Crônica: laboratório do escritor
O Brasil parece um dos poucos países – caso não seja o único – a praticar a crônica cotidiana. Se pudéssemos desenhar uma escada na carreira do escritor, poderíamos afirmar que a crônica é o primeiro degrau, o primeiro desafio e o primeiro exercício para quem pretende desenvolver narrativas de fôlego mais longo. Isso não implica que todo cronista se transformará em romancista nem que todo grande escritor necessariamente passou pelas folhas dos periódicos, porém pode mostrar como nomes consagrados e que estão se consagrando testaram fórmulas, pensaram conceitos e redesenharam estratégias para prender a atenção do leitor.
Camilo Castelo Branco e Charles Dickens provavelmente não praticaram a crônica, entretanto desenvolveram estilos a fim de que o leitor de jornal comprasse a edição seguinte se quisesse descobrir o desfecho do enredo.
Além de romances, novelas, contos, poesias e peças de teatro, Machado de Assis dedicava-se às crônicas publicadas em jornais fluminenses, vez por outra retratando a política. Rubem Braga consagrou esse gênero híbrido, que oscila entre o jornalístico e o literário, Antônio Candido o praticou depois de mais de cinqüenta anos de crítica literária.
Por tratar de assuntos simples, do cotidiano, da intimidade que também é coletiva, a crônica abre as portas para autores diversos. Quem poderia superar o gênio de Paulo Mendes Campos que transcende os limites do tempo e do espaço teoricamente delimitados? Quem não ri com Carlos Heitor Cony na “Folha” ou Assis Brasil no “Zero Hora”?
Embora trate de assuntos cotidianos e possua linguagem fluente, a crônica também pode proceder à abordagem complexa, simbolizando uma alternativa de se treinar a argumentação, de se aperfeiçoar a estrutura lógica do texto, de ensaiar a criação de enredos, de personagens, de ambientes, de trabalho de crítica literária.
As oportunidades dadas pelos jornais para publicação de artigos ou de crônicas são essenciais tanto para os escritores amadores – que precisam apresentar novos trabalhos – quanto para os profissionais e premiados que, como Luis Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar, mesclam paixão e obrigação na criação literária e (por que não?) jornalística.
A leitura numa sentada de ônibus ou numa fila de banco, a aproximação do leitor em decorrência da linguagem espontânea e do assunto atual, a defesa de idéias nem sempre bem aceitas e o exercício da escrita em modo criativo não conferem apenas visibilidade ao escritor, mas também proporcionam treinamento regular que lhe permitirá uma visão mais completa da recepção e dos efeitos de seu trabalho. Por essas razões, a crônica foi, é e continuará sendo laboratório essencial para o escritor.
*Publicado originalmente no Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 1 de abril de 2009.