Havia um tempo, não muito distante disso que vivemos hoje, em que o mundo era divido em três grandes fronteiras imaginárias: de um lado os Estados Unidos da América com seu capitalismo e seu crescimento a base do consumismo; do outro a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o seu bloco conservador que se baseava na união popular, coisa que jamais ocorreu de fato; numa terceira fronteira estava o resto do mundo e seus países insignificantes perante os gigantes que eram obrigados ou a ficarem calados ou a tomarem partido, e assim vivia o velho mundo do Século XX.
 
No meio de toda esta confusão uma nação vivia dividida por um muro; um muro que talvez tivesse sido mais comentado e importante do que aquele da China ou talvez ainda, se houvesse existido na época, o de Israel que separa a Palestina ou o dos EUA que divide o México; era a Alemanha do pós-guerra, que viveu décadas divididas entre a Oriental, Soviética e a Ocidental, aliada dos EUA. No meio de um povo dividido, o Muro de Berlim; um símbolo da ignorância e estupidez dos líderes soviéticos da época. Para se entrar ou sair do país, somente pelo controle rigoroso do Portão de Brandemburgo, única peça ainda de pé nos dias atuais.
 
A construção do “muro da vergonha”, como era conhecido, começou na madrugada de 13 de agosto de 1961 e dividiu por 28 anos a República Democrática Alemã (RDA) e a República Federal Alemã (RFA); da construção original foram 66,5 km de uma edificação fortificada e vigiada diuturnamente e que alimentou os sonhos e mitos de todos daquele país durante os longos anos da guerra fria; também viu nascer e morrer centenas de pessoas (80 é o número oficial) que se ousaram a transpô-lo ou derrubá-lo.
 
302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas em alta tensão, milhares de metros de arames farpados e 255 pistas de corrida a sua volta para ferozes cães de guarda praticar caçadas humanas; assim era o Muro de Berlim e estas são apenas as poucas curiosidades concretas a cerca de sua existência.
 
Os planos da construção do muro eram um segredo do governo da RDA. Poucas semanas antes da construção, Walter Ulbricht, líder da RDA na época, respondeu assim à pergunta de uma jornalista da Alemanha Ocidental:
 
“Vou interpretar a sua pergunta da maneira que na Alemanha Ocidental existem pessoas que desejam que nós mobilizemos os trabalhadores da capital da RDA para construir um muro. Eu não sei nada sobre tais planos, sei que os trabalhadores na capital estão ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades são inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro!”
 
Assim, Walter Ulbricht foi o primeiro político a referir-se a um muro, dois meses antes da sua construção.
 
Os governos ocidentais tinham recebido informações sobre planos drásticos, parcialmente por pessoas de conexão, parcialmente pelos serviços secretos. Sabia-se que Walter Ulbricht havia pedido a Nikita Khrushchov, numa conferência dos Estados do Pacto de Varsóvia, a permissão de bloquear as fronteiras a Berlim Ocidental, incluindo a interrupção de todas as linhas de transporte público.
 
Depois desta conferência, anunciou-se que os membros do Pacto de Varsóvia intentassem inibir os atos de perturbação na fronteira de Berlim Ocidental, e que propusessem programar uma guarda e controle efetivo. Dia 11 de Agosto, a Volkskammer confirmou os resultados desta conferência, autorizando o conselho dos ministros a tomar as medidas necessárias. O conselho dos ministros decidiu dia 12 de Agosto usar as forças armadas para ocupar a fronteira e instalar grades fronteiriças.
 
Na madrugada do dia 13 de Agosto de 1961, as forças armadas bloquearam as conexões de trânsito a Berlim Ocidental. Eram apoiadas por forças soviéticas, preparadas à luta, nos pontos fronteiriços para os setores ocidentais. Todas as conexões de trânsito ficaram interrompidas no processo (mas, poucos meses depois, linhas metropolitanas passavam pelos túneis orientais, mas não servindo mais as estações fantasma situadas no oriente).
 
Ainda no mesmo dia, o chanceler da Alemanha ocidental, Konrad Adenauer, dirigiu-se à população pela rádio, pedindo calma e anunciando reações ainda não definidas a serem implementadas junto com os aliados. Adenauer tinha visitado Berlim havia apenas duas semanas. O Prefeito de Berlim, Willy Brandt, protestou energicamente contra a construção do muro e a divisão da cidade, mas sem sucesso. No dia 16 de Agosto de 1961 houve uma grande manifestação com 300.000 participantes em frente do Schöneberger Rathaus, em Berlim Ocidental, para protestar contra o muro. Brandt participou nessa manifestação. Ainda em 1961, fundou-se em Salzgitter a Zentrale Erfassungsstelle der Landesjustizverwaltungen, organismo extra-governamental a fim de documentar violações dos direitos humanos no território da Alemanha Oriental.
 
As reações dos Aliados ocidentais vieram com grande demora. Vinte horas depois do começo da construção do muro apareceram as primeiras patrulhas ocidentais na fronteira. Demorou 40 horas para reservar todos os direitos em Berlim ocidental em frente do comandante soviético de Berlim Oriental. Demorou até 72 horas para o protesto ser oficial em Moscou. Por causa desses atrasos sempre circulavam rumores que a União Soviética havia declarado aos aliados ocidentais de não afetar seus direitos em Berlim ocidental. Seguindo as experiências no Bloqueio de Berlim, os Aliados sempre consideravam Berlim ocidental em perigo, e a construção do muro manifestou esta situação. Contudo, o presidente norte-americano John F. Kennedy apoiou a idéia da cidade livre de Berlim. Os Estados Unidos mandaram as forças armadas suplementares para apoiar os alemães ocidentais em caso de conflito. Dia 19 de Agosto 1961 chegaram a Berlim um General de Brigada dos EUA e o vice-presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson; ambos protestaram fortemente contra o chefe de estado da RDA, Walter Ulbricht, que havia declarado que a polícia popular e fronteiriça da RDA tivesse autoridade de controle sobre policia, seus oficiais e empregados dos aliados ocidentais. Finalmente até o comandante soviético na RDA mediou pedindo moderação do lado do governo alemão oriental.
 
Dia 27 de Outubro de 1961 houve uma confrontação perigosa entre tanques dos EUA e soviéticos ao lado do Checkpoint Charlie na RDA. Dez tanques norte americanos enfrentaram dez tanques soviéticos, mas todos se retiraram no dia seguinte. As duas forças não queriam deixar explodir a guerra fria, com o risco de uma guerra nuclear. Este foi o único incidente oficialmente declarado entre os dois lados de controle.
 
Nos 28 anos da existência do Muro morreram muitas pessoas. Não existem números exatos e há indicações muito contraditórias, porque a RDA sistematicamente impedia todas as informações sobre incidentes fronteiriços. A primeira vítima foi Günter Litfin, que foi baleado pela polícia dia 24 de Agosto de 1961 ao tentar escapar perto de uma estação de trem. No dia 17 de Agosto de 1962, Peter Fechter foi morto no chamado corredor da morte, à vista de jornalistas ocidentais. Em1966 foram mortas duas crianças de 10 e 13 anos. O último incidente fatal ocorreu no dia 8 de março de 1989, oito meses antes da queda, quando Winfried Freudenberg, de 32 anos, morreu na queda de seu balão de gás de fabricação caseira no bairro de Zehlendorf, quando tentava transpor o muro.
 
Estima-se que na RDA 75.000 pessoas foram acusadas de serem desertores da república. Desertar da república era um crime que, segundo o artigo §213 do código penal da RDA, era punido com até 2 anos de prisão. Pessoas armadas, membros das forças armadas ou pessoas que carregavam segredos nacionais eram mais severamente punidas, se considerado culpado de escape da república, por pelo menos 5 anos de prisão.
 
Também houve guardas fronteiriços que morreram por causa de incidentes violentos no muro. A vítima mais conhecida era Reinhold Huhn, que foi assassinado por um Fluchthelfer (pessoas que ajudavam cidadãos do Leste a passar a fronteira, ilegalmente). Estes tipos de incidentes eram utilizados pela RDA para a sua propaganda, e para posteriormente justificar a construção do muro de Berlim. Esta era a cara da Alemanha que eles chamavam de DEMOCRÁTICA!
 
O Muro de Berlim caiu na noite de 9 de Novembro de 1989 depois de 28 anos de existência. Antes da sua queda, houve grandes manifestações em que, entre outras coisas, se pedia a liberdade de viajar. Além disto, houve um enorme fluxo de refugiados ao Ocidente, pelas embaixadas da RFA, principalmente em Praga e Varsóvia, e pela fronteira recém-aberta entre a Hungria e a Áustria, perto do lago Neusiedler See. O impulso decisivo para a queda do muro foi um mal-entendido entre o governo da RDA. Na tarde do dia 9 de Novembro houve uma conferência de imprensa, transmitida ao vivo na televisão alemã oriental. Günter Schabowski, membro do Politburo do SED, partido temido da RDA, anunciou uma decisão do conselho dos ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições de viagens ao Oeste. Esta decisão deveria ser publicada só no dia seguinte, para anteriormente informar todas as agências governamentais.
 
Pouco depois deste anúncio houve notícias sobre a abertura do Muro na rádio e televisão ocidental. Milhares de pessoas marcharam aos postos fronteiriços e pediram a abertura da fronteira. Nesta altura, nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido instruídas. Por causa da força da multidão, e porque os guardas da fronteira não sabiam o que fazer, a fronteira abriu-se no posto de Brandemburgo, às 23 h, mais tarde em outras partes do centro de Berlim, e na fronteira ocidental. Muitas pessoas viram a abertura da fronteira na televisão e pouco depois marcharam à fronteira. Como muitas pessoas já dormiam quando a fronteira se abriu, na manhã do dia 10 de Novembro havia grandes multidões de pessoas querendo passar pela fronteira.
 
Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração nas ruas próximas, e pessoas que nunca se tinham visto antes, cumprimentavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental subiram o muro e passaram para as Portas de Brandemburgo, que até então não eram acessíveis aos ocidentais. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os deputados espontaneamente cantaram a hino nacional da Alemanha; foi uma das festas populares mais lindas da história recente do mundo; alegria maior somente após o anúncio oficial da morte de Hitler na década de 40.
 
O Muro de Berlim tanto alimentou as esperanças dos déspotas soviéticos de terem seu quinhão mais nobre europeu, quanto os políticos alemães que sempre sonharam em ver aquelas terras tão ricas e prósperas, como nos tempos da Germânia; este ano faz 20 anos desde a queda do muro e ao invés do mundo seguir aquele exemplo, ainda constroem edificações como a de Berlim para separar povos irmãos, famílias, sonhos e ideais de paz, que o diga a Coréia do Norte, China, Estados Unidos e Israel!
 
 
CARLOS HENRIQUE MASCARENHAS PIRES
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CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 13/03/2009
Reeditado em 14/03/2009
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