OS "CHEIRA MEIA"

A “tchurma” arranjou um apelido para os ex-drogaditos, que apesar de deixarem o vício, não conseguem deixar de serem intrigantes, ‘purgantes’, implicantes, querelantes, tanto quanto antes.

O que não se apercebe é que estas pessoas já trazem consigo a insegurança, o medo de não ser e de errar. Até parece que estou descrevendo os políticos, em sua maioria.

É exatamente este comportamento que os leva ao abuso e à dependência

São geralmente inquietos e esta inquietude pode ser originada de um parto com traumas, com distúrbios psíquicos herdados ou adquiridos.

Geralmente exasperam a família e via de regra encontram alguém que os proteja e tente minorar os gestos do protegido, com atitudes e dizeres que tentam desviar a atenção, com frases: “Ele(a) precisa de amor, compreensão!”.

Este acobertamento só cria distâncias e faz com que a busca das causas e suas correções sejam encontradas.

É preciso ficar claro, que não se deve entrar em choque com tais portadores deste quadro, mas é preciso usar-se de toda a paciência e lógica para tentar convence-los a se olhar.

Normalmente a família, por mais que esteja interessada em sua recuperação, não logra boas respostas, se houver uma “esponja amaciante”. Aqui não é dito em tom debochado. No fundo estas pessoas são também muito inseguras, carentes, e vivem de conquistar o amor, de quem não se acha e precisa ser protegido.

Para se ter uma idéia de como as coisa podem ser complicadas sito um caso que vivi no consultório com uma senhora velhinha, alquebrada, encurvada perto dos cento e dez graus. Ela trazia para consulta um filho de quarenta e seis anos, magro, cheirando a bebida alcoólica e começou dizendo: _Doutor, eu ando muito desesperada, pois este meu filho bebe muito e desde os 15 anos. Eu e o pai dele, que Deus o tenha, lutamos a vida inteira para tirá-lo do vício, mas tem sido em vão, ele pouco fala, bebe até dormir pelo chão e parece sempre assustado.

Entre o ouvir e anotar as informações colhidas, por três vezes vi o cliente de cabeça baixa, movendo os lábios, como se falasse sozinho. Pedi licença para interromper a mãe e perguntei a ele:

_ Desde quando você conversa com estas vozes? Ele se assustou, mas percebendo que eu não falava agressivamente, olhou-me ternamente e quando ia responder, a mãe atalhou: _ Ele não ouve vozes seu doutor!

Ele respondeu firmemente: _ Desde os meus dezesseis anos, seu doutor, por isto prefiro beber, pois aí as vozes falam sozinhas e eu não ligo muito!

A mãe desesperada inquiriu: _ Por quê você nunca me disse isto?

A resposta veio arrasadora: _ Porque você e o pai só brigavam comigo. Além disto, eu não queria preocupá-los achando que eu estava louco, mas que eu quase fiquei, só eu sei!

O ângulo da curvatura da coluna da mãe deve ter baixado para setenta graus, enquanto procurava secar as lágrimas na combinação recém buscada.

A causa do alcoolismo eram alucinações auditivas do tipo verbais, onde era achincalhado, colocada à prova sua masculinidade e onde até o repórter da TV falava mal dele.

Aos poucos descobrimos por ele que escovava os dentes e passava as mãos pelo cabelo fino, sem olhar no espelho, pois sua imagem ria e desdenhava de sua masculinidade.

Aos poucos, entendendo que tinha um transtorno da química cerebral, foi ficando calmo e ao fim da consulta ganhei um abraço e a mãe um beijo no rosto. Milagre? Nada disto! Bastou explicar-lhe como o cérebro agia no caso dele, como ele era feliz de estar buscando ajuda, de como inúmeras pessoas como ele morriam sem nunca se tratar, para acalmá-lo.

Muitas mães me dizem: _ Para o senhor é fácil, não tem que lidar com este tipo de pessoa, eu fico louca! Completo: _ E se desespera, pragueja, resmunga contra a vida, a sorte e mesmo que não se deforme, está desequilibrada fisicamente!

Casos assim todo psiquiatra se depara diuturnamente. Para nós nada disto choca. Podemos ouvir confissões desesperadas de homossexualismo, pederastia, voyeurismo, impotência sexual, ejaculação precoce, sem desesperos, pois sabemos que a maioria dos clientes se deu conta de um fato: _ Não posso continuar fingindo, preciso de ajuda.

Mesmo os que são levados a contragosto, esperam uma luz para se abrir. O médico é quem acha a brecha e estica a mão.

Defendi em um simpósio recentemente, que a história clínica deve começar do início da vida, para se entender a queixa inicial. Muitos de meus colegas divergiram e perguntaram como conseguir isto, com esta medicina de números. Minha resposta foi franca: _ Não a exercendo assim... A réplica: _ E viver do quê? A tréplica: _ De uma medicina honesta, com atenção centrada no cliente, com uma abordagem cognitivo-comportamental, isto é desvenda-se o cliente e ele percebe o que faz e como pode deixar de fazer, se isto o está prejudicando.

Nunca aceitei atender por qualquer convênio, ou emprego estatal, sempre tive clientes e não me sinto na obrigação de ser Deus, mas um ser que luta e desfruta de sua arte, colhendo satisfação por se tornar um médico de família.

Pareço estar fazendo propaganda? Estou tentando despertar mentes. De médicos e clientes.

Ser normal no mundo contemporâneo é loucura pura. Temos que nos achar, aceitar, viver e estarmos prontos para o NOSSO juízo final, sem envolver crenças neste raciocínio, respondendo honestamente: _ Fiz o melhor que pude? Perdoei-me por ser burro e errar? Vivi sem querer mudar mentes, mas adequando-as às suas realidades?

A vida é simples, minha gente! O medo de errar nos trás insegurança.

Já devo ter falado isto milhares de vezes e continuarei repetindo, para que cada dia mais eu creia nisto! Só!

Felicidades!

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