CHARLATANISMO RELIGIOSO

Inácio Strieder

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A medicina ocidental desenvolveu um amplo leque de conhecimentos sobre a saúde de nosso corpo e nossa mente. Já existem remédios e vacinas que aumentaram sensivelmente a expectativa de vida. Conhece-se a origem bacteriana e virótica de inúmeras doenças. Por isto insiste-se na higiene, no cuidado com os alimentos, com a pureza da água, com a exposição ao ambiente. No nível do psiquismo e da saúde mental a humanidade, desde a modernidade, fez louváveis progressos. Embora ainda não se tenha descoberto uma fórmula definitiva para curar esquizofrenias e evitar surtos, contudo já existem psicofármacos e terapias capazes de controlar a maioria dos problemas psíquicos, permitindo uma vida equilibrada para muitos. Esta capacidade da ciência médica fez com que os legisladores do mundo civilizado regulamentassem a prática da medicina, da psiquiatria e da psicanálise, prevenindo, inclusive, os cidadãos diante das causas que produzem problemas de saúde corporal e psíquica. Este progresso da medicina desconstruiu inúmeros mitos e superstições quanto à saúde das pessoas. Já não precisamos mais temer os deuses e os demônios, interferindo em nossas vidas, e nos atormentando com malefícios físicos e espirituais. Mas como no momento da desgraça e da doença o ser humano percebe a sua fragilidade, sentindo-se ameaçado no seu existir, muitas vezes ele se dispõe a acreditar em tudo e em todos que lhe prometem o retorno ao seu bem-estar, ou a continuidade do seu existir. E é neste ínterim que aparecem os charlatães com falsas promessas: intervenções divinas em seu desemprego, curas milagrosas do corpo e da alma por meios não científicos. Podemos classificar estes charlatães em três categorias: primeiro, os que vendem falsos remédios, com as mais diversas drogas, ou praticam a medicina sem a devida habilitação; segundo, os que, em suposto transe, afirmam incorporar o espírito de médicos falecidos, que lhes comunicariam a habilidade dos cirurgiões, mesmo com cirurgias à distância, e das curas espirituais miraculosas; e, terceiro, aqueles que em cultos fraudulentos e programas na mídia, principalmente televisiva, apresentam sessões de curas milagrosas em nome de Jesus e do Espírito Santo, após sugestivos apelos às doações generosas de polpudos dízimos, por parte dos incautos e, muitas vezes, empobrecidos fiéis. Supostas legiões de demônios são exorcizados, fiéis se libertariam de encostos, alega-se a cura de paralíticos; como se incorporassem Jesus, estes charlatães prometem empregos e a solução dos problemas econômicos de toda ordem em nome de Jesus. Tudo isto é um uso descarado da linguagem religiosa e bíblica. A mais rudimentar alienação religiosa, criticada por tantos teólogos e filósofos na história ocidental. Todos estes charlatães religiosos ignoram que o dom mais precioso que Deus deu ao homem foi a sua razão. Por isto, já o Apóstolo Paulo exigia que o culto cristão fosse racional, e que, o que fosse possível conhecer do Deus invisível, poderíamos conhecer pesquisando e observando o mundo visível. O mais incrível em tudo isto é que este charlatanismo religioso, em grande parte, é praticado através da mídia. E os órgãos da mídia são concessões públicas, autorizadas pelo poder civil. Isto significa que o nosso Governo é conivente com este charlatanismo religioso, que imbeciliza a sociedade, atribuindo doenças a demônios, prometendo falsas curas, e permitindo o assalto aos cidadãos, sob a alegação que é dízimo religioso. No mínimo estes dinheiros das “igrejas” deveriam ser taxados, ou que se demonstrasse à Receita a finalidade de seus usos. Toda sociedade civilizada se protege de qualquer charlatanismo, seja ele profano ou religioso. Penso que está na hora de nossos parlamentares interferirem com leis em programas da mídia que imbecilizam o povo com programas de charlatães religiosos. Somos ou não somos um Brasil civilizado do século XXI?