A FRIEZA DOS PAPÉIS

Infelizmente, ainda vivemos num mundo onde vale muito mais o que está escrito e assinado, em detrimento do que se fala e, principalmente, é vivenciado.Antigamente, diriam os "antigos" valia o "fio do bigode". Mas, o homem moderno anda muito frio nos tempos de hoje.O médico avalia o paciente por um exame, quando deveria avaliá- lo globalmente; o juíz analisa um processo para condenar ou absolver um réu, sem deter o conhecimento integral dos fatores humanos envolvidos; o professor avalia um aluno por uma prova, que a rigor não consegue avaliar a verdadeira capacidade de ninguém. Entretanto, assim funciona tudo no mundo.Inclusão é o termo da moda no universo corporativo. No entanto, poucos conhecem o sentido e a essência dessa, aparentemente, simples palavra.Somos todos iguais. Somos indivíduos inseridos num mesmo contexto social. Disso ninguém duvida.A raiz do problema está, na verdade, em distorcer conceitos e isso, o brasileiro cansa de fazer.Há duas semanas, o Jornal Nacional, o mais assistido do país, exibiu uma matéria um tanto maliciosa sobre inclusão. Importante se faz ressaltar, que a mídia é formadora de opinião, não podendo jamais induzir ninguém a pensar algo. O telespectador é suficientemente capaz de tirar sua própria conclusão sobre a notícia.Tratava a matéria do caso de uma família que buscava matricular a filha, portadora da Síndrome de Down, numa escola que fornecesse a estrutura necessária para lidar com a situação da pequena menina.Muitas e muitas já haviam sido as tentativas dos pais, todas em vão.O Jornal Nacional, buscou então, corretamente, ouvir o lado de uma das escolas que não aceitaram matricular a menina.O diretor da escola explicou que não havia na escola a condição para receber crianças com Síndrome de Down, daí a negativa. O mesmo, porém disse estar pensando em uma forma de capacitar a escola, a fim de dar toda a assistência necessária a toda e qualquer criança, portadora de disfunções desse tipo.Outra palavra importante: capacitação. Não é fácil capacitar pessoas.O processo é lento e demasiadamente caro. Profissionais de qualidade estão cada vez mais escassos.Hoje existe uma lei, que obriga as instituições de ensino a aceitarem qualquer criança, seja ela portadora de qualquer deficiência.A incoerência mora justamente aí. Nós somos confusos demais. Relacionamos coisas que não tem a menor relação. Como pode um negro ser presidente do país mais rico do mundo? Apesar de deficiente físico, até que eu escrevo bem, não é mesmo? Apesar da Síndrome de Down, todos podem conviver com ela. Claro que todos podemos conviver, afinal, para isso fomos criados. Não sabemos, no entanto, lidar com diferenças, que por sinal, fazam parte da sociedade. Daí a disfunção do pensamento humano, onde se encontra a raiz do preconceito.As escolas estão entre a cruz e a espada. Se não aceitam os alunos "especiais" são preconceituosas. Se aceitam, continuam sendo, já que, qualquer criança, portadora de deficiência, naturalmente se isola ao perceber ser a única diferente, dentre tantas e tantas iguais.Pelo menos por enquanto, é preciso aprender a viver num mundo onde pessoas são números e onde ainda impera a lei humana, em que vale o que está escrito na frieza dos papéis.

Marcello Santos
Enviado por Marcello Santos em 28/03/2009
Reeditado em 29/04/2009
Código do texto: T1510552
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