Os vícios políticos - as práticas errôneas na cultura política de uma organização
Inspirado no slide do Retiro Socialista, em meados de fev 2009, em Brasília-DF, sob o tema "Vícios ou desvios ideológicos"
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A razão de um partido ou de uma organização política, seja ela qual for, é chegar ao poder ou, ao menos, alcançar os seus objetivos imediatos e implementar seus valores ou doutrinas. Para que isto haja com eficácia, requer uma disciplina maior no funcionamento desta organização - seja por seus regimentos internos ou estatutos, dando um caráter legal; seja pelas práticas cotidianas dos seus dirigentes, formuladores, quadros e militantes, através das ações e da convivência entre estes. Inclusive, na formação cotidiana de uma cultura política, envolvendo comportamentos, ações, valores e códigos carregados por seus simpatizantes e quadros.
Para que isto ocorra com maior eficácia, é necessário que haja o planejamento, ainda que mínimo, para que esta organização alcance seus objetivos. Ela se dá através da estratégia, onde a agremiação política terá o seu objetivo/alvo a seguir. Por sua vez, para que esta estratégia tenha eficácia, ela, por vezes, demorará dias. Por vezes meses e, quiçá, anos ou mesmo décadas para o seu alcance e execução fiel. Logo, para que não se perca o foco, é necessário que se criem táticas que nada mais são do que meios ou ações intermediárias que, realizadas com êxito, aproximarão a organização próximo da realização de sua estratégia maior.
No entanto, nem sempre estas organizações conseguem sua plena eficácia na realização da sua estratégia. Por que será? Quais as razões para que não alcancem? Estratégia superdimensionada à realidade ou ao contingente da organização? Perda no foco? Metas inviáveis? Subvalorização das táticas?
Creio, particularmente, que uma organização partidária ou ligada a um determinado movimento político específico é um microcosmo claro da representação social. E o reflexo mais apurado chega na individualização do comportamento dos seus quadros políticos que, juntos, constróem não somente comportamentos, mas práticas políticas que atingem o conjunto da cultura política desta organização - entre seus pontos positivos e as suas mazelas institucionais.
Vale então remeter a algumas ações, onde tratei, em linhas gerais, algumas percepções sobre os erros, sejam nas práticas - comportamentais ou não. Enumero tais como:
1) Absenteísmo
Tal prática remete a ação voluntária de um indivíduo ou de um grupo que, no intuito de protesto velado ou de não envolvimento na organização em determinado momento crucial, não se opõe diretamente deste processo, mas se ausenta das reuniões, atividades ou eventos onde tal agremiação esteja presente. Como forma de boicote, tal prática esvazia a organização, a ponto de, se praticado continuamente, estagná-lo.
2) Subserviência ou bajulacionismo
Isso confere no campo das relações pessoais, como uma forma degenerativa do sistema antigo de relações de fidelidade na era medieval, nas conhecidos pactos de vassalagem/suserania. Largando mão dos princípios pessoais ou ideológicos, o indíviduo, para conferir benesses pessoais ou lançando mão de projetos individuais (ver carreirismo), se atrela a uma determinada liderança (imediata ou não).
Logo, as práticas do bajulacionista na adesão a esta liderança envolvem inclusive o apoio cego e acrítico, no intuito de granjear o apoio ou a amizade (ainda que artificial, em cálculos de interesse/ganho político) deste quadro. Isto chega, inclusive, a impedir, em alguns momentos, a ascensão de quadros políticos emergentes, diante da obstrução do quadro subserviente, através de atitudes pessoais antiéticas.
3) Carreirismo
O foco do indivíduo é a ascensão maior às instâncias imediatas de poder. Quanto maior o cargo ou função em menor espaço de tempo, melhor para conferir não apenas seu status político, mas sua esfera e influência de poder. O carreirista, para isso, utiliza-se dos projetos individuais (ver individualismo), ainda que, para isso, manipule ou passe por cima de outros quadros políticos, do mesmo perfil/patamar ou não, para alcançar os seus fins.
4) Individualismo
Como o próprio nome sugere, indica que o foco das ações políticas resulte em torno de si e não da organização pela qual pertence, com os seus valores históricos e os funcionamentos legais. Para ele, não vale a convivência urbana com seus pares, superiores ou subalternos - sua prioridade é o atendimento dos seus interesses, ainda que para isso a visão do conjunto seja sacrificada ou secundarizada.
5) Personalismo
Variante do individualismo, o personalismo se caracteriza pela exacerbação do culto a si ou das ações pessoais, frente ao conjunto dos seus liderados. Enquanto que o individualismo parte do comportamento individualizado e das suas ações pessoais, o personalismo é a extensão do individualismo, tentando "imprimir" suas marcas frente à organização. Logo, a organização está em função da "persona" e não dos projetos políticos-ideológicos da organização ou do conjunto dos membros dela.
6) Espontaneísmo
Tal prática remete à resistência de qualquer ação organizada de um grupo com o seu fim específico. Para este praticante, o que vale são as ações que caracterizem maior conveniência, sem exigir de si qualquer sacrifício ou comprometimento pessoal. Seja como for, é uma prática de demonstra em si, a ausência de qualquer fator que envolva a disciplina pessoal/política na realização de uma determinada meta.
7) "Anarquismo"
Embora indevidamente colocada como um "vício" político, vale remeter, de forma rápida às ações característica do movimento anarquista. Em suma, no caráter organizativo, os anarquistas combatiam a necessidade de qualquer ordenamento no sentido político, no enfrentamento a favor dos seus interesses de classe. No entanto, para os anarquistas libertários, a ação rumo à sociedade anárquica partiria da ação individual (ver espontaneísmo), enquanto que, para os anarco-sindicalistas, a organização em conjunto para a defesa de suas lutas se daria em torno da união deles nos sindicatos. Seja como for, tal prática torna-se nociva, pois, quando negam a ação política e não reconhecem em si o valor de uma organização, quando alcançam seus objetivos, eles não conseguem promover, de fato, suas bandeiras, por conta de sua deficiência organizacional.
8) Imobilismo
Diferente do absenteísmo, onde há uma ação ativa do indivíduo em se abster ou boicotar o processo, o imobilismo se caracteriza pela passividade do quadro político. Variante do individualismo, quanto mais ausente, melhor convém aos interesses pessoais em não se envolver em causas ou ações onde a organização política esteja presente - seja para salvaguardar os seus interesses, seja por temeridade ou qualquer ação similar neste sentido.
9) Sectarismo/Radicalismo
Como prática, é a ação que resulta na incompreensão do quadro político de uma determinada conjuntura política, sem qualquer equilíbrio ou coesão coerente com a visão do mundo. Em seu posicionamento radical, rejeita qualquer opinião divergente, usando-se, para isso, de uma concepção purista e unilateral. Incomodado com as mudanças graduais, o sectário considera como "conservador" ou similar aquele que, mesmo com posições similares a sua, atua conforme determinada circunstância sem atender aos seus interesses imediatos - de caráter ideológico ou não. Qualquer postura aberta ao diálogo, para o sectário, é visto como "conciliador" ou de "traição" e "concessão"
10) Comodismo
Outra variante do individualismo, onde este quadro político torna-se indiferente, se a organização caminha a passos céleres ou está naufragando, não atingindo os seus objetivos. Tanto faz, se a organização vai bem ou mal, se está sendo ou não coerente - o que vale é a sua "paz", desde que ninguém venha conflitá-lo.
11) Liquidacionismo
Prática ou ação política de determinado indivíduo, ao abortar qualquer ação que venha prejudicar suas pretensões (ver individualismo). Torna-se preferível postergar ou, simplesmente, anular um ato político, no propósito de que não atinja, em momento algum, seus interesses imediatos.
12) Auto-suficiência
Ação prática e enérgica do individualismo, em toda a sua amplitude. Centrado na ação do "eu", não vale, para si, a atividade do coletivo. Suas ações por si só são suficientes para prover à organização de todas as deficiências que, porventura, existam nela. Ele é, parafraseando a fala de Jesus Cristo, o caminho, a verdade e a vida. O indivíduo auto-suficiente não apenas faz as coisas por si só, mas sabe não apenas para onde vai com a organização, mas toma para si um comportamento vanguardista - ainda que em sacrifício do conjunto de quadros e dos seus pares.
Desta forma, muitos são os vícios que uma organização possuem. No entanto, cabe a nós, em um gesto de maturidade política, promover as mudanças - a partir do comportamento diário e cotidiano que carregamos, na máxima cristã do Amor ao próximo como a si mesmo.
Logo, uma organização política não pode aspirar à melhoria da sociedade civil se nem ao menos seus quadros cultivam entre si as práticas de companheirismo, solidariedade, disciplina e foco para a realização dos seus ideais. Resultando os vícios, muitas vezes, em práticas notoriamente individuais, no cerne do erro humano, cabe a nós não apenas uma simples reflexão, mas da compreensão sobre qual o nosso papel no mundo e qual o nosso propósito, dentro da mínima atuação do microcosmo social onde vivemos.
Seja no seu Núcleo de Base, na escola, na universidade, na associação de bairros ou em outras esferas de interesse, a solidariedade é o vínculo maior para o êxito de uma organização, quebrando os resquícios do individualismo, tão cultivados em uma sociedade pós-moderna sem rumos ou mesmo paradigmas claros. Cabe a nós, quadros, dirigentes, militantes e formuladores, seguir a máxima de Salomão, em Provérbios 24:06 onde menciona que "com conselhos prudentes tu farás a guerra; e há vitória na multidão dos conselheiros". Sendo assim, ficará cada vez mais fácil a consecução dos projetos, na conquista do poder e na construção de ações que beneficiem o conjunto da população, onde esperam de nós, dirigentes, o desejo de uma sociedade justa.
Este é o desafio!