Futebol, carnaval, religião e BBB: anestésicos dos brasileiros

Futebol, carnaval, religião e BBB: anestésicos dos brasileiros

IVAN LOPES*

Faz tempo que venho observando que o povo brasileiro prefere endeusar jogadores de futebol semi-analfabetos a valorizar os profissionais que realmente fazem a diferença no nosso cotidiano tais como os médicos, que trabalham em condições precárias na rede pública de saúde pelo país a fora, mas que fazem de tudo para salvar nossa vidas. Também temos professores que mesmo ganhando tão pouco, assumem a árdua tarefa de educar pessoas em condições totalmente inóspitas; bombeiros que abrem mão das suas próprias vidas para tentar salvar a dos outros; policiais honestos que se arriscam diariamente no combate ao crime e que às vezes não podem voltar fardados para as suas residências para não terem suas identidades reconhecidas pelos vizinhos meliantes.

Nada contra aqueles que têm a sorte se tornarem milionários à custa do futebol profissional, mas na prática a maioria deles não traz benefício algum para as nossas vidas. Nem os seus exemplos nos servem. Vejamos o caso do jogador Adriano. O atleta brasileiro é conhecido na Itália pelo apelido de "L'Imperatore" ("O Imperador"), em alusão ao Imperador romano Adriano. Conquistou títulos importantes pela Inter, incluindo as Copas da Itália de 2005 e 2006 e os Campeonatos Italianos de 2006, 2007 e 2008, ganhando milhões de dólares. De repente a imprensa divulga o declínio da estrela. Sob a alegação de que passava por problemas psicológicos, recentemente o jogador decidiu afastar-se temporariamente da única coisa que sabia fazer bem e que empolgava o público brasileiro. O certo é que o jogador enfrenta problemas com bebidas e outras coisas a mais, pois sem maturidade suficiente, acabou tropeçando nos euros.

No Brasil é assim. Os brasileiros costumam perder tempo assistindo a uma partida de futebol a ler um bom livro; preferem assistir ao BBB a freqüentar as reuniões importantes a que são convidados. Outros ainda vão ao estádio agredir os torcedores adversários. Aqueles que conseguem se destacar em alguma modalidade esportiva ou artística costumam ser chamados de reis, atendem por nomes como Rei Pelé, Roberto Carlos, Rainha do Axé, Rainha do bumbum, Rainha dos baixinhos, entre tantos outros. Qual a contribuição dessas pessoas? Se procurarmos na história quais mudanças ou grandes transformações sociais elas tiveram envolvidas, não encontraremos nada além de artistas que auto-afirmaram sua individualidade através das paixões populares. A maioria deles não vai além de exemplos de pessoas que saíram da pobreza e que conseguiram vencer na vida através dos seus dotes. O que fizeram pelo país? Pela educação? Pela saúde? Pela segurança pública? Que contribuição deram para a ciência e a tecnologia? Seriam os “ronaldinhos” mais importantes do que o pai da aviação, Santos Dumont? Do que o médico brasileiro que descobriu a Doença de Chagas?

Conseguiram nos convencer de que Deus é brasileiro. Não temos moradia; nossas crianças morrem de fome; as famílias vivem em conflitos por não darem conta das exigências do cotidiano; perdemos nossos parentes no trânsito caótico e de motoristas imprudentes; nossos pacientes morrem nas filas de hospitais públicos aguardando uma vaga. Nossos governantes fazem farra com o dinheiro público enquanto estamos anestesiados pelas mensagens paradisíacas veiculadas pela mídia de massa onde Deus, futebol, talento e bumbuns rebolantes se encontram.

Eduardo Galeano em As veias abertas da América Latina diz que todos nós, latinos, somos um povo que, historicamente, “se acostumou a sofrer com os dentes cerrados”. O autor EDV, de um site existencialista da internet, prefere designar essa frase exclusivamente aos brasileiros. Preferimos nos anestesiar com as partidas de futebol, carnavais, religiões, novelas, BBBs, a aceitar a nossa própria realidade. Fazemos parte da nova geração de adeptos do jargão “sou brasileiro e não desisto nunca!”. É uma pena, mas quem sabe, se largamos os anestésicos e optarmos pela dureza da realidade, não seríamos mais solidários com os outros e seriamos mais capazes de transformar tudo aquilo que em sã consciência costumamos a reclamar do nosso país?

*IVAN LOPES é professor, pedagogo, acadêmico de Letras e membro da Academia Laranjalense de Letras. (E-mail: f.lopes.vj@bol.com.br -

site: www.recantodasletras.com.br/autores/ivanlopes)

IVAN LOPES
Enviado por IVAN LOPES em 17/04/2009
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