"Estupra, mas não mata"

“Estupra, mas não mata”

Toda a imprensa deste país vem divulgando, amplamente, nos últimos dias o caso de uma menina de 9 anos de idade que foi estuprada pelo padrasto e acabou ficando grávida de gêmeos.

O tal padrasto acabou confessando o crime e está preso numa delegacia de uma cidade do agreste de Pernambuco.

Temendo pela vida da menina de uma idade tenra (9 anos apenas), pesando somente 36 kgs., cujos órgãos ainda não estão formados, bem como, pelos fetos em si (gêmeos) que, provavelmente, também, teriam poucas chances de sobrevivência, autorizados pela mãe da menor e sustentados, ainda, por uma lei brasileira, aplicável para estes casos extremos, eis que, os médicos resolvem interromper a indesejável gravidez, de auto risco, optando pelo aborto.

Pronto, foi o bastante para que a Igreja católica se manifestasse contra e, o arcebispo de Recife e Olinda excomungasse os médicos que fizeram a intervenção.

Uma atitude lastimável, vocês não acham?

Nesse caso, inclusive, foram excomungados, também, além dos médicos, a mãe que autorizou e todas as pessoas que participaram do aborto.

Quem é excomungado fica proibido de receber os sacramentos da Igreja, como batismo, comunhão, crisma e casamento.

O tal arcebispo, baseado numa letra fria da lei do Código do Direito Canônico resolve assim excomungá-los simplesmente. Tudo isso em pleno século XXI.

A palavra “Excomunhão” remete-nos assim a uma época triste e sombria da Igreja católica ocorrida na Era Medieval.

No livro de Mario Schmidt – “Nova História Crítica – Moderna e Contemporânea” – Editora Nova Geração, selecionamos algumas mazelas cometidas pela Igreja na época da Sociedade Feudal.

Conta-nos este excelente livro que a Igreja era extremamente poderosa naquela época. A maioria das pessoas era católica fervorosa. A Igreja era rica, dona de vastos feudos.

Muitos postos eclesiásticos eram preenchidos por filhos da nobreza (Senhores Feudais). Portanto, a cúpula da Igreja e os nobres pertenciam à mesma classe dominante. Tudo que se dizia e se pensava tinha que ser autorizado por ela.

Quem contrariasse a Igreja era considerado um herege, atirado numa masmorra fria e úmida ou aquecido numa fogueira bem quentinha.

Nos sermões dos padres os camponeses ouviam algumas abobrinhas, do tipo: “É preciso se conformar com a pobreza, pois, foi Deus quem a desejou”.

A Sociedade Feudal tinha a seguinte configuração: Deus determinara que uns rezassem (a Igreja), outros combatessem e defendessem as terras (os nobres) e outros trabalhassem (os servos). Assim, os trabalhadores (o povão) estariam sempre subjugados pela cruz e pela espada.

Qualquer semelhança com o nosso mundo atual é mera coincidência....

E assim numa visão de mundo medieval criada e difundida pela Igreja caracterizava-se o teocentrismo, ou seja, que Deus estaria assim no centro de tudo. Pregava que os homens não deveriam se preocupar muito com a vida material. Por exemplo, se um servo reclamava que estava passando fome, os padres tentariam convencê-lo que ele deveria aceitar o mundo como ele era, porque essa era à vontade de Deus. O pão espiritual era mais importante que o pão material. Entretanto, os padres só ficavam zangados mesmo quando os servos esfomeados interrompiam-lhes os fartos jantares regados a vinho.

Na Reforma Protestante a corrupção corria solta no meio da Igreja católica da época.

Venda de objetos tidos como milagrosos. Vendas de indulgências que, quer dizer venda de perdão. O sujeito pagava uma nota preta para a Igreja e obtinha assim um atestado de que estava absolvido de seus pecados.

E por aí vai....

Portanto, excomungar pessoas hoje em dia parece-nos um retrocesso no tempo, onde se queimavam pessoas inocentes, consideradas como bruxas.

Mas se o negócio é excomungar, que tal excomungar os padres pedófilos que atuam, sorrateiramente, nas Igrejas desse nosso mundo afora?

E que tal excomungar a besta humana que cometeu um crime hediondo que é o estupro, contra uma criança inocente e indefesa, no caso o padrasto?

Respeitamos os preceitos religiosos das pessoas e na crença da força Divina que é Deus. Entretanto, abominamos e rejeitamos a arrogância e o autoritarismo desmedido imposto pela Igreja.

Cadê o espírito de fraternidade cristã da Igreja para estes casos extremos?

Os médicos pela sua boa fé de conduta para casos excepcionais como o desta criança não podem ser condenados. Afinal de contas à medicina praticada dentro dos princípios morais e éticos, regulamentados pelo seu Conselho de Classe, amparada pelas leis vigentes de seu país, não seria também um sacerdócio?

E finalmente, para corroborar com a nossa tese, eis que de repente, após este lastimável e triste episódio, surgiu um outro caso em Belo Horizonte, noticiado por um Jornal de grande circulação do Rio, sobre o caso de uma outra criança de 14 anos que, cansada de ser molestada sexualmente, dentro de sua casa, pelo próprio pai, resolve ir sozinha a uma delegacia denunciá-lo, ao saber que sua outra irmã de “apenas 6 anos” fora obrigada a tomar banho com o mesmo pai que, após beijá-la, obrigou-a a fazer sexo oral.

E se essas meninas engravidassem também do próprio pai, será que a Igreja continuaria condenando este tipo de aborto, excepcional, tal qual como o outro, excomungando os médicos que o efetuassem?

Quando a Igreja alega que, interromper o desenvolvimento de um feto indesejável, nas circunstâncias acima, é pior do que o ato de estuprar, estaria ela endossando a frase infeliz proferida por Paulo Maluf, um velho político conhecido da Justiça e de valores éticos duvidosos? Eis a pérola proferida pelo infeliz: “Estupra, mas não mata”