RETRATO DE MÃE

RETRATO DE MÃE

Felizmente tenho uma memória que me permite voltar no tempo até a mais tenra idade. Quando minha avó faleceu tinha menos de três anos. Mesmo assim jamais esqueci daquela manhã em que, espreitando pela porta do quarto, pude vê-la em sua cama, protegida por um cobertor xadrez, enquanto raios de sol invadiam o ambiente através da janela entreaberta.

Ela estava doente e, logo viria a falecer.

Morávamos no sítio do meu avô, numa casinha de taipa, coberta com sapé e piso de chão batido. Aos domingos a gente ia até a pequena cidade fazer compras. A “noiva”, nossa égua branca, era o meio de transporte. Minha irmã Maria, carinhosamente chamada Fia, ia na garupa, enquanto que eu por ser bem pequeno tinha o privilégio de poder ir no colo da minha Mãe.

O destino era sempre o mesmo: o armazém do seu Bertolino, meu Padrinho.

Havia ali, duas coisas que me fascinavam: o sabor do licor de cacau que sempre me davam “um golinho”, e o pão d´água que media cerca de um palmo. Minha Mãe comprava um por vez. Cortava em sete fatias e, guardava numa lata bem fechada, para que eu pudesse comer uma por dia. Lembro-me da canequinha esmaltada, o pão no fundo, e o café fresco sendo despejado em cima para que eu comesse com colher.

Assim transcorriam tranqüilas as manhãs da minha infância quando tudo era sonho e descoberta.

Meu Pai faleceu duas semanas antes do meu nascimento. Mas cresci ouvindo tantas histórias boas a seu respeito, que aprendi a amá-lo. Minha Mãe era uma valorosa guerreira! Durante o dia trabalhava na roça. Levava-me com ela e, enquanto enfrentava a enxada, me deixava bem protegido na sombra de alguma árvore. Para me resguardar dos mosquitos, ela enrolava trapos num bastãozinho de madeira, encharcava com querosene e ateava fogo. Depois apagava as labaredas, deixando somente o brasido para que a fumaça espantasse os insetos enquanto eu chacoalhava o improvisado repelente.

À noite, iluminada pela luz da lamparina, ela ia para a máquina de costura para produzir calças sob encomenda.

Muita gente da cidade a procurava devido à sua habilidade como costureira. Ela sempre dizia, com orgulho, que as calças que fazia, acabava o tecido, mas a costura não cedia.

Assim trabalhou durante cinqüenta anos na profissão.

Depois de aposentada, viveu mais vinte e três anos, e posso dizer que sou um felizardo. Afinal, não é todo mundo que tem o privilégio de ter uma Mãe que ultrapasse os noventa anos que a minha viveu.

Sou grato a Deus por isso!

Nunca vi minha Mãe reclamar da vida!

Se, trazia meio quilo de carne do açougue, ficava contente como se tivesse comprado uma vaca inteira!

Quando terminava mais uma calça, ria feliz como uma criança!

Também era benzedeira e sempre arrumava um tempinho pra benzer de “susto e quebranto”, as crianças que as Mães, esperançosas, levavam até ela.

Não foram poucas as famílias que tiveram seus filhos beneficiados pelo “lombrigueiro caseiro” que fazia.

Muitos vovôs de hoje em dia, quando crianças, foram “arribados” pelo seu vermífugo à base de hortelã, poejo, casca de romã e limão galego, que além de eficiente, tinha um sabor delicioso!

Detalhe importante: como benzedeira, nunca cobrou um centavo de ninguém!

Um dia, como acontece com tantos jovens do interior, parti pra cidade grande em busca de um lugar ao sol. Hoje sei o quanto minha Mãe sofreu por ter um filho vivendo distante, durante dezenove anos. Quando finalmente consegui retornar, redescobri o prazer da convivência com aquela que me gerou e me amou como ninguém! Recuperei onze anos do tempo perdido.

Ela se foi no dia 05 de julho de 2002. Contudo, à medida que o tempo passa, sua presença em minha vida se acentua.

Seu otimismo, sua alegria de viver, tudo passou a fazer parte da minha vida.

Às vezes ainda posso ouvi-la perguntando: "Está tudo bem com você, meu filho? Não está lhe faltando nada?"

Quanta saudade!...

Lázaro Alves

2005