A BODEGA DE MEU PAI

A BODEGA DE MEU PAI

Por Aderson Machado.

O meu pai fora agricultor e comerciante. Com essas duas atividades ele criou e educou uma prole de sete filhos.

É importante ressaltar, porém, que ele não era um latifundiário nem tinha um grande comércio.

No que se refere a essa última atividade, pai tinha apenas uma bodega, que também era chamada de venda, pelo menos lá na região do Brejo de Areia. Aliás, não só no Brejo de Areia, mas também na zona canavieira da Paraíba, era assim que se chamava esse pequeno tipo de comércio.

Nas bodegas se vendia de tudo um pouco: farinha, feijão, arroz, açúcar, carne-de-sol, sabão, gás, tripa, queijo, etc., e, também, bebidas. Enfim, eram vendidos o que chamamos de secos e molhados.

Com relação ao item bebidas, a campeã de vendas era a famosa aguardente de cana-de-açúcar. Era mais barata, e tinha efeito imediato.

Como meu pai morava na zona rural, os seus fregueses eram pessoas pobres e humildes. Eram, na verdade, trabalhadores que levavam uma vida dura, e ainda por cima ganhavam muito pouco. Trabalhavam nos engenhos que fabricavam rapadura ou no cultivo do sisal, ou por outra, na agricultura.

Normalmente esses trabalhadores recebiam os pagamentos a cada semana trabalhada.

Nas bodegas – ou vendas – havia o fiado. Quer dizer, as pessoas compravam e pagavam a conta depois de um certo tempo. Como os trabalhadores recebiam por semana, era com essa periodicidade que pai recebia o dinheiro das vendas efetuadas. Porém, havia os maus pagadores. E havia, também, os que nunca pagavam! Estes, todavia, ficavam, qual macacos, pulando de galho em galho, quer dizer, ficavam variando de bodegas para continuar comprando fiado.

Um destes, por sinal, depois de um longo tempo sem pagar a sua conta lá em casa, voltou à bodega de meu pai, trazendo consigo a seguinte proposta: -“Seu Firmino, se eu lhe pagar a minha conta, o senhor ainda me vende fiado?”. Pai, incontinenti, disse-lhe: - “Vendo”. Diante desta afirmativa, o velhaco pagou a dívida, e foi logo pedindo as mercadorias. Foi aí, então, que pai recuou, e foi dizendo ao freguês: - “A partir de hoje você não compra aqui sequer uma caixa de fósforo!”. E o cliente logo se espantou: - “Mas, Seu Firmino, o senhor não jurou que voltava a me vender fiado?!”. E pai foi direto ao assunto: - “Não lhe vendo mais fiado porque você me ‘experimentou’ primeiro; o seu dever era pagar a conta sem impor nenhuma restrição”. Dito isto, o velhaco bateu em retirada, e nunca mais voltou à nossa bodega.

Na verdade, na verdade, o “velho” Firmino perdeu muito dinheiro nas mãos de inúmeros maus pagadores, porém o seu comércio nunca foi à bancarrota, pois, segundo a sua fé, como católico que era, ‘tinha mais Deus pra dar, do que o diabo pra levar!’.

Como disse, na nossa bodega também se vendia bebidas. E era aí onde morava o perigo: o lucro era pouco, e o aborrecimento não tinha limite, porquanto não era brincadeira se aturar o “moído” de certos bêbados inconvenientes. Para amenizar esse estado de coisas, meu pai adotou uma tática: não vender bebidas a quem já chegasse embriagado. Porém, se a pessoa chegasse lúcida, poderia beber até cair! Menos mal.

Para “despachar” na bodega meu pai nunca contratou quem quer que fosse. Portanto, ele, minha mãe e os meus irmãos mais “velhos” se encarregavam dessa tarefa. Recordo-me que nos finais de semana o movimento muito intenso. A bodega fervilhava de pessoas; era muito trabalho. E eu, pequeno, só fazia observar esse movimento todo.

Dentre os secos e molhados vendidos na nossa bodega, destaco o bacalhau norueguês, e a carne de baleia que, à época, era pescada, em profusão, nas costas litorâneas da Paraíba, principalmente perto da cidade de Cabedelo.

Com relação ao bacalhau, é bom frisar que na época em que meu pai o vendia – nos anos 50 e 60 -, esse peixe era tido e havido como comida de pobre! Tanto é assim que os trabalhadores de meu pai só comiam bacalhau. Nós outros comíamos carne-de-sol, charque, peru, etc., - menos bacalhau!

Hoje em dia, portanto, os papéis se inverteram! Nenhum pobre, e muitas pessoas de classe média não podem mais comprar bacalhau! – comer, pode.

É como diz o ditado: “Antigamente as pessoas eram felizes e não sabiam!”. Já uma prima minha disse com muita propriedade: “Eu não nasci pra comer bacalhau. Pois bem, quando o meu pai tinha bodega e vendia esse peixe, a gente só comia carne. Agora, bacalhau é comida de rico, porque cara, e eu não posso comprá-lo. Sequer na Semana Santa!”.

Em face do exposto, é improvável que nas bodegas de hoje em dia se venda mais bacalhau. Afinal, quem iria comprá-lo?

Carne de baleia, então, nem pensar, até porque, de há muito, a sua pesca foi extinta.

Por fim eu diria que as bodegas que ainda restam perderam muito do seu romantismo, principalmente depois que a energia elétrica chegou em quase todas as propriedades rurais, e, assim, o velho pote de esfriar cervejas se aposentou. É que, antigamente, as pessoas preferiam beber cervejas apenas frias, não geladas.

E meu pai era uma dessas pessoas!

Mas essa é uma outra história...

Aderson Machado
Enviado por Aderson Machado em 21/04/2009
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