milagre:
• a mulher cananéia
• os quatro homens que carregavam o paralítico
• o cego
Eles não ficaram parados esperando, mas foram atrás de Jesus, clamando, pedindo a cura. Nesse aspecto Deus espera de nós o primeiro movimento: “eu faço o milagre, mas vocês devem tomar a iniciativa. Abrir o mar é comigo, mas vocês devem avançar rapidamente na direção da praia. Não adianta ficarem choramingando”.
4. Use sua “autoridade” de batizado!
O batismo abre para nós as porta do Reino, assim como nos transforma em missionários. Como batizados temos simbolicamente o poder de abençoar, expulsar o maligno e pisar cobras venenosas e escorpiões, dobrando a força do inimigo (cf. Lc 10, 17ss). Para tanto, é preciso, com fé, repreender o mal, desviar das tentações e buscar o apoio de Deus. O mal dificilmente derrota um forte; ele se aloja no coração dos tíbios, dos que perdem a capacidade de vigilância. Às vezes somos tentados a servir aos egípcios ao invés de marchar com Israel pelos corredores da liberdade em meio ao deserto (cf. Ex 14,12).
5. Não vacile!
A falta de coragem é fruto de uma fé vacilante. Quando a gente questiona “será que eu posso?”, automaticamente está colocando em dúvida a força da parceria com Deus. Não vacile; não abra a guarda! É isso que o maligno deseja: que você se entregue. Ao contrário, diga sempre: “Tudo posso naquele que me dá forças” (Fl 4,13) ou “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” (Sl 23,1).
6. Não tema!
Ora, se Deus é por nós, quem se atreverá a ser contra nós? (Rm 8,31). Ele vem em nosso socorro na hora da borrasca. Basta clamar por ele. Ele é o socorro na hora da angústia.
Não tema, segue adiante
e não olhes para trás,
segura na mão de Deus e vai!
Por aí tem gente que pratica uma vida comunitária insuficiente, superficial. As paróquias estão por aí cheias de atividades: Reuniões do Cursilho às segundas-feiras, Grupos de Oração às quartas, Encontro de Casais às quintas, Pastoral da Liturgia às sextas, Grupos de Jovens aos sábados, e vai por aí. Muitas pessoas, adultos, jovens e idosos se atiram a essas atividades não como um apostolado, mas como um derivativo, àquilo que Teilhard de Chardin chama de “espiritualidade de evasão”.
Uma vez perguntei a um jovem o porquê de sua assídua freqüência semanal às reuniões do CLJ (Curso de Liderança Jovem) e ele me respondeu que ia por causa da “curtição”. Ele “curtia” as atividades; não ia lá para crescer espiritualmente, mas para cantar, tocar violão, dar boas risadas e rever amigos.
De outra feita houve um problema em um grupo de Cursilhos, e a senhora disse que o ideal seria saírem, darem um tempo, mas que o marido “precisava” daquelas reuniões, caso contrário não se sustentaria na fé. Está certo que a pertença a um movimento religioso é coisa muito boa, mas existem atividades mais eficazes, como a vida em família, a Missa, os Sacramentos, etc. Quem prioriza uma atividade pastoral como fundamental tem que revisar a eficiência de suas âncoras.
Outros, vão aos encontros semanais do seu movimento, para rever amigos, atualizar as conversas e tomar cafezinho. O conteúdo doutrinário exposto passa despercebido.
O fato é que problemas todos têm. Cada pessoa possui suas carências e é vulnerável nesse ou naquele tipo de tentação. Davi, o grande rei de Israel se viu envolvido em uma teia de pecados e incoerências sem precedentes. Seus erros acarretaram-lhe problemas de toda ordem (cf. 2Sm 12,15-25).
O filho que ele teve do adultério com Betseba, morreu logo depois de nascer. De Davi nos vêm as lições de enfrentar as adversidades e seguir adiante. É preciso que a gente aprenda a ser vencedor na vida, seja no terreno material, seja no espiritual. Morto o primeiro filho, o Senhor deu a Davi um segundo, Salomão, que foi o maior rei de Israel; o mais sábio. Muitas vezes retrocedemos, nos afastamos do objetivo, abalados por alguma contrariedade. Podemos aprender com Davi como enfrentar os problemas.
1. Acreditarmos que há solução
Quem não acredita na ajuda de Deus, já está derrotado: “Se você fraqueja no dia da desgraça é sinal que sua força é bem pequena” (Pv 24,10). Tem cristãos por aí – e infelizmente não são poucos – que acreditam nas obras de “auto-ajuda” que pululam nas culturas esotéricas e espiritualistas, e se esquecem de buscar a ajuda do Senhor. Quem acredita em “auto-ajuda” demonstra não ter fé, desprezando assim a providência divina;
2. Buscarmos a ajuda de Deus
Ele tem todas as respostas e todas as saídas para os nossos problemas. É preciso buscar a ajuda com oração, jejum e humilhação (joelhos em terra) conforme ensina o profeta Isaías (43,13);
3. Não perdermos a confiança no poder divino
Davi acreditava na misericórdia de Deus; acreditava que Deus, por causa da nossa oração pode mudar, reverter – se ele quiser assim – uma sentença de morte. No caso, não devolveu a vida do filho morto, mas deu-lhe um segundo que superou a todos
4. Lutarmos sem esmorecimento
É preciso lutar, insistir sem jamais desistir. Na hora do perigo, prepare-se para ficar sozinho; amigos e parentes têm suas prioridades e problemas particulares; Davi largou tudo para orar a morte do filho, e o Senhor lhe deu o consolo e a coragem para continuar vivendo; a criança (fruto de um pecado) morreu, mas Deus logo em seguida deu-lhes outro filho. Davi não parou, mas seguiu em frente;
5. Não perdermos a percepção dos problemas
Davi permaneceu atento à vida; não se alienou nem desesperou por causa da derrota; há pessoas que – embora vivas – morrem juntas com o que/quem morreu. Está na hora de mudar: não se trata de sucumbir às perdas, mas de perceber a necessidade de ir em frente, de sobreviver. Tem gente que por causa de uma derrota nunca mais se levanta na vida
6. Sairmos do estado de sofrimento
Na adversidade cabe sempre recorrer a Jesus como nossa âncora. Nenhum mal vai parar a minha caminhada, pois o Senhor caminha comigo. Davi se levantou, lavou o rosto, se perfumou e entrou na casa do Senhor. Ele não passou a vida inteira choramingando, marcado por uma desgraça que aconteceu no passado. Ao contrário, reagiu; foi em frente;
A relação do homem com Deus se processa, lamentavelmente, muitas vezes, mais pelo temor do que pelo amor; menos pela gratuidade do que pela obrigação e pelo formalismo. Isto sem falar naqueles que mantêm uma relação nitidamente interesseira com Deus; só se aproximam para pedir e buscar solução para seus problemas. É como um casal de namorados, que ao invés de confiar e se entregar ao amor, tem desconfiança um do outro, medo de represálias e um total desconhecimento das profundidades do amor.
No verdadeiro amor, o temor e a desconfiança não têm lugar. A verdade é que muitos ainda não aprenderam a dar a Deus o amor que lhe é devido. Falta-nos passar da fé estática para a dinâmica. Os que agem assim, amam pouco, são menos amados ainda, e em função disto, a relação não evolui.
Há pessoas que mantêm um contato assim com Deus. Temem-no sem amá-lo; respeitam-no sem entregar-se. E por isto não sabem por que a relação não progride, não dá frutos e permanece como que estéril. “Eu rezo, rezo, rezo – dizem – e Deus não me atende... parece que não me escuta!”, ou “eu pedi tanto e não adiantou: meu pai morreu!”.
Algumas pessoas têm dificuldade em entender a graça e a misericórdia de Deus, porque, em muitos casos, pedem coisas que não são importantes para sua salvação. Pedem pelos outros, às vezes coisas fora de contexto. E como pedem demais, decepcionam-se quando alguns pedidos não logram receber o atendimento imediato, como esperavam. Não sendo atendidos, julgam-se preteridos, esquecidos, desprezados, e isto gera um bloqueio que pode investir até contra os fundamentos de sua fé.
A partir desse bloqueio na comunicação com Deus, a pessoa entra em desespero, decepciona-se, perde a confiança e acaba prejudicando sua fé. Isso ocorre, na maioria dos casos, por uma sintonia equivocada, por falar muito e escutar pouco, pedir demais e não dar valor ao quanto recebe.
É preciso estar atento, fazer como que um balanço do quanto Deus nos dá, às vezes sem pedirmos ou merecermos. O amor de Deus se revela doação para cada um de nós. É preciso estarmos atentos a esses tesouros diários que recebemos, ser gratos e louvarmos o Criador por tão generosos dons.
O futuro está na mão de Deus. O que fazer quando a tempestade arremessa nossa frágil embarcação para lá e para cá? Lançar a âncora! Tempestades surgem quando menos esperamos. Quando a tempestade chega traz com ela o medo, os temores, as incertezas. Mas não deve ser motivo para desespero, afinal Jesus está no barco (cf. Mc 4,37ss); ele ainda anda sobre o mar (cf. Mt 14, 25 -31).
Para encerrar esta reflexão, vou recorrer a São Paulo, naquilo que reputo com um conjunto de espiritualidade, a maior âncora capaz de fixar o cristão junto ao projeto de Deus:
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, dessas
três, porém, a maior é o amor (1Cor 13,13).
Estas são as chamadas “virtudes teologais” que formatam nossa vida na direção do Ressuscitado. Elas são as âncoras que sustentam nossa caminhada e orientam nossa atitude nos momentos de perigo. Quem recorre a elas jamais será confundido nem experimentará naufrágios.
1. A âncora da fé.
A fé é a virtude que dá força e resistência contra as investidas do mal. Ela nos ajuda a vencer todas as dificuldades.
Sejam vigilantes, permaneçam firmes na fé! Sejam homens,
sejam fortes (1Cor 16,13).
A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera; é um
meio de conhecer realidades que não se vêem (Hb 11,1).
2. A âncora da esperança.
São Paulo diz que a esperança é a âncora da alma (cf. Hb 6,19s). O salmista afirma que esperou com paciência no Senhor (cf. Sl 40,1).
Esperando contra toda a esperança, Abraão acreditou e se
tornou pai de muitas nações, conforme foi dito a ele: Assim
será a sua descendência (Rm 4,18).
Na esperança nós já fomos salvos (Rm 8,24).
Que o Deus da esperança encha vocês da mais completa
alegria e paz na fé, para que vocês transbordem de
esperança pela força do Espírito Santo (Rm 15,13).
3. A âncora do amor.
O evangelista João nos ensina que “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Ora, se pretendemos “ancorar” nossa vida em Deus, devemos faze-lo a partir do amor, cuja inspiração vem de Seu Santo Espírito. Em São Paulo vamos encontrar diversos trechos que se referem a esse amor:
Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a
angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o
perigo, ou a espada? (Rm 8,35).
Nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura
nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus
nosso Senhor (v. 39).
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não
tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo
que retine (1Cor 13,1).
O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso; não
se ostenta, não se incha de orgulho (1Cor 13,4).
E acima de tudo, vistam-se com o amor, que é o laço da
perfeição (Cl 3,14).
O amor jamais haverá de passar (1Cor 13,8).
Jesus é a âncora segura contra as ondas do pecado, da dúvida e da morte. A fé do cristão se ancora na Ressurreição de Jesus. Jeremias fala que infeliz (ele chega a dizer “maldito”) é o homem que coloca sua confiança no homem (cf. 17,15) ao invés de colocá-la em Deus, principalmente, quando este outro em quem lhe é depositada a confiança não anda nos caminhos do Senhor. A confiança no ser humano apesar de solidária, deve ser encarada com algumas reservas. Aproveitando ainda a fala de Jeremias, Jesus também pergunta se
Pode um cego guiar outro cego? (Lc 6,39)
Pois bem, mesmo que um homem caminhe nos caminhos de Deus ele pode cair, porque somos humanos e todos pecadores, imagine-se então uma pessoa que não conhece a Deus e nós depositamos nossa confiança nela? Certamente nos afastaremos de Deus e perderemos nossa vida. Na vida confiamos nos amigos, nos parentes, no marido e na esposa, nos professores. Essa confiança, no entanto, traz em si a característica do provisório, pois é depositada em pessoas humanas. Só a confiança em Deus nunca engana nem defrauda nossa esperança (Rm 16,18).
Por fim, se você tem colocado sua esperança em Jesus, saiba que ele é poderoso para realizar seus sonhos, seus projetos, e até muito mais do que isso (Ef 3,20). Lance a âncora da sua esperança naquele que pode todas as coisas, o Deus Todo-poderoso, da Palavra eficaz e cheia de Vida. Nele há recursos inesgotáveis para solucionar qualquer problema de nossas vidas. .
Meditação levada a efeito em um retiro de leigos em João Pessoa/PB, em novembro de 2008. O autor é Biblista e Doutor em Teologia Moral.