Crime universitário. Compensa?*

A cultura faz o homem; a educação faz o sábio. A não compreensão dessa tese tem levado à confusão dos espíritos sobre o valor da certificação e da formação. O processo de certificação produz certificados; o processo formativo, educativo, produz o homem e a mulher, com capacidade para empregarem o instrumental da sabedoria.

Para entender o que estou chamando de formação e educação, recorro aqui a uma historieta muito conhecida. Conta a historinha que um casulo apresentou um pequeno furinho, pelo qual a lagarta nascente encontrava dificuldade de passar para ganhar estatura de borboleta e poder voar livremente.

Um homem impaciente observava toda aquela luta, de horas a fio, sem que a lagarta vencesse o obstáculo. Então ele decidiu alargar bastante aquele furinho original, visando a auxiliar a lagarta a vencer aquela empreitada de maneira bem-sucedida.

Sob a intervenção humana, o esforço que estava sendo feito pela futura borboleta foi cessado. Aí ela se viu do lado de fora do casulo, e com enorme facilidade.

Quando a noite daquele dia estava chegando, o homem voltou ao local onde se encontrava a candidata a borboleta. Tinha a esperança de vê-la voando lá por perto, livre e realizada como as demais borboletas que conhecia.

Grande foi o desapontamento dele ao deparar com a quase borboleta de asinhas murchas, alquebrada, rastejando-se sob os arbustos. Ela nunca mais voaria.

Aquele aperto pelo qual estava passando e que foi abortado pelo homem seria essencial para que o fluido do animal enrijecesse as asas dele para que ganhassem consistência e sustentasse os movimentos dos voos a serem protagonizados pela nova borboleta.

Então, a certificação a que me refiro aqui tem a ver com esse vício de optar pelo caminho mais curto, mais fácil, mais rápido. Esse tipo de atalho não combina com o que estou chamando de formação, processo que exige a realização de atividades educativas, as quais nem sempre são as mais fáceis.

Certamente essa educação não é como a que Kafka criticou em seus Contos. Segundo Kafka, “Toda a educação assenta nestes dois princípios: primeiro repelir o assalto fogoso das crianças ignorantes à verdade e depois iniciar as crianças humilhadas na mentira, de modo insensível e progressivo”. Essa educação que mereceu a crítica kafkiana é essa aí, que deságua na certificação.

Em nome dessa busca por um certificado apenas, levada a cabo por estudantes universitários que demonstram não terem entendido bem o que significa a real aquisição de conhecimento e o que com ele podemos fazer, é a pseudo-educação, fundada na fuga da verdade e na entrega à mentirosa teatralidade da vida pessoal, profissional e social.

O tal “crime universitário”, que consiste na compra de Trabalhos de Conclusão de Curso de graduação, de Dissertações de mestrado e de Teses de doutorado, noticiado seguidamente pela imprensa, é o tipo de prática de quem deseja queimar etapas, alargar os furos do casulo da formação universitária e se entregar à prática que o Código Penal Brasileiro denomina de “falsidade ideológica”. Um crime que não compensa, sobretudo para quem não quer se rastejar pelos caminhos da existência.

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*Artigo publicado no Diário da Manhã, Goiânia, 16.04.2009, p. 10.