ARQUITETURA É FUNÇÃO

Nada mais há do que função na arquitetura. Qualquer das afirmações de correntes teóricas nas quais se tenta encaixar, ao lado da forma, algum outro elemento para compor o conceito de arquitetura são equivocadas ou redundantes. E mais, divagar sobre isso inevitavelmente termina em outras questões, entre as quais, o destino da arquitetura, suas balizas, sua essência, sua razão.

No fazer arquitetônico, são claros seus principais elementos: arquiteto, construção e usuário. Os primeiros, não raro, confundem-se com os terceiros. Confusão que, por um modo, é a arquitetura em forma primitiva, originária, mas, de outro, algo que contradiz o fazer arquitetônico, algo nocivo. Segunda coisa a se notar, é que os profissionais são sempre seres-humanos; os usuários também, mas nem sempre diretamente. A terceira observação é que a construção é concebida pelos arquitetos para os usuários.

Para ser breve, digo que a arquitetura é adequação do espaço para o ser humano e pelo próprio. Adequar é mudar para o atendimento de alguma necessidade. Se é o homem quem adequa, tem a consciência de seu problema antes da solução. Portanto a arquitetura é sempre planejada, mesmo que o mínimo possível. Como qualquer atividade humana consciente:

“Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir uma colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade.” (MARX, Karl. O capital)

Disso: estender um pano na janela como barreira para o sol é arquitetura. Assim como construir uma oca. O que significa que a arquitetura fundamentalmente precede os e independe dos “arquitetos”. Daí, óbvio que a profissionalização da arquitetura veio depois dela própria; o mesmo com a filosofia, por exemplo.

Chama-se genericamente por “Função” o atendimento a um conjuto de necessidades. E se costuma opor à função a “Forma”.

As necessidades humanas, obviamente, vão além das suas imediatas. Exemplifico com a parte artística de uma obra arquitetônica, que atende a uma necessidade exclusivamente humana. O teto, por sua vez, atende uma necessidade imediata, animal, de abrigo. O conjunto de demandas a que se deve responder com um projeto arquitetônico chama-se programa. Posto isso, duas coisas. Na arquitetura: 1. a arte é uma variável em função da necessidade; 2. forma não está no mesmo patamar de função.

Para falar desses pontos é necessário voltar àqueles três elementos da arquitetura. Lá, falei da confusão entre usuário e profissional, e de seus dois lados.

Alguns tomam a perda da “união” que o construir do espaço veio perdendo ao longo do tempo como algo ruim ou um apontamento para o artificial. Discordo, a arquitetura como componente da construção que adequa o espaço não perde em nada para outras áreas. E mais, a subdivisão acadêmica é benéfica para o conhecimento. Como os homens, inicialmente e ainda hoje, adequavam seu espaço para si – em comunidade ou individualmente. Neste sentido, a igualação entre usuário e arquiteto, está na origem da arquitetura.

Todavia, hoje a igualação entre arquiteto e usuário descaracteriza a arquitetura. Não falo de um profissional ou homem que constrói sua própria casa, claro. Quero dizer daquele arquiteto que considera que todas as casas são suas. Aquele arquiteto que na construção visa atender às demandas de não usuários, às suas demandas e às de seu discurso acima de tudo, acima, inclusive, dos usuários. É esta corrente arquitetônica que aponta, de modo errado, a arquitetura à definição como arte, como mercadoria, como moda.

Pelo que disse, a arte na construção arquitetônica é uma reposta a uma demanda relativa a isso. Se, para os usuários, o arquiteto considera importante uma obra de arte em determinado ponto ou que toda a construção seja uma, ele deve trabalhar neste sentido. Essa necessidade pode, inclusive, ser de toda a humanidade – como, por exemplo, fazer um prédio público em que se expresse determinados valores esteticamente.

Mas, se o arquiteto profissional – que não é usuário –, usa de arte, por sua própria demanda, ignorando inclusive outras necessidades, ele é um artista plástico, e não um arquiteto. Se o arquiteto profissional se volta a cumprir um programa, não de um usuário, mas de algum intermediário (como uma empresa imobiliária), é bem possível que se preste a uma subarquitetura. Se o arquiteto profissional constrói como propaganda de si, ele faz grife, e não arquitetura.

Não há arquitetura sem forma. Forma é cor, textura, formato... Muito embora a forma receba ajuda da cultura, é algo inevitável para a prática arquitetônica. Todavia, a forma é um meio para se alcançar a resposta para uma demanda. Se uma escada tem degraus, é para que se possa subir por ela; se há um elemento artístico em forma de triângulo, é para atender à necessidade respectiva. Donde que é absurdo pôr forma e função no mesmo patamar; mais absurdo ainda é dizê-las antagônicas!

Então, dizer que arquitetura é forma e função sem perceber que são coisas de gêneros diferentes é estar equivocado; dizê-lo sabendo diferença, é ser redundante, afinal a forma está incluída na função.