Publicável

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Afinal, o que é publicável na web? Tudo? Ok, digamos que seja tudo. O por que da pergunta. Em tempos relativamente contemporâneos, e definitivamente pré-web, selecionemos a fatia entre 1975 e 1985. Nesse trecho, o autor e a autora tiravam um ás da manga, imprimiam, lançavam e estamos conversados. Podiam ou não chover cartas na suas hortas. Parabenizadoras ou censoras. Na segunda hipótese, o autor e a autora, permaneceriam na situação privativa. Seria na privacidade de suas casas que leriam e por conseguinte rasgariam. Se o autor ou autora houvessem tirado um super ás da manga, desses capazes de desestabilizar o regime, e supondo tratar-se de um regime perigoso, seria melhor lançar mão de um pseudônimo. Porque, geralmente quem usa palavras para comunicar, corre o risco de ver a sua comunicação devolvida na base do porrete. Porrete, aqui, é apenas uma palavra. Pseudônimo facilitaria um pouco a vida de quem ousou realçar os perigos do regime. Suponhamos que a obra impressa esteja falando mal de Adolfo. Adolfo, aqui, funciona como um pseudônimo para congêneres. Os fanáticos do pseudônimo iriam caçar o autor e a obra. Salientando sempre que Adolfos só existem porque tem fanáticos. Mais ou menos como o tubarão e o peixe piloto. Estão sempre juntos, prega a mitologia marinha. Mais ou menos, porque o tubarão não deixa de ser tubarão, caso o peixe piloto desapareça. Mas Adolfos só existem em virtude dos fanáticos. Adolfo não baterá na porta do autor ou autora, para, pessoalmete, exigir uma retratação. Seus fanáticos, no entanto, colocarão fogo na casa, jogarão sal na terra, e lamentarão não terem chegado a tempo, pois, na faixa temporal abordada e graças ao pseudônimo, houve uma fuga incólume por parte de quem escreveu a obra.

Parece farsesco, mas é ilustrativo. E plausível, para incontáveis exemplos. Ocorre que esses exemplos talvez tenham um prazo de validade, que expira com o advento das novas tecnologias, entre elas a internet e a soberba monitoração via satélite, cuja associação de ambas culmina num termo chamado de “tempo real”. O cinema e a literatura à serviço do cinema tem se valido desse termo, tornando-o quase uma dimensão da realidade.

Filmes ilustrativos, derivados de livros: “O Ultimato Bourne” e “Rede de Mentiras”. Robert Ludlun escreveu o “Ultimato...” e David Ignatius concebeu a obra que derivou “Rede de Mentiras”. Por que citá-los? Porque se não fosse o cinema, se valendo da pesquisa desses senhores, jamais ficaríamos sabendo de certas dimensões da realidade. Ludlun, ao longo de sua carreira, se tornou uma espécie de consultor para assuntos sobre a comunidade de informação, provando que ele realmente tem intimidade com o assunto.

Assim como o filme “Jogos Patrióticos”, inspirado em obra de outro autor, marcou a entrada de uma equipe cinematográfica nas dependências da CIA, divulgando para o mundo os primeiros passos do “tempo real”, em “Ultimato...”, Ludlun revela para o mundo a existência do sistema “Echelon”, ou “Exilon”, uma ferramenta concebida para monitorar palavras chave via telefone, obra impressa, televisiva, radiofônica e internauta. O sistema, ou kit “Echelon”, já era sussurrado por essas bandas, mas quem tomava contato com a idéia, julgava tratar-se de uma quimera. Quando isso era proferido por gente séria, ficava-se com a pulga atrás da orelha. Quando Matt Damon encerra a trilogia Bourne, “Echelon” vem à tona como pastel de feira. Todo o corre corre da trama nasce do fato de que o sistema pegara uma palavra chave, vinda de uma cabine telefônica, em Londres. Ora, há 10 anos atrás, “Echelon” também fora uma palavra chave. E se tivesse sido publicada na web? Ainda por cima com a assinatura do autor?

Tudo se publica na web, já chegamos nesse consenso. Também já acordamos que Adolfos proliferam numa P.A., e seus seguidores numa P.G. Deixamos mais ou menos no ar, como seria essa situação, em tempos pré web. E hoje? Hoje talvez seja menos romântico, Adolfos necessariamente não pregam uma filosofia, são antes de mais nada grandes acionistas, e seus seguidores recebem um gordo soldo. Tudo um pouco no ar, bastante evasivo e transbordante de diversidade, como a web. Já não se sabe mais o que alavanca as engrenagens do moedor, contra um pensador ou pensadora, teclando teorias num micro computador.

Pensando na “Teoria da Conspiração”, Mel Gibson tem um news letter com uma mísera listinha de 12 destinatários, tira um ás da manga capaz de desestabilizar o regime, e ganha 12 mil candidatos de tiro ao alvo no seu encalço, só porque ele cogitara uma teoria.

Agora, imagine que um pensador ou pensadora, teclando teorias num micro computador, divulga o fato de que perto de Denver, Colorado, encontra-se um dos maiores confinamentos de gado do mundo, com 100 mil cabeças, cada uma evacuando 23 quilos de esterco por dia, minutos antes do abate, e, sugerindo que o voluptuoso hambúrguer bem na sua frente, nada mais seja do que uma pasta de colifórmios? Seriam perseguidos pelo Cartel do Abate? Porque já teriam publicado, já sabemos, e ainda por cima assinado seus nomes, na busca de notoriedade, de um emprego permanente numa redação, ou pelo simples fato de suporem estar prestando um serviço à comunidade. Ou querendo chamar atenção para o seu blog.

Suponhamos que você tenha um blog, e que ontem, no ônibus, alguém encapuzado lhe passa um papelzinho escrito: em 2008, houveram 44 milhões de protestos virtuais contra o desmatamento da Amazônia. Só você no mundo tem essa informação, e, imbuído por um dos motivos listados acima, publica no seu blog, passando a ser perseguido pelo Cartel do Abate, já que eles abatem tudo, bichos, plantas, pessoas, etc. Antes, porém, as palavras hambúrguer – colifórmio teriam sido apreendidas pelo “Echelon”, e em tempo real os representantes do Cartel estariam invadindo a sua casa. Pensaste, redigiste e assinaste. Tivemos vários patrícios que cometeram esse atentado contra si próprios. Na era pré web.

Graças ao governo Bush filho, esse conceito, criado e gerado pelos países ricos na década de 50, chamado “Echelon”, deu um salto quântico, evidentemente em virtude do atentado às Torres Gêmeas.

As indústrias – bélica/entretenimento/cigarros/comunicações, e se você for xeretar nos documentários, vai ver que a Philip Morris e a Lockheed e a Time Warner e não sei quem são uma coisa só, enfim, as indústrias inventaram um inimigo: os que escrevem da direita para a esquerda. E arrumaram um pretexto incontestável para turbinar o monitoramento.

Vejamos o que David Ignatius fala sobre o inimigo concebido e o inimigo real: “Há uma falácia que pertence à guerra: nós não podemos ocupar o inimigo. É mais provável que o torne mais forte. (...) Apesar do fato de termos aumentado a intensidade das nossas operações, não se vê nenhum progresso. O que estamos lidando aqui (Iraque) é potencialmente um conflito global. (...) Nossos inimigos perceberam que estão lutando contra rapazes do futuro. (...) Se você vive como no passado e se comporta como no passado, será muito difícil encontrá-lo. (...) Nossos iletrados não sofisticados inimigos, se deram conta da não sofisticada verdade: de que nós somos um alvo fácil”.

O texto acima abre o filme “Rede de Mentiras”, baseado na obra de David Ignatius. A questão é, faria alguma diferença se o mesmo, ao invés de ter virado livro e filme, tivesse sido somente publicado na web? Iria incomodar os patrocinadores do “Echelon”, ou então seus inimigos?

Na década de 80, dizia-se que quem se dava ao trabalho de escrever cartas para um jornal, para protestar ou aclamar artigos e ou reportagens publicadas, era, no mínimo, esquisito.

Em 2008, no encontro que reuniu os principais editores, responsáveis e colaboradores dos jornais impressos de grande circulação, do primeiro mundo, chegou-se à conclusão de quem decide é a interação com o público internauta.

Ainda que descontando a pesquisa feita em 2006, de que 80% da web está voltada para a pornografia, ainda que considerando a inexistência de uma unanimidade no campo das idéias, sejam de ordem política, artística, financeira, econômica, filosófica, ainda que cientes de que a esponja web absorve tudo, músicas, vídeos, imagens, animações, pensamentos, denúncias, não há como negar que se você colocar hoje no seu blog, que a Torre Eiffel tem 1652 degraus, você estará partilhando informação com um universo invisível e imprevisível que, num átimo de otimismo, ouso supor que poderia se tornar uma espécie de parlamento mundial on-line, ativo e transformador, de uma realidade caquética para um “tempo real”, de interação e conhecimento.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/04/2009
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T1519001
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