Aprendendo a Paz com o Deus da Guerra
Aprendendo a Paz com o Deus da Guerra
Maju Guerra
Só ao nos conhecermos é que nos tornamos capazes de tecer a teia das nossas vidas.
Considera-se mito como um símbolo, um padrão do comportamento humano com sua profunda dualidade e seus impulsos contraditórios, a forma primária de expressão do inconsciente. Carl Jung denominou de arquétipos esses padrões básicos e dinâmicos da natureza humana que existem desde sempre, e que estão presentes em todos os seres, civilizações e culturas. No mundo da psique esses padrões não estão ligados por uma relação causal, mas sim pelos seus simbolismos e significados (conceito junguiano de sincronicidade).
Entende-se por mitologia o conjunto de mitos de um povo ou de uma religião. A mitologia nos remete a histórias e a lendas que traduzem as verdades e as visões da natureza humana. Assim os homens terminam por criar seus mitos e seus deuses de forma inconsciente, mas que refletem sua própria natureza interior.
A moderna astrologia fundamenta-se basicamente nos conceitos de arquétipo e de sincronicidade. A astrologia não trabalha com a noção de que os astros influenciam diretamente o ser humano, isso seria uma mera influência astrofísica. A astrologia trabalha decodificando o simbolismo astrológico. Conforme Liz Greene, astróloga e analista junguiana, “os posicionamentos do céu num determinado momento, por refletirem os simbolismos desse momento, refletem também as qualidades de qualquer outra coisa nascida nesse momento...um não causa o outro; estão sincronizados e refletem-se mutuamente.” Logo, este conceito contém a idéia de que tudo no Universo está interligado.
Dentro da simbologia astrológica há dez planetas ou poderia se dizer, dez arquétipos básicos, incluindo o Sol e a Lua (os luminares). O Sol e a Lua englobam o conceito do “Eu”. Mercúrio, Vênus e Marte, os chamados planetas pessoais ou interiores, mostram como e de que maneira o Sol e a Lua descobrem e manifestam a natureza do ser. Estes três planetas caracterizam as necessidades emocionais, valores, habilidades, percepções, talentos, fantasias de cada um. Os planetas pessoais ou interiores são extremamente suscetíveis aos condicionamentos familiares e sociais. A individualidade básica do indivíduo, contida no arquétipo solar, pode ser bloqueada e reprimida ou valorizada e respeitada, de acordo com a realidade exterior vivida por cada um.
Dessa forma “às vezes o “trabalho interior” exige um ato de lealdade a nós mesmos... “. Devemos “saber o que nos deixa felizes (Vênus), expressar isso para os outros (Mercúrio) e ficar firmes diante da oposição (Marte)...pois são esses pequenos atos de auto-afirmação que definem o ego...” (1). Vênus e Marte, como os amantes nas mitologias grega e romana, representam os princípios masculino e feminino, o yin e o yang. Mercúrio é o deus mensageiro. Dentre os três, vamos saber mais sobre Marte e sua energia poderosa.
O nome do quarto planeta do sistema solar vem de Marte, o mais romano de todos os deuses, bem diferente do seu correspondente Ares da mitologia grega. Conforme o mito romano, Marte, antes de se tornar o deus da guerra, era o deus da agricultura, da fertilidade e da primavera. Há duas versões sobre seu nascimento, na primeira ele seria filho de Júpiter e Juno. Na segunda, conforme Ovídio, célebre poeta romano, ele seria apenas filho de Juno que o concebeu usando uma flor, que lhe fora ofertada pela deusa das flores, Flora, com propriedades fertilizantes. Juno deu à luz, assim, ao deus cujo nome é o do primeiro mês da primavera no hemisfério norte, Março. À medida que a civilização romana se tornou guerreira e expansionista, e após a conquista da Grécia, Marte passou a ser o deus romano da guerra, identificado de modo superficial com o Ares grego. Dessa maneira, a Roma conquistadora que formou um vasto império do Ocidente ao Oriente, encontrou em Marte a personificação do ideal de guerreiro. Como deus da guerra e da agricultura, ele representou a dualidade do povo romano, ao mesmo tempo agrícola e militar. Segundo a lenda, também, Marte foi pai dos fundadores de Roma, Rômulo e Remo, com Rhea Sílvia. Com Vênus, sua grande amada, foi pai de Pavor (o Terror) e Timor (o Medo), bem como de Cupido e de Concórdia, o que comprova mais uma vez a profunda e complexa natureza dual do seu símbolo.
Como o mito, Marte na astrologia simboliza ação, energia, competição, iniciativa, honra, coragem, desafio, vitória. Simboliza também lealdade, nobreza, honestidade, objetividade, benevolência, franqueza, força, poder, ambição, trabalho e construção. Representa ainda a luta com senso de justiça e igualdade, sempre às claras, nunca de forma oculta. Mas como tudo que projeta luz projeta sombra, há sua natureza rude, insensível, que primeiro serve a seus propósitos. Marte traz o princípio da guerra, da agressividade, dos conflitos, da raiva, da cobiça, da ira, da violência, da ganância, da paixão cega, do ódio. Marte no mapa natal mostra também como a pessoa lida com sua natureza animal, com a libido e a energia sexual. Ele simboliza a força arquetípica pura, o instinto humano básico de sobrevivência e da busca da individualidade.
Como já foi dito, por ser um dos planetas pessoais ou interiores, sua natureza considerada como sombria pode ser bastante cerceada. Como esta energia primitiva vai ser trabalhada, pode determinar se a pessoa será vítima ou dona do seu poder pessoal. O arquétipo marciano não é com certeza fácil de ser trabalhado. Em geral é extremamente difícil até para o próprio indivíduo aceitar o lado animal e instintivo que existe dentro dele. Normalmente a família e a sociedade tentam também sufocar e anular essa força poderosa. Máscaras acabam sendo usadas para que o ser se sinta amado e aceito. Porém, se esta energia for bloqueada ou negada pode levar à impotência, à paralisação, à falta de combatividade, acabando por gerar um ser sem individualidade própria e que não sabe lutar pelos seus desejos e vontades e até por sua integridade física. Pode também levar à doença, a um estado crônico de depressão. Como a força arquetípica de Marte está presente em todos nós, em alguns com uma intensidade maior, o que certamente é registrado pelo mapa de nascimento, faz-se necessário entrar em contato com a sombra marciana, aceitá-la e expressá-la de forma consciente para que seu lado destrutivo seja evitado. Salientamos que a orientação terapêutica e o uso de florais são importantes instrumentos de ajuda neste processo.
Citando um exemplo simples, se devido a algum tipo de discórdia entra-se em conflito com alguém, a melhor forma de lidar com a raiva e o ressentimento gerados não é a de cultivar os sentimentos negativos. O melhor seria a pessoa se conscientizar de que, como ser humano, é capaz de odiar sim, e que isso não a torna pior. Ao aceitar sua dualidade, ela se torna capaz de transmutar a raiva num sentimento mais generoso, mais benevolente. Ao fazer isso, vai descobrir que não está tão certa como pensava e nem tão errada quanto temia. Dessa maneira torna-se mais fácil resolver o conflito, já que a pessoa vai aprender mais sobre si e sobre o outro também. E certamente o mesmo vai acontecer com o outro.
É importante que se perceba que dentro de nós existem os dois lados opostos do arquétipo. Negar ou tentar suprimir o que se considera negativo gera um profundo desequilíbrio interno, uma guerra interna, pois estamos negando uma parte de nós mesmos. Só se chega à unificação interior quando se combina e se harmoniza os opostos da dualidade. Daí surge o respeito a nossa própria individualidade e à individualidade do outro. Quando se atinge esse grau de compreensão em relação aos opostos que o arquétipo do deus da guerra representa, chega-se a um estado de paz interior e, conseqüentemente, à paz com o mundo que nos cerca.
Nota:
(1) Greene, Liz & Sasportas, Howard. Os planetas interiores. Roca.
Maria Julia Guerra.
Salvador, junho de 2002.
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