A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NOS CLÁSSICOS LITERÁRIOS: PONTO NEGATIVO OU POSITIVO A CONTRUÇÃO DE POLÍTICA EDUCACIONAL AFIRMATIVA?

Com a implantação da lei 10639/03, que obriga as escolas públicas e privadas a trabalhar a história e cultura dos povos africanos e afrodescendentes, as novas perspectivas de ensino apontam para uma necessidade de se repensar a imagem que, durante 500 anos de Brasil, foi feita do Homem negro trazido do Continente Africano, precisamente da África Preta. Graças à ideologia dominante ancorada na idéia de que o negro pertença à uma raça inferior, a escola não se deu conta disso durante todo seu tempo de existência aqui no Brasil, como conseqüência, o negro tem sido excluído, em parte, da sociedade, ocupando ou permanecendo em um "lugar menor".

A imagem que se tem desse Homem em nossos clássicos literários contribui, de certa forma, para a exclusão e o não pertencimento "à raça negra", pois boa parte da nossa literatura clássica traz o negro em posição inferior, ocupando sempre um lugar de dor, sofrimento, feiúra e submissão. Geralmente ele está na cozinha, triste ou submisso. Essas representações no texto que, segundo Bakhtin, filósofo da linguagem, são ideológicas, refletem o imaginário que se faz do negro e, os textos reproduzidos no livro didático, contribuem para uma permanência da imagem negativa desse povo. Como exemplo cito dois textos que têm forte influência na representação do negro como "coisa menor", doméstico, mutilado, não intelectualizado. São eles: "O Sítio do Pica pau Amarelo" e " A Escrava Isaura". No primeiro pensemos a tia Nastácia, uma negra medrosa, carente, sem identidade cultural de sua raiz e não intelectualizada. Nastácia se destaca no texto apenas como boa cozinheira, fraca e medrosa. a mesma não consegue enfrentar os problemas que lhe afligem sozinha, sempre dependendo de D. Benta que por sua vez é forte, intelectual e bondosa. Nastácia não sabe ler, dessa forma fica legado apenas a D. Benta a responsabilidade pela leitura dos livros que contam sempre as histórias dos clássicos gregos. Nastácia não tem história, não fala das suas raízes, da mitologia africana que explica a origem dos Orixás e sua relação com a natureza. E o Saci Pererê? outra personagem negra, mutilada e desvalorizada, que vive a fazer maldades, conhecido também como "O coisa ruim".

Quanto ao segundo texto: " A Escrava Isaura" temos uma representação da mestiçagem brasileira que desvaloriza a raça negra, é o caso da personagem principal: uma escrava branca, intelectual, boazinha, submissa que se vê irmã dos outros escravos, mas não comunga - do ponto de vista cultural - com os mesmos. Isaura não representa a mulher negra, tão pouco aceita o amor de um homem negro: o André. Isaura é a representação ideal do negro embranquecido quando se apropria da cultura do branco europeu, representada pelo crucifixo que carrega em seu pescoço. Isaura, assim como tia Nastácia, precisa de uma personagem branca para salvá-la das mãos do tirano Leôncio.

Essas representações são imagens simbólicas da superioridade de uma cultura sobre a outra, ou seja: a branca sobre a negra, e essas leituras não estão fora dos textos na escola. Desse modo questiono: Tais representações contribuem ou não para uma política educacional afirmativa? E arrisco uma resposta: Só o engajamento de todos, que fazem uma educação comprometida com o social à inclusão e reflexão da cultura e a história dos povos negros africanos e afrobrasileiros, poderá transformar ou perpetuar essas representações.

Obs. Carlos é professor da rede pública estadual de ensino de Pernambuco, ativista dos movimentos negro e LGBT - MNU e REDE AFRO LGBT

carlos tomaz
Enviado por carlos tomaz em 08/03/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1475887