PEQUENO ENSAIO SOBRE A VERDADE: O todo, a parte e o conhecimento.
Até onde minhas conclusões me permitem afirmar, vivemos numa mistura indistinta, interdependente e interdeterminada, de energia, espaço e tempo. Não houve uma origem, pois “origem” supõe tempo, e o tempo é um componente que, criado em algum ponto cronológico, se contradiz. Também não houve um vazio inicial, não só porque não houve início, mas por razão de o espaço também ser um elemento do todo. Quanto à energia, da qual deriva a matéria, algo me impulsiona a acreditar na hipótese de que inclusive o tempo e espaço derivam dela, embora a ciência contemporânea nada tenha descoberto a esse respeito. Posto isso, desconsideremos esta última hipótese minha, e prossigamos a entender que, em comum, espaço, tempo e energia têm o caráter de existirem fundamentalmente e necessariamente; e serem percebidos por nós. Ou seja, se algo existe de fato, existe concretamente e absolutamente, como pilares para todo o mundo ao qual podemos conhecer, inclusive nós mesmos.
Conhecemos o mundo tanto pelos sentidos imediatos como pela razão. Alguns seres vivos recebem os estímulos mundanos e se conscientizam, e só. Em outros, o mundo lhes estimula os sentidos, que percebem e processam a informação, e armazenam não só alguma coisa da informação em si (consciência), mas sua relação interna e com as demais informações. Esta última maneira é a base da razão, capacidade que melhor se desenvolve em nós. O que armazenamos na mente está sob forma de idéias, que não são entes fundamentalmente existentes, mas relações biológicas às quais o cérebro é sensível. A razão em cada ser humano, nada mais é que idéia da relação entre as idéias. Essas últimas idéias, além de extraídas das próprias idéias, são retiradas do mundo, e nessa medida a razão é uma idéia de relação geral entre as coisas do mundo. Porém isso de forma que, embora o conhecimento que forme a razão provenha em muito do mundo exterior, o intelecto, desenvolvendo sua capacidade racional – tanto internamente (idéia-idéia) quanto pela relação com o exterior (concreto-idéia) – nos permite conhecer muito mais que de forma imediata todas as coisas que se submetem às leis que regem a energia, o tempo e o espaço.
Daí, duas hipóteses. Ou nossa razão se restringe, devido à limitação de conhecer apenas as leis que regem a “tríade fundamental”, ao conhecimento do mundo que deriva dela; ou seja, o mundo que, de uma forma ou de outra, podemos perceber através dos efeitos diretos sobre nós – de tal sorte que, se existe algo fundamental além da tríade, nada podemos dizer a respeito. Ou, numa hipótese mais otimista, nossa razão, por ser construída com base em coisas que vêm de outras (a tríade) existentes absoluta e fundamentalmente, possa extrair relações aplicáveis para tudo o que tem o caráter de existência, ou seja, tudo que “existe”; donde poderíamos tirar a conclusão de que, sim, embora não percebamos, um quarto, quinto, sexto elemento, nessa proposição poderíamos no mínimo dizer se existem ou não. Todavia, se um possível quarto (ou mais) elemento nos impusesse efeitos, poderíamos buscar a causa deles (e chegar, portanto, ao elemento), assim como fazemos (racionalmente) em relação a tudo que conhecemos, quando reduzo a derivações (é dizer, arranjos) da tríade. Entretanto, se ele não nos impõem efeitos, também não há grande necessidade de conhecê-lo.
A “parte” é algo relativo apenas a quem tem capacidade de conhecer. Para determinarmos que algo faz parte disto e não daquilo, procedemos “de cima para baixo”, impondo a relação a que deve obedecer x para que pertença a y e vice-versa, de modo que x-y, para nós, passa a ser algo distinto das demais coisas. Nada existe absoluta e fundamentalmente quando falamos de parte, uma vez que o parâmetro fundamental do absoluto é algo comum ao todo: a existência. Ao afirmar que tempo, espaço e energia existem fundamentalmente, considero que cada um, em si, mantém caracteres únicos para que nossa percepção diferencie concretamente cada um deles. Enquanto que, para os entender como um todo a partir da existência, requer-se um esforço ainda maior que a redução das coisas do mundo a eles – o que, embora seja uma verdade absoluta, não é estritamente necessário para nossa análise aprofundar-se nisto; apenas devemos nos lembrar de que, mesmo a diferença entre os elementos, só os torna diferentes por consideração nossa.
Tanto é algo subentendido no ato de conhecer, quanto a parte é algo útil para se conhecer. Ora, quanto mais seccionamos o mundo e investigamos certa secção, mas ficamos “especialistas” nela. Se, a partir deste conhecimento, o relacionamos com o todo, temos um conhecimento adequado. A verdade é uma relação entre o ser conhecedor e o mundo, ou seja, a verdade existe somente entre os seres que podem conhecer – mas isso é óbvio, uma vez que, se não posso conhecer, não posso sequer me relacionar conscientemente. A verdade é fundamentalmente uma afirmação. Uma afirmação verdadeira pode ser percebida como tal quando decompomo-la toda e chegamos às suas bases. Quando essas bases estão em conformidade com o existir fundamental, esta verdade é absoluta; quando estão em conformidade com outro parâmetro qualquer, é uma verdade relativa. Quanto a este último caso, cabe ressaltar que as verdades relativas podem ser válidas sim, principalmente porque, conforme dito, conhecemos pela parte.
O referencial, a “origem cartesiana” ou o marco zero da verdade é o existir fundamental. A verdade relativa busca outro parâmetro sempre, mas nós cotidianamente trabalhamos sobretudo com verdades relativas. Não é válido dizer que as ciências naturais trabalham com a verdade absoluta sempre, haja vista a afirmação repetida sobre a existência fundamental, a recorrência constante ao existir fundamental atrasaria em séculos essas ciências, tornando-as impraticáveis. Ora, se faço afirmações sobre o átomo, – pelo que já disse a respeito da parte, o átomo não existe fundamentalmente (é um arranjo de energia, num tempo e num ponto do espaço) –, ele é uma “unidade falsa”, se tomamos a existência fundamental como parâmetro. Quanto às ciências humanas, ao seu parâmetro relativo deve estar imanente a posição do homem no mundo, o que pode ser feito atentando-se à existência fundamental (mas isso não deve ser uma recorrência constante, pelos motivos que já disse). O erro de muitos métodos é não recorrer ao ou não reconhecer o parâmetro fundamental, o que os leva a considerar o ser humano ou quaisquer outros parâmetros como fundamentais; e postularem verdades relativas como absolutas (inclusive a afirmação de que não pode haver verdade absoluta ou verdade).