A Busca incessante pelo Eu Verdadeiro!

O Existencialismo na obra de Blaise Pascal

Jean Paul Sartre disse em seu livro Entre Quatro paredes que “o inferno são os outros”. Já o filósofo Pascal afirma que “o inferno somos nós mesmos, pois jamais podemos estar quietos conosco mesmo, uma vez que o nosso ser verdadeiro traz a marca do nada, o traço do vazio”.

No século XVII o termo ennui, que pode ser traduzido em português por: aborrecimento, angústia, tédio, entre outros, tinha uma forte conotação de angústia essencial, associado à impossibilidade de sair da tal estado, como uma espécie de patologia espiritual. O termo Divertissement, por usa vez, tem um caráter militar: desviar dos inimigos, manobras estratégicas. Pode-se traduzir esse termo como: desviar-se de obstáculos indesejáveis, divertir-se, alienar-se. Assim, segundo este contexto, o divertimento é a forma privilegiada de desviar o olhar de si mesmo, pois o seu Eu verdadeiro, que traz a marca do nada, do vazio, lhe é insuportável.

Disse Pascal: “Sinto que posso não ter existido, pois o Eu consiste no meu pensamento. Portanto, Eu, que penso que penso, não teria existido se minha mãe tivesse morrido antes de eu ter sido animado: portanto, não sou um ser necessário, não sou um ser eterno, nem infinito; mas vejo bem que há na natureza um ser necessário, eterno e infinito”. Enquanto René Descartes colhe a Existência do ato de pensar, Pascal retira-a no interior do tempo que o filósofo situa a contingência humana. A consciência imediata da existência de um ser necessário, eterno e infinito não oferece, contudo, nenhum socorro na busca de conhecer a si mesmo. No fundo o que o homem busca é um ser universal capaz de satisfazer a sua capacidade infinita de amar sem, porém, ter consciência disso, pois esta busca essencial não são “as sementes da verdade” depositadas nele, mas apenas vestígios da grandeza de sua primeira natureza (Adâmica) presente em sua segunda natureza. A busca pela felicidade e pela verdade se transforma em busca incessante.

O repouso momentâneo que o homem encontra naquilo em que seu estado presente se mostra a ele como verdade e felicidade se transforma em aguilhão, porque o coloca diante de sua miséria. Pois no momento desse fruir de paz, de repouso, isto é, na volta a si mesmo, o homem depara-se consigo mesmo com o seu nada, o seu vazio. Pois é no repouso que, deparando-se com o seu nada, surge nele a angústia. Assim, aquilo que o homem julga ser a sua felicidade, transforma-se em aguilhão que o excita e o compele a se lançar para fora de si mesmo, a fim de não ver seu Eu verdadeiro. O divertimento dessa forma torna-se então necessário para um ser que carrega a marca do nada, o traço angustiante do vazio. Estar ocupado o tempo todo é o único modo que o homem encontra para não pensar em si mesmo, para livrar-se da angústia. A angústia e o desespero são evidentemente ligados, pois o sentimento do vazio que surge de seu próprio nada, ligado à sensação de solidão, a inevitabilidade da morte próxima, e a impossibilidade de lhe atribuir alguma significação, algum sentido real, faz surgir na alma humana o desespero que ninguém pode deixar de experimentar, mesmo quando a causa não lhe apareça de forma clara.

Então, fugir do espetáculo do seu nada passa a ser necessário para que o homem subtraia-se ao desespero, para evitá-lo ao máximo possível. Afirma Pascal: “Nada é tão insuportável ao homem, quando estar em pleno repouso, a sós consigo próprio, sem paixões, sem negócios, sem divertimentos, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência e seu vazio angustiante. Imediatamente sairá do fundo se sua alma o tédio, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero.” Daí resulta todo tipo de mecanismos que o homem constrói para evitar tais sensações, tais estados.

O homem ama desmedidamente a si, mas não suporta a si mesmo. Logo, é preciso criar um engodo para si mesmo. Diante do espelho de sua realidade, o homem vê suas misérias, suas imperfeições, sua banalidade, e fraquezas. É preciso logo assim preencher o vazio do eu, não somente com ocupações e divertimentos, mas também se faz necessário atrair a admiração e a estima alheia, dos outros. Mas para que o homem possa atrair a admiração e a estima alheia sobre o seu eu, ele não poderá deixar transparecer o seu eu verdadeiro, posto não ser amável, admirável. Ele então constrói um outro eu, enfeitando-o com todas as qualidades que são valorizadas pelos homens, a fim de ser aceito, louvado, admirado, respeitado.

A angústia que surge como consciência do nada que se materializa existencialmente, quando é interrompida a cadeia contínua do divertimento, leva o homem a trocar o ser pelo parecer, o Eu verdadeiro pelo Eu imaginário. Essa troca é a conseqüência da nulidade do ser do eu. É o que o filósofo Martin Heidegger poderia chamar de “viver na inautenticidade”.

Porque o seu Eu verdadeiro lhe é insuportável, o homem não consegue viver contente consigo mesmo, é então necessário viver na idéia dos outros: “o mais belo lugar do mundo.” Viver na idéia dos outros com o intuito ocultado de dominação. Schopenhauer disse que as três coisas que mais mexem cotidianamente com o ser humano são: “o que Eu sou para mim mesmo, o que Eu tenho, e o que Eu sou para os outros”, e infelizmente as duas últimas sentenças são aquelas que mais preocupam o homem.

Do mesmo modo como o eu lança-se para fora de si mesmo, buscando encontrar bens exteriores para não ver e admitir o seu vazio, também na busca de passar o vazio a Deus, ou seja, de fazer do seu Eu um Deus para si e para os outros, o Eu põe-se fora de si para não perceber e admitir suas misérias. Assim sendo, para atrair sobre si a estima e a afeição dos outros, o Eu passa a somente mostrar as qualidades que todos aprovam, pois se deixar aparecer o que é realmente, poderá suscitar nos outros a aversão e o desprezo.

Por que ele faz isso? Ora, o Eu admira a si mesmo na estima do outro, isto é, no sentimento favorável que o outro tem do Eu. É este desejo de glória que faz que todos os homens busquem ocupar “o mais belo lugar do mundo”: a alma alheia. Glória vã na verdade, pois para ocupar a idéia do outro, para atrair a estima do outro sobre o Eu, forjamos um Eu enfeitando-o com as qualidades que sabemos que serão aprovadas pelos outros, e é essa imagem de um Eu engrandecido (por uma não aceitação de si mesmo) que apresentamos a todos. O filme Clube da Luta expressa claramente essas idéias, principalmente nas frases do personagem principal o qual cria para si mesmo um outro eu, e sempre ele profere esta sentença que “somos a merda do mundo que faz tudo para chamar atenção.”

Essa outra imagem inserida no eu se apresenta com um véu que encobre e impede o Eu autêntico de ver o seu ser mais profundo. Ela impede o Eu de se amar tal como é, pois o que o Eu ama é esse outro de si, que é a imagem de si construída pelo outro, pela igreja, pela sociedade, pelo sistema, pelo Estado. A exibição constante das qualidades que tem por finalidade a aprovação dos outros leva Pascal a dor o nome de Vaidade. Vaidade porque, expondo suas qualidades aos outros, cada um procura substituir o nada do Eu pela aparência, deixando no espírito do outro uma imagem dessas qualidades. Para que a estima adquira a reputação e, com isso, o Eu atinja a satisfação nessa imagem que ele faz de si, é preciso zelar a fim de que o Eu imaginário, o Eu engrandecido não desapareça no espírito do outro, no olhar do outro. Por isso o Eu fantasia uma vida imaginária para viver não em si mesmo, mas nesse outro que é a imagem de si no outro. O Eu imaginário é fruto do próprio nada do Eu, pois é em razão da nulidade do ser do Eu que o homem troca o Eu verdadeiro (cheio de fraquezas, autocríticas e imperfeições) pelo Eu imaginário (o Eu que se torna numa espécie de Deus). Em sua análise existencialista, prossegue Pascal: “O homem não passa de disfarce, mentira e hipocrisia, tanto em face de si próprio como em relação aos outros. Não quer que lhe digam verdades e evita dizê-las aos outros; e todos esses propósitos, tão alheios à justiça e a razão, têm em seu coração raízes naturais.” Desejando ser o centro da admiração e atenção alheia, o Eu forja uma imagem de si e tenta impô-la aos outros. Esta imagem falsa o Eu a toma por realidade, e passa a acreditar nela, e a viver por ela. Como imagem é uma ilusão que, devido à credibilidade, iguala-se à realidade. Logo o Eu é enganador, torna-se num enganador compulsivo.

Forjar um ídolo para si é o único modo que o Eu encontra para aplicar o seu amor. Todavia uma vez que, para satisfazer-se nesse outro de si, essa imagem de si necessita da aprovação alheia, isso implica que o Eu tomado por Deus não basta a si mesmo. Longe então de dar todo o ser possível, o ídolo falso que o Eu forja para si e para os outros, leva-o a trabalhar incessantemente para conservá-lo na idéia dos outros. Logo o Eu torna-se escravo de sua própria imagem.

E isso irá lhe acarretar em mais angústia ao qual o Eu tenta disfarçar aos outros e a si mesmo. Quanto mais o Eu quer ser perfeito, mais imperfeito se torna.

Mas por que o Eu enganador, o Eu que se faz Deus, é injusto para si e para os outros?

Em primeiro lugar porque o sujeito do amor-próprio não ama a si mesmo. O que ele ama é uma imagem de si em relação à qual se comporta servilmente. Em segundo lugar, porque nutre uma aversão à verdade presente em seu próprio ser.

Toda tentativa humana de preencher o seu nada, o seu vazio, procurando passar desse vazio ao Deus que deseja substituir está, como podemos perceber, fadada ao fracasso. Nada poderá preencher o seu vazio. A busca de substituir na idéia do outro, no reconhecimento alheio é uma busca desesperada de conferir ser a um ser no qual a marca principal é a ausência de ser.

O que seria então o Eu verdadeiro, o Ser autêntico, o que ou quem é afinal de contas o Homem? Como diria Max Stirner: “O Ser é algo inefável”.

Nossa verdadeira e mais preciosa Pátria reside no nosso próprio Ser.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 13/03/2009
Código do texto: T1485167
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