Como fomos ingênuos
Como fomos ingênuos...
Eurico de Andrade Neves Borba
Economista, ex Professor Associado, ex Diretor do Departamento de Economia, ex Vice Reitor da PUC RIO. Ex Presidente do IBGE, ex Diretor da Escola de Administração Fazendária, ex Secretario Geral do MEC, está aposentado morando em Ana Rech RS. É escritor.
Creio ser o momento de recordar alguns fatos sobre a guerrilha no Brasil. Hoje alguns ex-guerrilheiros são Ministros de Estado ou altas autoridades da Republica e se apresentam como defensores da democracia, se posicionando, inclusive, como candidatos à Presidência da Republica. Este é um fato grave que está sendo prestigiado pela irresponsabilidade nacional que parece assumir, alegremente, a mentira histórica e, à falta do conhecimento de outros heróis, homenagear o erro.
Os ingênuos, a que me refiro, são aqueles cidadãos atualmente sessentões que participaram, a partir do final dos anos 50, da política estudantil, dos movimentos políticos partidários, da luta pela volta da democracia ao nosso país.
Não fomos guerrilheiros, não éramos comunistas. Éramos democratas e militávamos em vários partidos, até 1965. Depois a maioria de nós se reuniu no antigo MDB. Empenhávamos-nos em encontrar uma alternativa justa para a consolidação da democracia e para a superação do subdesenvolvimento, no Brasil e na América Latina. Vivíamos um tempo de esperança e de certeza de que estávamos “construindo a história”.
No entanto, a história que está sendo contada nem sempre retrata o que foram aqueles tempos brilhantes, mas também angustiantes e conturbados. O país estava convulsionado por idéias conflitantes. O mundo, dividido pela guerra fria, oferecia, apenas, duas saídas: ou a via capitalista liberal ou o caminho do socialismo real.
É preciso que se recorde, e nem a imprensa contemporânea ou muito menos parcela dos atuais professores de história o fazem, que em 1963 e no início de 1964, havia a evidência concreta de que nossos “esquerdistas” poderiam tomar o poder revolucionariamente, no estilo cubano. Os desdobramentos de tal ato, se vitorioso fosse, (hoje confirmado pela farta documentação disponível, mas não comentada), resultaria na instauração de um regime marxista-leninista com centralismo estatal, prisões, julgamentos sumários e ausência de liberdade. Algo semelhante ao que é, atualmente, pregado pelos idiotas truculentos do MST.
Hoje “não é politicamente correto” tecer comentários desse tipo, desmerecendo a imagem daqueles que buscaram na luta armada o instrumento da transformação social. Eles aparecem promovidos como heróis idealistas, cortejados pela mídia, pelos movimentos estudantis e pelos partidos políticos ditos de esquerda.
A retomada da democracia, da liberdade, a recomposição do Estado Democrático de Direito, não foi feito pela guerrilha. Ao contrário, ela só contribuiu para o aumento da repressão e da permanência, por um maior período de tempo dos militares no poder, com todas as mazelas, torturas e arbítrios que cometeram.
A democracia se recompôs pela ação corajosa, persistente e coerente de líderes tais como Franco Montoro, Tancredo Neves, Jose Richa, Ulisses Guimarães, Mario Covas, Petrônio Portela, Leonel Brizola, Renato Archer e de tantos outros, ainda vivos, como Célio Borja, Pedro Simon e Marco Maciel, que na atividade política, mesmo limitada e constantemente ameaçada, entenderam a realidade brasileira e souberam “costurar” o fim do arbítrio. Na imprensa Carlos Castelo Branco, com suas análises brilhantes e contundentes, inspirava jornalistas, em jornais de vários estados, que com seus artigos, desmontaram, aos poucos, a lógica da justificativa da solução militar, conscientizando a nação para a necessidade de reagir àquele estado de coisas. Estas atitudes, politicamente responsáveis, permitiram a anistia, a volta de muitos brasileiros ao país, (inclusive dos “guerrilheiros”), o fim da censura, a campanha pelas “diretas já”, a eleição de Tancredo Neves e a Constituinte.
Foram os líderes políticos moderados, que restauraram a democracia, não a guerrilha: - esta é a verdade histórica.
Segmentos da sociedade civil forjaram, ou mentindo ou narrando meias verdades, outros atores e os ofereceram ao povo, sempre sequioso de heróis ao estilo de Che Guevara. O terrorismo é mais charmoso do que o tão desmerecido trabalho político de busca de consenso, de construção permanente da ordem jurídica de uma nação. Os mesmos que elegeram Collor elegeram Lula, com os eleitores iludidos pelas novidades que lhes foram tão bem oferecidas pelo marketing político.
As lideranças lembradas, os verdadeiros construtores da redemocratização do Brasil, foram ingênuas e permitiram que a verdade histórica fosse alterada. Assumiram uma atitude humilde de estranha elegância política e não quiseram investir na divulgação do que fizeram pelo bem da sociedade brasileira. Hoje estão quase esquecidos...
Como a nossa elite é na sua quase totalidade medíocre, mormente a de esquerda, parece que vamos ter de repetir experiências políticas e econômicas fracassadas, conviver com a farsa, sofrer com a corrupção, até que muito depois de outras sociedades, possamos chegar ao estágio de começar a tratar, com a necessária competência e honestidade, dos assuntos realmente importantes para a promoção do desenvolvimento integral, do bem comum, da justiça, da democracia e da liberdade.