Bem pertinho de onde nasci distante cerca de 150 km, há uma cidadezinha bucólica, de clima pra lá de fervente, chamada Caldas de Cipó. Esta cidade está e as margens do rio Itapicurú e contraria a idéia de que todo sertão é seco, quente e sem vida. Sua grande particularidade brota de seu solo em forma de termas naturais que mais parecem um oásis. As águas de suas fontes contêm 38 substâncias químicas, utilizadas em processo terapêutico e consideradas como das melhores do mundo. São classificadas como Hipertermais, Fracamente Radioativas, Bicarbonatas, Cálcimagnesianas, Líticas, Ferruginosas e Alcalino Ferrosas. Essas águas possuem propriedades antianafiláticas, diuréticas, colagogas, aumentam a eliminação da uréia e do ácido úrico e estimulam o metabolismo. Exerce ação excitomotora do aparelho gastro-intestinal e ainda são hipotensoras, anti-reumáticas e analgésicas.
 
Situada no nordeste baiano, Caldas de Cipó ainda guarda resquícios de tempos áureos da década de 50, época dos cassinos que impulsionaram por algum tempo o turismo na região. A importância desta estância no cenário nacional pode ser avaliada com a inauguração do Grande Hotel Caldas de Cipó. Empreendimento grandioso, que até hoje chama a atenção pela imponência de sua arquitetura, o hotel levou oito anos para ser totalmente finalizado e foi inaugurado em 24 de junho de 1952, pelo então presidente da República, Getúlio Vargas. A culinária sertaneja se faz presente com inúmeras delícias, com destaque para o “bode do sol” assado. Sob medida para aqueles que gostam de mesclar saúde, tranqüilidade e novas sensações, Cipó, sobretudo nos meses de inverno, torna-se uma pedida irresistível. As noites frias do sertão, combinadas com a água quente, a cerveja e os pratos típicos, tornarão a estadia inesquecível.
 
Bem, pelo menos esta é a explicação do organismo oficial de turismo do Estado da Bahia, mas a realidade é outra completamente diferente do que afirmam os impressos oficiais. Caldas de Cipó é extremamente quente, seca e mal cuidada. Seus últimos governantes estiveram preocupados apenas em mantê-la viva e a única coisa que aumentou nestas últimas décadas foi o êxodo. O Grande Hotel, citado anteriormente, é uma das poucas mega construções daquela região e até pouco tempo, seus mais de 200 apartamentos estavam fechados ao público porque não recebia uma viva alma há anos. Por ser uma propriedade pública, regida pelo pacto da concessão, virou moeda de troca com vários donatários que estavam de olho na política local e aquela construção que pode ser vista há quilômetros de distância, ao chegar perto, podia-se notar o descaso e o abandono. Remédio para isso tudo? Uma tarefa impossível e árdua, uma vez que nada na região chama a atenção daqueles que podem pagar para se deslocar.
 
Para se ter uma idéia, se você quiser visitar Caldas de Cipó por via aérea terá que ir a Salvador e se deslocar por várias rodovias por quase 250 km até chegar à cidade; de ônibus é uma tarefa ainda mais penosa, pois não há linhas regulares com ônibus razoáveis que passem pelo município; assim sendo, Caldas de Cipó está morrendo aos poucos a espera de um milagre, um milagre que poderia ocorrer a qualquer momento, bastava se legalizar os cassinos.
 
Os cassinos no Brasil foram fechados pelo decreto-lei 9215, de 30 de abril de 1946, do presidente Eurico Gaspar Dutra. Dizem que o presidente foi influenciado por sua esposa, dona Carmela (conhecida como dona Santinha), uma mulher extremamente religiosa e contrária ao jogo, e pelo ministro da Justiça, Carlos Luz, que desejava ser governador de Minas Gerais e lutou contra os cassinos em nome da “tradicional família mineira”; por ironia, fechou os cassinos, mas perdeu a eleição
 
Naquela época existiam centenas de cassinos espalhados pelo Brasil, do mais luxuoso como o do Hotel Copacabana Palace aos menos imponentes como o do Grande Hotel de Caldas do Cipó. Getúlio Vargas resolveu liberar a verba para a construção do Grande Hotel de Cipó justamente para alavancar o turismo na região e isso de fato funcionou. A cidade, hoje morta, já recebeu 5 mil pessoas num único final de semana; estas pessoas que iam jogar levavam esperança e sobrevivência para o povo daquele sertão e isso lhes foi ceifado da noite para o dia por um bando de loucos que só pensavam em poder e dinheiro.
 
Primeiro é bom deixar bem claro que os jogos em cassinos, como em qualquer lugar do mundo, só há espaço para os que têm muito dinheiro; o pobre, aquelas pessoas que trabalham para comer, estas não têm nenhum espaço nestes lugares. Finalmente, os ricos e apostadores, por falta de espaço aqui no Brasil, vão para a Argentina, Uruguai, Paraguai, Europa, Estados Unidos ou embarcam num cruzeiro marítimo que só precisa sair as 200 milhas náuticas de domínio brasileiro e estar em águas internacionais para funcionarem seus mega cassinos.
 
Em qualquer um dos casos citados acima o dinheiro arrecadado vai todo para fora do Brasil; se for um navio de cruzeiro, o combustível, os tripulantes, serviçais e os mantimentos são todos comprados em seus países de origem; nada fica no Brasil; às vezes eles deixam apenas os problemas. Se o caso for um cassino convencional, como se observa na Argentina, Uruguai e Paraguai, o caso é ainda mais complexo; os brasileiros costumam viajar, correndo riscos intermináveis para deixar os seus dólares do lado de lá de uma fronteira.
 
Os jogos desta natureza são considerados como “de azar” no Brasil; similar ou pior, o jogo do bicho, mesmo sendo contravenção, perdura em todas as cidades brasileiras, inclusive com bancas de apostas ao lado de delegacias, como se observa nos nove estados do Nordeste, mas para este tipo de jogo há uma tolerância dos Poderes. Com os bingos a situação é adversa; a briga na justiça já se arrasta por anos e não se chegou a uma conclusão, se eles podem funcionar ou se fecham de vez. Fato mesmo é que diversas cidades mantêm os bingos abertos, mas nunca em cidades como Caldas de Cipó. Os bingos estão instalados em grandes centros onde há maior concentração de renda; outro fator importante é que eles não estimulam a mesma proporção de criação de empregos e não pagam os impostos que deveriam pagar.
 
Milhares de cidades brasileiras já possuem estrutura mínima de abrigar um centro de jogos com cassinos; além de Caldas de Cipó, sem pesquisar muito podemos chegar a outros nomes como Araxá (MG), Poços de Caldas (MG), Tucano (BA), Mucugê (BA), Ilhéus (BA), Santana do Livramento (RS), Cáceres (MT), Caldas Novas (GO), Itumbiara (GO) e tantas outras que já possuem rede hoteleira, restaurantes e boa qualidade de saneamento público e de certa forma, são cidades que vivem um pouco do turismo, o turismo pobre.
 
Se estas ou outras cidades recebessem complexos de cassinos, feitos por gente que conheça do ramo; seriam instalados mais hotéis, mais restaurantes, mais balneários; aeroportos seriam beneficiados, estações de trem poderiam surgir, enfim, milhares de empregos nas cidades e em outras que serviriam de apoio, da mesma forma que ocorre em Las Vegas.
 
O único cassino de nível internacional da América do Sul é o Conrad em Punta Del Este, Uruguai; cidades como Maldonado e Montevidéu acabam garantindo seus quinhões nesta fatia importante da grana que circula naquela região. Quando estive no Uruguai, perguntei a polícia local se este fervor de gente em torno do turismo não lhes levava dores de cabeça? A resposta foi conclusiva e diga de plágio na prática de essência; o policial me respondeu que “tudo que é feito com planejamento e responsabilidade tem grandes chances de se tronar vitorioso e este é o caso do Uruguai.”
 
Eu não vejo nenhum obstáculo nesta questão; o Uruguai é um país pequeno, acanhado e não possui 1/10 das riquezas que o Brasil possui. Quando alguém viaja milhares de quilômetros para jogar nos cassinos uruguaios, eles não só estão deixando dinheiro e contribuindo para o crescimento do país; as pessoas que jogam e são bem tratadas acabam comprando casas magníficas e voltando outras vezes. Na temporada do verão uruguaio, os hotéis ficam lotados, os taxis estão sempre cheios, os restaurantes e shoppings abarrotados e as lojas de todos os tipos vendem para o ano inteiro.
 
Acaso o Governo fixasse a idéia real de desenvolvimento para as regiões mais pobres, com complexos de jogos, estaríamos tirando milhares de pessoas da condição de miséria; estaríamos gerando divisas para cidades que já estão quase sepultadas, que é o caso de Caldas de Cipó; mas ao invés disso, a idéia é fortalecer a Caixa Econômica Federal com seus jogos confusos e prolixos; os cassinos ainda possuem nas mentes de todos os Governos desde sua extinção que se trata de jogos de azar, mas o brasileiro joga e joga muito em cassinos pelo mundo.
 
O jogo do bicho cresce a cada ano e engoda a polícia; os cassinos clandestinos são abertos e fechados e alimentam até o tráfico de drogas, inclusive em tantos lugares da própria Brasília; a Caixa Econômica Federal arrecada cada vez mais para alimentar as paranóias da política; os caça-níqueis desafiam as autoridades; mas os cassinos, que poderiam salvar as cidades pobres e esquecidas, estes pelo visto, jamais voltarão a funcionar, em nome da moral e dos bons costumes.
 
Eu que nunca joguei um centavo sequer num cassino, muito embora já tenha estado em vários, não vejo amoralidade ou antiética em uma possível reabertura deles; amoralidade eu observo em tantas cidades que são vendidas como turísticas, mas que na verdade, são cemitérios de mortos-vivos, a espera de uma esmola de algum louco que se arrisque em visitá-las!
 
Sabe por que não jogamos em cassinos próprios? Por que somos ricos, arrogantes e adoramos dar dinheiro para “los hermanos”!
 
 
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 16/04/2009
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