MORAR EM CONDOMÍNIO? NEM NO CÉU!

Net 7 Mares

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“Divino, quando eu morrer, pode me chamar pro Céu se eu merecê-lo; mas, se for para morar em condomínio, ainda que de anjos, me despache imediatamente para o Inferno, que, lá, com o Sinistro, hei de me arranjar melhor”.

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Fui síndico uma vez na vida num condomínio de 20 blocos, cada um com 12 apartamentos, totalizando 240 apartamentos; e fui, porque ninguém queria descascar o abacaxi. Explico, mas, antes, devo adiantar que, dos 240 apartamentos, 120 estavam desocupados. Agora, à explicação:

Eu, que apenas era um dos membros do Conselho Fiscal, que não fiscalizava coisa alguma, também não queria, por fundamentadas razões, segurar o pepino. Folha salarial atrasada, luz das ruas internas cortada, tributos dos funcionários (INPS, FGTS, etc.) em débito, fornecedores cortando o crédito por falta de pagamento das contas... Só 1/3 dos moradores pagavam a taxa condominial.

Na ocasião, viúvo, eu só queria ficar em paz nos meus namoricos via Internet. Foi ali, nos românticos mares virtuais, que conheci uma louraça paulista, que vivia na Bahia. Fui ao encontro da musa, fiquei fora com ela uma semana na Ilha Grande e, quando voltei ao condomínio, encontrei a administração do complexo residencial à deriva. No decorrer dos sete dias em que estive fora, síndico, subsíndico e todos os conselheiros haviam se demitido dos seus cargos. Fiquei sabendo dessa debandada coletiva logo na chegada, ainda ao volante do carro, pela boca do porteiro, que me abriu o portão:

— Boa noite, Sr. Síndico! — Foi assim que ele me saudou, apresentando-me um rosário de chaves. E prosseguiu:

— Os livros, plantas dos prédios e pasta de documentos estão na guarita. Assim que o Sr. puder, venha pegá-los.

Assumi o cargo por livre e espontânea pressão das circunstâncias, e a minha primeira providência foi a de convocar todos os condôminos, inclusive os inadimplentes, a uma assembléia geral extraordinária, para estabelecer com todos como seria a minha administração. Dos 120 condôminos, comparecerem cerca de 40.

Iniciada a sessão, comecei, oferecendo o cargo a quem, dentre os presentes, se dispusesse a assumi-lo. Resposta: silêncio absoluto. Implorei por dois voluntários, para assumirem, respectivamente, a presidência da mesa e a secretaria, e a resposta foi a mesma. Deu-me gana de mandar todo mundo à merda, a mesma à qual o Seu Pedro exortou-me segundos antes da sua rendição no debate que travou comigo sobre o assunto condomínio, mas me contive, assumi o posto de presidente da assembléia, acumulado com o de secretário, e segui em frente com a reunião dos omissos.

Estabeleci então que estava assumindo o cargo, considerando que o condomínio estava começando do zero, ou seja, como se fosse um novo condomínio. Vez que deram sumiço na Convenção (regras do condomínio), pus em votação que seguiríamos a Lei do Condomínio, que pode ser aplicada nos casos em que não há convenção. Adiantei também que prestaria contas de todas as despesas, enviando cópias xerox dos comprovantes a todos, e que, a partir dessa providência, a obrigação de levar os devedores (os de 3 meses ou mais) à Justiça seria observada rigorosamente. Votadas e aprovadas as propostas, lancei tudo no Livro de Atas, concitei todos a assinarem o documento, e encerrei a reunião.

No fim do 3º mês, já na minha gestão, tínhamos 20 e poucos devedores. Como não havia grana para as despesas iniciais da Ação de Cobrança de todos estes, sorteei nove e mandei-os pro pau. Com o processo em curso, comecei a receber, no mês seguinte, gente que queria firmar acordo para pagar os débitos, mas me envolvi em azedos bate-bocas com meia dúzia de bons pagadores, porque se recusavam a pagar as cotas extras que lhes cabiam, decorrentes das despesas que tive com a pintura do meu carro, que amanheceu todo arranhado; e conserto da fechadura do meu apartamento, que encontrei entupida de preguinhos. A moradora de um dos ap do térreo, que também fazia parte do bloco "Devo, não Pago e Nego Enquanto Puder", passou a organizar concorrido churrasco dominical, ao som de Zeca Pançudinho, Neguinho da Furta-Cor e Cia Ltda., obrigando-me a bater em retirada, para peregrinar à toa pelas ruas do bairro, ou a fazer visitas inesperadas a amigos, que me recebiam com ar de interrogação, porque era impossível permanecer na moradia, ouvindo samba de mau-gosto em alto volume e ainda em meio à fumaceira que entrava pelas venezianas de ventilação das janelas.

Por aí, com a resignação, a paciência e a perseverança de um santo, prossegui na via-crúcis da administração, animado pela melhoria financeira que, aos poucos, aparecia nos números contábeis. Mas o filete de felicidade durou pouco, porque aqueles nove que eu havia denunciado à Justiça resolveram reagir: contrataram um bom advogado — o do condomínio era um pobre diabo que aceitou receber os seus honorários na base do "Se ganhar" — entraram com ação de pagamento em Consignação (ou coisa parecida com isso), pagando apenas 10% do que deviam. Alguém arrumou um jeito de juntar os dois processos (de Cobrança e de Consignação) num só.

Agora, acreditem se quiserem: os nove ganharam a causa, alegando que eu não tinha poderes para cobrar, porque eu não havia sido eleito em assembléia geral ordinária. Não tendo sido eleito regularmente, eu havia assumido interinamente e, em tal condição, segundo diz a Lei do Condomínio, o meu mandato não podia ultrapassar de 30 dias. O meu advogado porta-de-cadeia alegou que eu assumira, porque não havia candidatos, mas esqueceu de dizer que a Lei do Condomínio dá poderes a qualquer condômino para entrar com ação de cobrança contra inadimplentes.

Essa lambança judicial me enfezou de tal modo, que decidi disputar, de corpo e alma, o cargo, para voltar à mesma cobrança e, agora, perfeitamente habilitado. Convoquei então nova assembléia — agora, para eleição do novo síndico — e apareceram doze moradores e mais os nove devedores. Estes, por estarem em dívida, não deveriam votar, mas o meu — quer dizer, do condomínio — advogado lambão, que estava presente à reunião, alertou que pagamento em consignação dá direito a votar e a se candidatar.

Os nove inadimplentes apresentaram um candidato e conseguiram fazer a cabeça de cinco dos adimplentes, para votarem no candidato deles. Dos 12 que estavam comigo, perdi 5 e fiquei com 7; enquanto que o lado oposto passou de 9 para 14. Perdi a eleição e dei graças a Deus.

Dois meses depois, o condomínio foi invadido por policiais militares à paisana, que, com os seus familiares, ocuparam os 120 apartamentos que estavam vazios. Dei graças a Deus de novo — e agora mais reforçado — por ter perdido a eleição, vendi o meu ap, vim para a quietude da serra de Nova Friburgo e fiz o seguinte contrato com o Mais Antigo celestial:

Divino, quando eu morrer, pode me chamar pro Céu se eu merecê-lo; mas, se for para morar em condomínio, ainda que de anjos, me despache imediatamente para o Inferno, que, lá, com o Sinistro, hei de me arranjar melhor.

Net 7 Mares

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