A ECONOMIA E O BICHO-PAPÃO

Tenho certeza de que a economia não é um bicho-de-sete-cabeças. Mas costumam, a cada dia, enfeitá-la com um crânio diferente. É evidente que é preciso fazer um esforço imenso para explicar e convencer seguidores a respeito de uma pseudo-verdade. Mas a retórica ganha força, vira ciência. E, não, não se busca apresentar a economia como inteligível, a partir de sua base, sem grandes abstrações; mas, ao contrário, os economistas quando vêm a publico aparecem como sacerdotes generosos, tradutores do entendimento divino.

Todavia, a economia real, doméstica, mostra a milhões de pessoas o quanto contraditório é esse deus tão louvado e ouvido... Contudo, os economistas, em suas paróquias nacionais e internacionais, como os reverendos, dizem a seus fiéis que o sofrimento atual terá uma recompensa futura, para cada um, segundo seu esforço. Sem pernas, cada pessoa tem que caminhar para consegui-las – caso não consiga, não tem mérito: o deus julga assim... Outros nascem abençoados, e as brincadeiras, os jogos de azar com as pernas alheias, são para aqueles jogos de sorte.

Crise, que crise? É crise para os de pernas curtas... É crise para os que trabalham e vivem das migalhas que o deus solta. Não é crise para a cúpula sacerdotal, ou para aqueles dos quais a cúpula é porta-voz. Infelizmente o filho de um desses não terá o carro do ano, vai ficar andando de carro do ano passado, pelas ruas da suíça! Um absurdo! É quase como a situação de pessoas que trabalham (para sustentar aqueles), que terão que apertar um orçamento já desumano!

Se uma empresa grande fecha, quem se fode é quem move fundamentalmente a empresa: os trabalhadores. Tenhamos, nós, seres de pernas curtas, “piedade” de nós mesmos! Tenhamos amor-próprio! Não devemos esperar o juízo final, nem confiar num falso mérito de séculos. Todos os séculos nos confinaram na situação de massas de cabeças de gado nas mãos de uma entidade que alimentamos, e que, estranhamente, temos que pagar por suas crises.

Acho que alguns economistas fingem ingenuidade. Afirmam “agora estamos pagando pela euforia dos últimos 25 anos”. Isso é uma bestialidade! Seguindo a doutrina canônica, seguem a nos dizem que a benção é melhor que o prazer, que o ganho real. Nem eu nem muitos outros brasileiros são especuladores, e nem sequer sabem ou compactuam com as cabeças que se colocaram, sob a consultoria dos sacerdotes, em seu deus; é muito cara-de-pau dizer que estamos pagando penitência por uma graça que recebemos!

Nós pagamos e pagamos pelo que pagamos, é isso o que vejo, é isso o que acontece. Os benefícios que tivemos, míseros, não são mais que algo que pouco recompensa os seres que trabalham. Os sacerdotes tentam dizer que a desigualdade – entre abençoados e seres que trabalham – é um mal necessário ao crescimento... Esquecem-se de notar que a produção não precisa senão de meios e trabalho (e não de donos dos meios) para existir. Sua forma de estímulo é a necessidade humana.

A direção da produção é em muito a determinação da própria vida. É antidemocrático deixar com poucos o destino e decisão da economia mundial-nacional somente porque têm a propriedade de parte do mundo, do país. Pensando em manter as propriedades como estão, os que trabalham continuarão esperando até a morte, um prazer de seres abençoados... Talvez não haja vida além da morte. É preciso querer as coisas agora; isso não é um pecado ético, é democracia.

A direção da produção é um trabalho. A direção geral da produção é um direito dos que trabalham, e não do clero ou de seus protegidos. Acima de tudo, produção e distribuição são uma coisa só. Isso é bem claro, mas contrariado pelos reverendos... Afinal, temos que ter alguém que decida por nós, enquanto trabalhamos e somos surdos ao economicês – a liturgia é em latim. Não é que a economia seja um bicho, mas que a retórica nos faz sentir medo e culpa diante das cabeças penduradas, que são nossas!