A igreja excomungou autores do aborto. Eu também quero ser excomungado.
A igreja excomungou autores do aborto.
Eu também quero ser excomungado.
Uma menina de 9 anos engravidou de gêmeos após ser abusada durante três anos pelo padrasto em Alagoinha, em Pernambuco. A criança tem 1,33m de altura, pesa 36 kg e mantinha uma gravidez de 15 semanas considerada pelos médicos como de altíssimo risco. A gestação foi interrompida através dos procedimentos de uma equipe médica comandada pelo diretor da Maternidade CISAM, médico Sérgio Cabral. De acordo com Cabral, uma criança de 9 anos não tem ainda seus órgãos formados e o maior risco seria deixá-la levar adiante a gravidez precoce.
O aborto no Brasil é proibido, com exceção de duas situações: em caso de estupro ou de a mãe correr risco de morte. A menor estava inserida nas duas situações, entretanto, novamente a Igreja Católica interveio no caso com a justificativa de que a lei humana contraria a lei de Deus.
Segundo o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, a violência sofrida pela menina não justificaria o aborto. “A menina engravidou de maneira totalmente injusta, mas devemos salvar vidas. A igreja sempre condenou e vai continuar condenando o aborto”, garantiu Dom José.
A Igreja Católica de Pernambuco excomungou os médicos e todos os parentes da menor que optaram pelo aborto. Eu também quero ser incluído nessa lista, pois compactuo com a decisão dos médicos. Seria muita maldade permitir que uma criança que sofreu abuso sexual desde os seis anos de idade ainda corresse o risco de morrer em conseqüência da gravidez. Mesmo que sobrevivesse a gestação e ao parto, seria uma insensibilidade desmedida condenar uma criança de 9 anos a arcar com a responsabilidade de ser mãe sem que ao menos ela tivesse alcançado a adolescência, sendo ainda estes filhos frutos de um ato de crueldade que é o estupro. Em contrapartida, não tenho notícias de que o estuprador tenha sido excomungado. Aliás, se a Igreja Católica tiver que excomungar pedófilos e aliciadores de menores, terá que começar a faxina pela própria casa.
Seria utópico esperar bom senso da Igreja Católica, pois a instituição sempre reservou pouco apreço às mulheres e o fato de ser comandada por homens conservadores provavelmente tem influenciado em decisões particularmente femininas como o aborto. Outra incoerência é a intenção divulgada pela a advogada da arquidiocese em fazer denúncia no Ministério Público em desfavor dos médicos. A acusação contra os profissionais é de que eles violaram uma das leis de Deus, e não a lei dos homens, então, seria lógico que os réus fossem a julgamento no tribunal divino.
O comportamento retrógrado da Igreja Católica tem impedido o avanço da medicina. É provável que os cientistas já tivessem encontrado a cura para muitas doenças se não fosse à intromissão da instituição nas decisões acadêmicas, médicas e científicas. O motivo da minha indignação é que as decisões da igreja deveria se limitar apenas ao seu rebanho e não ao restante da sociedade brasileira. Lamento parecer ingrato com muitas pessoas de boa índole que conheci dentro dessa instituição, mas não posso concordar com os absurdos que a igreja cometeu e ainda continua cometendo em nome do pragmatismo religioso.
Para a igreja a vida tem o mesmo valor, seja a de uma criança inocente ou de um estuprador, seja de uma menina de 9 anos ou de um feto desprovido de consciência. Tudo tem o mesmo peso, a mesma importância. Para mim esse posicionamento é incoerente demais para ser realmente justo. Eu prefiro ser incluído na lista dos excomungados a comungar com essa visão arcaica e paradoxal.
*IVAN LOPES é professor, pedagogo, acadêmico de Letras e membro da Academia Laranjalense de Letras.