Foi com este título, “Aluga-se namorada” que uma plaquinha me fez entrar num corredor enorme, no centro de Ilhéus na Bahia, lá pelo final da década de 80, para finalmente dar de cara com uma locadora de fitas VHS que estava estreando as locações do filme NAMORADA DE ALUGUEL, um modelar daquela época que foi sucesso nos cinemas, locadoras e posteriormente, largamente exibido nas televisões abertas. Can’t buy me Love era o título em inglês, ou original, mas algum gênio preferiu “Namorada de Aluguel” ao invés de “Não pode comprar-me o amor”; esta é a grande jogada!
 
O conteúdo é tão importante quanto o rótulo; às vezes, o rótulo se torna ainda mais importante do que o conteúdo, pelo menos no que diz respeito à comercialização e a divulgação de um determinado produto; os livros, por exemplo, os grandes autores passam meses até decidirem qual título darão a suas obras; às vezes se paga fortunas para que especialistas indiquem alternativas para títulos de várias coisas, pois o importante é conseguir seduzir, atrair esta ou aquela pessoa para conhecer este ou aquele trabalho.
 
Se recordar é viver, jamais podemos esquecer os cartões de crédito; lá nos primórdios, quando candeeiro dava choque e fraldas descartáveis eram artigos de altíssimo luxo, os cartões de crédito não tinham tantas bandeiras e nomenclaturas; havia o VISA, o Credicard, o Diners Club e o desejado American Express Card com seu centurião posicionado ao centro e ao fundo um verde inconfundível, exclusivamente criado para aquele cartão.
 
O tempo passou e vários bancos passaram a vender as bandeiras dos cartões de crédito, com isso, veio também uma corrida frenética para criar sub-marcas tão fortes quanto as próprias bandeiras. Começava a fase do OURO; tudo quanto é tipo de cartão era OURO, GOLD, PREMIER, etc.; isso os diferenciava, estas segundas marcas agregadas as grandes marcas eram os grandes diferenciais e o charme, a elegância que era traduzida em vaidade. O ouro se tornou comum; os gênios precisavam criar novas marcas, novos aspectos ideológicos que elevassem este mercado crescente em algo ainda mais glamoroso, então começaram a explorar a PLATINA.
 
Nunca antes na história o metal platina foi tão comentado e tão desejado; os bons e caros cartões de crédito, acessíveis a poucos, utilizaram em larga escala o rótulo de PLATINUM. A prata quase que foi esquecida, afinal de contas, quem é que se sentiria satisfeito vendo um amigo utilizando um cartão OURO, enquanto ele utiliza o PRATA? Houve uma necessidade enorme de se criar duas classes de “Premium” para os cartões; uma espécie de desnível nivelado, que pode ser pleonástico. Outros rótulos também foram atribuídos aos cartões depois do PLATINUM, pois mais uma vez ficou batido, comum; chegava então à vez do BLACK.
 
Preto, negro, enfim, os cartões TOP, TOP, TOP, sobretudo os VISA e aqueles Credicard, que hoje são MASTERCARD, utilizam este nome para diferenciar seus clientes, BLACK e INFINITY; ninguém poderia estar acima deles em termos de benefícios, prêmios e mimos. Pode parecer uma coisa aparvalhada, mas funciona bem. Os vaidosos preferem ser rotulados de exclusivos, mesmo que paguem caro para tê-los no bolso.
 
Qual benefício prático tudo isso trouxe, senão a dúvida e a perpetuação da vaidade? Todos eles compram e devem ser pagos, esta é a regra!
 
As vidas das pessoas estão relacionadas aos produtos que elas consomem; isso é verdadeiro, correto e cada vez mais cobrado; um executivo de multinacional jamais poderá deixar-se ver pagando uma conta de um jantar num restaurante expoente com um cartão de crédito daquela loja de conveniência; por mais que o seu limite permita e que seu ego respeite, na cabeça dos estúpidos, isso “pega mal”, é inadmissível; o mercado e as colunas sociais quase exigem que pessoas de termo, exceto os pastores, utilizem cartões vistosos, carros ascendentes e confortáveis, ternos de grifes, gravatas de seda puríssima, canetas suíças e perfumes franceses, se não for desta forma, ele praticamente estará excluído do clube seleto do Jet Set.
 
É nesta hora que a marca é mais importante do que o conteúdo; os cartões Platinum, Black ou Infinity, podem estar CANCELADOS por falta de pagamento; o carro poderá estar em busca e apreensão pela justiça, os ternos podem ter sido comprados no Outlett do Paraguai, da mesma forma que as gravatas, a caneta pode ser falsa e o perfume é aquele que ele só usa quando quer se exibir.
 
A marca é tão importante para os olhos quanto para os ouvidos do ser humano do século 21; se você vai ao supermercado e sua “patroa” pede para levar uma LÃ DE AÇO você saberia de imediato em qual departamento buscar? No Nordeste, pedir um “guaraná” significa pedir um REFRIGERANTE! Água sanitária pode ser qualquer uma e Q-Boa é apenas uma marca!
 
Às vezes o conteúdo destas diversas marcas que acabaram virando produto possa nem agradar tanto, mas as pessoas sentem certa resistência para consumirem outra marca similar, devido ao grande apelo e a grande ostentação pessoal de somente consumir o manifesto e o comentado. Observem ainda que as grandes apelações de patentes e marcas são simples e fáceis de serem identificadas de longe; apenas os apressados e sem conhecimento enfeitam e acham que criando marcas espalhafatosas conseguirão o sucesso; às vezes nem é o sucesso que é perseguido, mas a obrigação de atribuir seu produto a um rótulo.
 
Quando estes gênios modernos querem iludir os consumistas e afogá-los com a vaidade, cria frases de efeito que são expostas com seus invólucros, algo do tipo: “este produto está reservado para um grupo selecionado de pessoas, que como você, sabe apreciar as melhores e mais importantes coisas da vida.” Após lerem frases como esta, as pessoas se inundam de uma sensação superiora, uma sensação de exclusividade que as faz comprar, consumir e expor; as pessoas pagam caro, às vezes duas vezes mais, ainda assim se sentem felizes, satisfeitas por acreditarem que de fato são exclusivas, únicas! É como se uma funerária abrisse um letreiro dizendo que “aqui se morre feliz”, ou ainda, “enterre quem você ama sem nenhuma dor, use os serviços de nossa funerária”.
 
As companhias aéreas chegam a abusar desta diferenciação, os passageiros de algumas, que não portam cartões exclusivos ou que não estejam em assentos VIPS, saem das aeronaves depois dos que possuem estes privilégios; eu já vi várias pessoas comprando passagens três vezes mais caras numa companhia aérea somente para se tornarem “membros importantes” mais cedo e saírem usando de prerrogativas discriminatórias; até nas filas das salas de embarque a preferência de entrada pertence a estas pessoas portadoras de cartões exclusivistas.
 
A situação chegou a um ponto tão absurdo que as igrejas evangélicas já utilizam da mesma fórmula comercial igualmente empregada nas companhias mercantilistas; quem paga mais dízimo, em algumas igrejas, fazem parte de uma redoma de conselheiros preclaros, por conseguinte, têm seus pecados mais facilmente perdoados; os que pagam menos fazem parte de outra casta, e os que não pagam nada, estes não precisam de muita atenção! Não me surpreenderia se em alguns adias houvesse a instituição de alas privilegiadas nas igrejas e templos.
 
Se existir uma palavra para ser atribuída a todo este fenômeno, esta palavra seria “modismo”; ninguém mais consegue pensar no funcional ou usual; os produtos são criados e em seguida, os que podem, injetam milhares de dólares em propagandas para que seus rótulos sejam mais visíveis do que os demais; até aí, tudo bem, mas depois disso, depois que as novelas abrem suas portas com muito dinheiro, para expor produtos em sua casa, gratuitamente, o que antes era usual ou funcional, passa a ser moda; todos querem usar o que aquele ator está usando e se esquecem de perguntar para si mesmo se aquilo é necessário.
 
Pessoas e mais pessoas perdem tempo escolhendo como utilizar um produto sem utilidade prática muitas vezes; perdem seu valioso e esgotado tempo para distrair-se com a vaidade, expondo-se para um mundo que raras vezes as enxergam pela ótica que deveria. A sociedade hipócrita está cada vez mais preocupada em mostrar os títulos, medalhas e láureas, mas está cada dia mais distante dos valores pessoais, dos sentimentos, dos prazeres sem excentricidade. A ética e a índole, em todos os termos, estão em desuso; fatores complicadores mostram ao povo que uma aritmética tão pascácio como somar 1 + 1, pode gerar um fator superior ao imaginável.
 
Luiz Fernando Veríssimo disse em seu texto: “Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata, trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença do "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance; para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque; que a rotina acomode; que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu.”
 
Namorada de aluguel e um pouco das marcas, do modismo, foram apenas pretextos para fazê-lo ler e quem sabe remetê-lo ao mais profundo que a alma reserva; o texto simplório, algo que sei fazer sob os aspectos da dúvida e da escrita, serve para me redimir perante meus semelhantes e fazer do meu “pseudo” fracasso de ontem na vitória que programo para o amanhã. Se ficarmos perdendo tempo com as vaidades efêmeras e as ignomínias que ameaçam vir, poderemos estar simplesmente esquecendo-se de viver.
 
 
CARLOS HENRIQUE MASCARENHAS PIRES
www.irregular.com.br

CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 17/03/2009
Reeditado em 18/03/2009
Código do texto: T1492001
Classificação de conteúdo: seguro