A Marinha na Segunda Guerra.
A Marinha na Segunda Guerra.
Eurico de Andrade Neves Borba
2ºTen. RNR da Marinha, ex Presidente do IBGE, Ex professor e Vice Reitor da PUC RIO.
Artigo publicado no Jornal do Brasil em 23 de agosto de 1995, coluna Opinião
Comentários da imprensa envelhecem em 24 horas. Pouco a pouco as reportagens sobre os 50 anos do fim da Segunda Guerra, vão se tornando escassos.
Foi emocionante presenciar a participação do Brasil, na pessoa do seu Presidente da Republica, nas festividades em Londres e a celebração junto ao Monumento aos Mortos da Segunda Guerra, no Rio de Janeiro, agora em maio. O Brasil foi o único país latino-americano, consciente da sua importância estratégica, que se engajou na luta, declarando guerra ao EIXO, (Alemanha, Itália e Japão), em 31 de agosto de 1942. Aliás, na Primeira guerra Mundial, (1914/1918), o Brasil também se fez presente, participando com uma missão militar e médica, junto às tropas aliadas que combatiam na França, e uma Divisão Naval de Operações de Guerra, (DNOG), patrulhando o Atlântico no trecho entre o nordeste brasileiro e o norte da África.
Mesmo os comentaristas mais irreverentes calaram-se nestes momentos de respeitosa recordação. As 50 milhões de vítimas, os dramas humanos do conflito global, amplamente noticiados, silenciaram as análises superficiais e, uma vez mais, as nações reverenciaram os mortos, condenaram as injustiças, recordaram os milhares de anônimos heroísmos e sacrifícios pessoais, proclamaram a vitória da democracia sobre a fúria totalitária. Contra fatos tão nítidos perdem sentidos as análises históricas e sociológicas, pretensamente refinadas, que, relativizando os acontecimentos concretos, o drama e o heroísmo de homens e mulheres que participaram dos eventos, transferem, apenas, para as ideologias e interesses econômicos as razões do conflito. Não concedem espaço para a também determinante vontade de resistir à invasão, à opressão, à agressão como a expressão do amor de um povo por sua pátria e pela liberdade: “nunca na história dos conflitos humanos tantos deveram tanto a tão poucos”(Winston Churchill, agosto de 1940, no auge dos ataques aéreos nazistas sobre a Inglaterra, ultimo reduto da democracia européia, que se recusava se render). O que se comemora agora, o que se recorda não é, apenas, a vitória sobre o nazifascismo e o imperialismo nipônico: homenageiam-se os homens e mulheres que, por suas mortes e sacrifícios, tornaram possível a vitória. Para esses que testemunharam um ideal, não importou as sutilezas da política de bastidores, se foram usados ou não por interesses mesquinhos dos seus lideres. Eles estavam lá, acreditaram num sonho de liberdade, cumpriram com o seu dever.
O Brasil também participou desta trágica experiência histórica. Modestamente deu sua contribuição para a vitória dos Aliados. Nunca se pretendeu exagerar a importância da nossa contribuição. A mobilização foi global: aceleramos as exportações de matérias-primas necessárias para o esforço de guerra das nações aliadas; nossas bases no nordeste foram de decisiva importância para a libertação do norte da África; o Exercito brasileiro combateu com uma divisão, (cerca de 25 mil homens), na Itália; a Força Aérea ajudou a patrulhar nossas costas e marcou presença vigorosa nos céus da Europa. Tudo isso a nossa imprensa divulgou e comentou apresentando, inclusive, filmes e fotografias da época, em excelentes reportagens.
Mas esqueceram-se da Marinha... Da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante.
A Marinha de Guerra e a Mercante foram os segmentos da nação que deram as maiores contribuições, seja pelo tempo de atividades em guerra, (desde agosto de 1942), seja pela importância estratégica da sua ação específica, seja pelo numero de seus mortos:(1.449 pessoas, sendo 477 militares, 470 mercantes e 502 passageiros, vide Saldanha da Gama – A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial, Capeme Editora, 1982). Foram os comboios, (31 navios brasileiros torpedeados, sendo 6 em nossas costas), o patrulhamento do mar territorial, o necessário apoio, à época, aos vôos transatlânticos, a ocupação da Ilha oceânica Trindade, que marcaram a participação da nossa Marinha no conflito mundial. A Marinha Mercante, comboiada pela Marinha de Guerra, (3.164 navios), pôde continuar a transportar gente e mercadorias sustentando a economia nacional. O Brasil dos anos de 1940 pouco se comunicava por rodovias e por ferrovias: o país dependia, quase que totalmente da sua navegação de cabotagem.
Como sucedeu com o Exercito e a Força Aérea, que em contato com as novas tecnologias e doutrinas impostas pela guerra, modernizaram-se. A Marinha do Brasil também teve que, rapidamente, se ambientar ao novo contexto. Enquanto treinava seus recursos humanos, adquiria novos navios, improvisava com inteligência para bem desempenhar suas missões. Pouco se escreveu sobre a dura “faina” dos “caça-pau” (pequenos navios feitos de madeira para o combate aos submarinos) e das antigas corvetas que desde 1942 garantiram a navegação em nossas costas. A partir de 1943 com a chegada de 8 modernos contratorpedeiros americanos e de 8 caças-submarinos a situação melhorou ampliando-se a ação da Marinha e sua área de patrulhamento do Atlântico Sul. Sobre o assunto vale a pena ler o belo romance, recentemente publicado, A Bordo do Contratorpedeiro Barbacena, (Camarinha, J.C.G.,Catau Ed. 1994), que retrata com maestria a dura vida dos nossos marinheiros naqueles dias.
Tudo isto deve ser dito para que as novas gerações conheçam o papel desempenhado pelo Brasil, pelas suas Forças Armadas, naquele conflito que tanto influenciou a história do sec. XX e que não se restringiu à Europa e a longínqua Ásia. Esteve muito próximo de nós, nas nossas águas territoriais, marcando nossos mares e praias com os destroços dos vários aqui navios torpedeados.
Não é conveniente, no momento em que as Forças Armadas dos principais países refletem sobre as novas condições de suas missões e participação na vida das sociedades democráticas, que esquecimentos nas experiências históricas recentes leve a se pensar na importância ou na preponderância de uma Força Armada sobre as demais. Atualmente a questão da missão militar é, antes de qualquer outra consideração, uma questão de relações de interdependência, de colaboração e de entendimento entre as três expressões do poder militar – Exercito, Marinha e Aeronáutica - bem como sua subordinação à ordem constitucional e ao poder político de uma nação. No caso específico do Brasil, quando começa a ser discutido a hipótese da criação de um Ministério da Defesa, é importante que a população, cada vez mais participante das decisões políticas, conheça a necessária complementaridade entre as ações das Forças Armadas e as experiências de cada uma no passado. Só assim bem poderão cumprir suas missões decisivas para a manutenção da soberania nacional.
A Marinha do Brasil, guardiã de tradições e fonte permanente de inspiração de amor à Pátria, lembrada ou esquecida de seus feitos, logo ali no horizonte de nossas extensas costas, do lado onde nasce o sol, continuará a navegar altaneira e resoluta, pronta para, unida com o Exercito e a Aeronáutica, testemunhar com coragem e competência, como sempre o fez no passado, o seu respeito à nossa Constituição e a garantir a nossa soberania.