Páscoa
Há sempre duas vertentes espirituais para o jejum: a da auto-construção e a da solidariedade.
O jejum para o crescimento pessoal envolve disciplinar os apetites e evitar a distração, aprofundando o domínio de si mesmo e a concentração naquilo que realmente importa. O resultado deve conduzir ao segundo tipo de jejum – o da solidariedade, do amor à paz – em que o alvo é o compartilhar o alimento com os que dele necessitam, tanto o alimento para o corpo como aquele para a alma e o espírito. Este segundo tipo de jejum é que dá sentido ao primeiro e nos une a Cristo, que na paixão doou a própria vida para a construção do outro, por amor a seus amigos.
Na História de Jesus, uma das mais passagens mais intensas é aquela em que depois da oração no Horto das Oliveira - quando desnudou a seu Pai as suas dores, incertezas e fragilidade diante da morte próxima -, vai ao encontro dos soldados que vinham para prendê-lo e se entrega docilmente. Docilidade que não assumiu na defesa de seus amigos; disse firme: "Sou eu a quem vocês estão procurando?"
Aqui Jesus deu um atestado de confiança em que aqueles homens simples e fragilizados pelos medos, que o seguiam esperando que um milagre os livrasse de todas as vicissitudes e sofrimentos da vida do mais comum dos homens, iam amadurecer e enfrentar as dores e maravilhas do viver até que, um dia, se tornariam capazes e maduros para o sofrimento, a doação e a gratidão pela vida assim como ela é, com todas as suas contradições, frustrações e delícias.
A semente que ele havia plantado naqueles corações, ainda invisível, se tornaria em seu momento uma árvore frondosa. E não se enganou. Esperar o melhor do menor de todos os homens e mulheres faz parte da difícil arte da esperança e da fé, assim como esperar o melhor de nós mesmos, mesmo nos nossos piores momentos e mais constrangedores micos.
A ascese de Jesus, em sua última noite em liberdade, foi toda orientada pela oração solitária, pelo esforço do preparo para a auto-doação radical - até a morte. Morte por amor.
A morte de Jesus nos remete à gratidão por todos os que se foram e nos fizeram a doação desse momento e espaço para viver, por nossa vez, a vida e saboreá-la através da vivência do amor cotidiano. E nos coloca diante da responsabilidade de nos irmos com gratidão por estar assim abrindo espaço para aqueles que estão chegando e crescendo em nosso mundo.
A dinâmica da troca amorosa de todo dia – o nosso pão espiritual de cada dia -, em cada pequeno detalhe; desde o pássaro que posa na árvore, a flor que se abre, dando-nos motivo para expressar nossa gratidão ao Criador; o sorriso de quem nos atende ou serve, a gentileza daquele que pára o carro à nossa passagem. Todos esses pequenos gestos nos aquecem o coração e murmuramos – também te amo, Pai/Mãe.
Em contrapartida sorrimos a nossos irmãos, cuidamos da flor e contemplamos o pássaro, damos passagem ao próximo, paramos para servir e ajudar a quem precisa - assim manifestamos o amor do Criador a nossos irmãos e irmãs e O tornamos presente no meio de nós.
A ressurreição do domingo de Páscoa deve nos lembrar que a vida nunca se repete, a vida ressurge sim, mas é sempre surpreendente. É bom que estejamos atentos a cada momento para dele fazer o melhor momento do Universo, momento de reconciliação, de acertar todas as pendências no amor, momento que nunca mais vai retornar – único e precioso.
O jejum e a abstinência sexual perdem sentido na ausência do exercício da doação de mão dupla, doar e receber. Doar vida e receber, na ressurreição, vida plena em abundância.
Que nossa Páscoa seja doce e vibrante de alegria. Muitos abraços, sorrisos ou lágrimas de oração e comoção. Uma Páscoa plena de sentido para nos conduzir à manhã radiante do Domingo da Ressurreição