LIVRO: FÁCIL PUBLICÁ-LO, DIFÍCIL É ESCREVÊ-LO.

          Foi-se o tempo em que escrever e publicar um livro era um desafio ao talento e às posses do autor.
          A história da literatura brasileira conta todo um lento processo de desenvolvimento das nossas letras até o século XIX, com o advento da Imprensa Nacional. Fato este coincidente com o Romantismo, estilo de época que se caracterizou pela tentativa de nacionalizar a literatura aqui produzida, trazendo a público, especialmente ao leitor comum, autores, obras e temas nacionais.
          Até então predominava a poesia. O Romantismo trouxe a prosa de ficção e com ela o romance, que, obedecendo aos anseios de aproximação da literatura com o grande público, tinha o caráter de entretenimento. Os romances eram publicados nos periódicos da época, ou folhetins, capítulo a capítulo. Era a literatura de folhetins com seus romances folhetinescos.
          Havia, portanto, dificuldades várias em torno da feitura e edição de um livro. Não por parte do autor, que era escritor de fato, tampouco por questões financeiras. O entrave era mesmo de ordem editorial. A imprensa, ainda precária, era o único e próximo meio de publicação. De outro modo, a obra ia a prelo e era editada em Portugal.
          Apesar de tudo isso, a nova semente literária plantada pelo Romantismo cresceu e deu preciosos frutos genuinamente em nosso campo. A nossa autonomia literária começou no Romantismo, consolidou-se no Realismo e adquiriu identidade própria a partir da Semana de Are Moderna em 1922. De lá para cá, todos sabemos dos avanços tecnológicos por que passou o mundo moderno até à globalização, pela qual são influenciados a literatura, o escritor e o processo de criação. 
          O avanço tecnológico sofisticou o padrão editorial. Tudo se fez novo, mais fácil de execução, mesmo implicando alto custo. Por consequência, deu-se uma inversão de qualidades: a tecnologia gráfica e editorial evolui no mesmo ritmo e proporção da queda de qualidade dos autores de livros. Se alguém tem como pagar uma tiragem na publicação de uma obra, resta-lhe apenas o suposto talento para escrevê-la. Não o tendo, não importa. Nada há neste modismo que um profissional revisor não resolva. E ao fazê-lo, torna-se de fato o escritor criador de uma obra que lhe fora ditada ou precariamente resumida pelo autor de direito.
          "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
", sabiamente poetizou Fernando Pessoa. Dele, obviamente, nasceram obra e arte, frutos da própria imaginação, talento e do querer divino. Não é fácil identificar hoje em dia o “pai da criança” que vem à luz num mundo literário tão promíscuo. O querer e o sonho vêm de um só. A gestação e criação, de outrem, em barriga de aluguel.
          Fácil é publicar, difícil é escrever. Especialmente para os que têm dom, pois estes se autocensuram e buscam superar-se a cada texto. E o escritor não é apenas o que pensa e deseja, mas, principalmente, o que é capaz de transpor da imaginação ao papel o próprio pensamento organizando idéias na elaboração de um texto, com o qual faz arte. É um inventor de mundos, ou um fiel reprodutor da realidade deles. Assim, escritor e autor se distinguem numa obra em que nem sempre ambos são a mesma pessoa. Criar uma personagem, dar-lhe vida, compor-lhe o caráter, os traços físicos e psicológicos, são méritos próprios de quem tem o domínio da língua e sabe lidar com a arte da palavra.
          O modismo nas artes chegou também à literatura. Assim como hoje em dia facilmente alguém se transforma em ator ou cantor, da mesma forma se publica um livro e se diz escritor. Não sabem estes que, escrever e publicar qualquer um pode fazê-lo. Mas ser um escritor, é uma outra história.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 13/03/2009
Reeditado em 04/07/2010
Código do texto: T1484796
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