SOBRE LIVROS E O HINO NACIONAL BRASILEIRO
Livros, e não poderia ser diferente, são fontes de aprendizado de altíssimo valor. É neles que o homem encontra os conhecimentos que lhe permitem lutar pela condição social a que aspira, e contribuir beneficamente para com a comunidade que o abriga. Abrigo e contribuição são uma relação indispensável a qualquer sociedade que se quer evoluída, instruída, humana. Então, livros são o caminho para isso.
Contudo, e de outro lado, nada mais são os livros, que uma infinidade de palavras escritas na sintaxe própria de uma determinada língua, que pode ser a alemã, a inglesa, a espanhola ou qualquer outra, inclusive a portuguesa. Assim, e de qualquer forma, para o homem haurir dos conhecimentos oferecidos por qualquer que seja o livro e sua língua, é necessário que ele, o homem, domine com segurança a língua do livro. Ademais, também é preciso que possua alguma iniciação no assunto tratado, o que já teria exigido antecipadamente o domínio da língua.
Livros há, a exemplo de Do contrato social, de Rousseau, que oferecem conhecimentos cujas finalidades práticas são extremamente benéficas à conquista e manutenção da cidadania e à defesa dos direitos de qualquer povo. Mas, a sintaxe de Do contrato é rica, pois, se não o fosse, não apresentaria seus assuntos com a propriedade com a qual o faz, imprescindível ao aproveitamento pleno daqueles mesmos assuntos. Em O banquete, de Platão, o próprio intróito anuncia a necessidade de se ser iniciado em Filosofia, como requisito para compreensão da exposição escrita. Já, em O Ente e a Essência, de santo Tomás, a edição brasileira anuncia que, na versão, não é possível fugir a uma linguagem altamente filosófica, pois que uma fuga redundaria em prejuízos à matéria. Muitos outros livros também demandam condições semelhantes, mas que se fique por aqui para não alongar em demasia este escrito. Ressalte-se, porém, que livros bons exigem leitores capazes. Por leitores capazes, devem ser entendidos aqueles que compreendem as relações existentes entre palavras e frases, ou seja, compreendem o que se atribui e a quem, juntamente com circunstâncias, restrições, complementações etc.
E parece ser este ponto, o de leitores capazes, exatamente o que estrangula a condição dos brasileiros: em sua maioria, não dominam a língua e, daquilo que ouvem ou que sofrivelmente leem, entendem apenas o trivial, o comum. E nada mais é tão trivialmente apresentado aos brasileiros pela ideologia da ignorância, que a não-necessidade de se aprender e compreender com segurança a língua. Por isso, a maioria passa ao largo dos conhecimentos que os livros oferecem, formando uma nação que, não obstante habite um país rico, em quantidade intelectual, é extremamente pobre. Decorre então que coisas como enxergar a realidade, falar com nexo, escrever, criticar, reivindicar, tornam-se cada vez mais tarefas para um menor número de brasileiros.
E, assim, os interessados na ideologia da ignorância vêm, na esteira desta, como, há poucos dias, veio aquela que se quer estrela da mídia brasileira, anunciar a necessidade de se mudar, do Hino Nacional Brasileiro, a letra, argumentando que o povo de agora já não a entende.
Mude-se, pois, a letra do Hino. Isso, porém, não só não mudará a realidade dos livros, que continuarão a ser escritos com palavras e sintaxe próprias e necessárias, como também não contribuirá em nada para a melhoria da compreensão de muitas realidades por parte do povo. E este continuará, a cada dia, mais distante dos livros que ensinam.
Mas, como, de acordo os jargões, não existe crime perfeito, sempre haverá brasileiros interessados no entendimento das palavras, por menos usuais e compreendidas que sejam.
Didijim