A inutilidade da pena de morte (ou quando a morte é uma pena!)
A autora tenta alertar contra o perigo da pena de morte e ainda aborda sobre o significado da democracia
Foi com enorme prazer e felicidade que li um artigo do Dr. Fábio Konder Comparato onde se coloca contrário a pena de morte no Brasil. Ufa! Ainda bem que não estamos sós!
Aliás, ela só não existe oficialmente, pelos expressos ditames legais, pois é lamentável perceber que 60% da população brasileira não vivem, simplesmente vegeta bem abaixo do nível de pobreza tolerado, segundo parâmetros internacionais, aqui o homem vale realmente muito pouco.
E viver nestas condições, já não é estar sentenciado à morte?
O perfil do brasileiro naufraga e definha em envergonhosos níveis de subemprego, desemprego e, ainda, a educação e a saúde, encontram-se na mais assombrosa decadência.
E quase recentemente reeditamos a epidemia na febre amarela, da malária, ex vi o tangente surto de dengue presente em quase todas as capitais do Brasil.
Os teóricos e os adeptos da pena de morte são quase sempre os mesmos ufanistas que são também esmerados antidemocratas e, acreditam piamente que a repressão homicida vai salvar e redimir o país das ondas e tormentas da criminalidade.
O país inteiro estarrecido e não designado, acompanha solidário o horrível desfecho da tragédia que ocorreu com Tim Lopes que fora brutalmente assassinado no desempenho da sua profissão de jornalista. E, mais recentemente o cinegrafista da Band, Santiago de Andrade.
Ainda sim, crer na pena de morte é a solução para todos os males... é de uma santa ingenuidade (diria eu se fosse o Robin, o fiel companheiro do Batman) só as crianças acreditam em soluções miraculosas e em super-heróis.
É risível e vexatório acreditar que o povo através de um plebiscito votando pela pena de morte, estaria de fato exercendo a mais autêntica democracia.
É tão vulgar confundir soberania popular com democracia que se tornam indispensável à baila algumas importantes considerações acerca do tema.
A teoria da soberania popular foi elaborada por juristas medievais, partindo de algumas passagens do Digesto, onde aliás, há uma célebre afirmação: “Quod principi placuit legis habet vigoren” (O príncipe tem autoridade porque o povo lha deu).
A democracia moderna que hoje conhecemos, é cada vez mais definida como um regime policrático (sendo este diametralmente oposto ao monocrático) e, só é sustentável num Estado liberal de Direito. Ou ainda, num Estado Social de Direito.
O fanatismo que envolveu a democracia ficou bem evidente na época Saint Just e Robespierre quando citavam veementes: “A nova democracia varrerá definitivamente, o despotismo o reino do terror, será o reino da virtude”.
Recordemos que apesar disto, Robespierre inaugurou um nefando período de terror na França, nunca a guilhotina esteve por tanto tempo afiada! Aliás, somente em 1981 que a França aboliu a pena de morte (calculam-se 40 mil vítimas da guilhotina entre 1792 e 1799, e no período do Terror, entre (1793 e 1795), constataram-se 15 mil mortes na guilhotina.).
Muitos evocaram a democracia maliciosamente apenas para justificar seus métodos e poder, mas na realidade jamais foram genuínos democratas.
Rousseau grande teórico da democracia 1 moderna, em sua obra Contrato Social, vê na soberania popular a competência através da formação de uma vontade, geral e inalienável, indivisível e infalível, o poder de fazer as leis e, ainda, o ideal igualitário que acompanhou toda a história, a ideia republicana que se ergueu a desigualdade dos regimes monárquicos e despóticos.
A democracia é resolvida e definida através de muitas liberdades 2 individuais que o cidadão reivindicou e conquistou contra o Estado absoluto.
A liberdade sempre significando a atribuição de uma capacidade jurídica específica. Vige tanto a mesma liberdade quer para os direitos como também para os deveres.
A democracia seria assim um insofismável complemento do Estado liberal. Todavia, a democracia não é o regime da liberdade desenfreada, e nem dos irresponsáveis (nem significa a ditadura da maioria).
É o regime expresso pela maioria política, é governo do povo assentado dos princípios da liberdade e igualdade, e em que a representação popular das minorias também é assegurada por plena fiscalização e crítica.
Paulo Bonavides oportunamente acrescenta que o princípio democrático envolve parte do colégio eleitoral uma compreensão política mais apurada e difícil de forma-se no seio da multidão bruta e ignara. Por ser o território da controvérsia, a verdadeira acepção da democracia é sofisticada e intangível aos despreparados.
Sendo regime onde a soberania é exercida pelo povo, pertencente ao conjunto de cidadãos que exerce o sufrágio universal.
Montesquieu foi mais clean e direto ao proclamar: “Quando, na República, o povo detém o soberano do poder, temos a democracia”.
Abeberando-se em Rousseau entendemos a democracia como a união da moral e da política, é um Estado de direito que exprime a vontade geral dos cidadãos que se afirmam como legisladores e sujeitos das leis.
Geralmente as ocidentais democracias reafirmam-se por serem regimes políticos regidos pela separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, visam garantir e processar os direitos fundamentais da pessoa humana, sobretudo os que se referem a liberdade política dos cidadãos.
De qualquer modo, a democracia não se limita à expressão da soberania popular majoritário que define o sistema democrático, é curial que se tenha também a defesa dos direitos das minorias e a concepção de amparo social as classes menos favorecidas.
Atarmos o conceito de democracia a tal ótica míope seria por demais cruel e equivocado. Aliás, qualquer fanatismo é perigoso quer seja de direita ou de esquerda.
Desta forma, os princípios que basicamente organizam o processo visam proteger o próprio direito das partes enredadas que no processo cível quer no processo criminal.
Assim, os princípios do estado de inocência (art. 5º., LVII da CF/88), do contraditório(art. 5º.,LV CF/88), da verdade real, da publicidade, da oficialidade, do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal são as mais genuínas expressões de um sistema democrático.
Onde o Poder Público apesar de criar as leis e as normas também é submetido ao fiel cumprimento destas, extirpando assim qualquer privilégio ou impunidade. Não há democracia, onde vigora a impunidade.
A vontade popular é um combatente eficaz tanto no controle do poder dos governantes como um instrumento hábil e legítimo a coibir os abusos, excessos e arbitrariedades governamentais.
Mas, infelizmente, a lei da maioria pode também se tornar um feroz déspota, facilmente manejado pelas paixões e ódios momentâneos.
A maioria é popular unicamente porque é a classe mais numerosa. Um linchamento não representa o exercício da democracia. Assim como um julgamento sumário, não representa o respeito à cidadania...
A democracia, repito, não sobrevive sem o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. Não é oclocracia3, ou seja, o governo da turba, do populacho descontrolado e enfurecido.
Não representa sanha e nem catarse. A democracia traduz-se muito mais pela diversidade e convívio do que exatamente pela uniformidade e pasmaceira.
Não é à-toa que os referidos direitos humanos são também chamados de direitos fundamentais, não por serem inalteráveis e insuprimíveis por lei, e, sim porque devem ser respeitados inequivocamente, seja qual for a maioria reinante.
A pena de morte é letal pois trucida o mais fundamental dos direitos humanos 4(que é o direito à vida). Sem este, não vale a pena, defender o direito de ir e vir, a liberdade de expressão, o livre exercício das profissões, e, etc.
Não será negando este direito que tornará a vítima menos ofendida e nem ressarcida. A pena de morte não será lídima ainda que consequente de um regular julgamento do criminoso pelo eminente Poder Judiciário.
Por mais sagrados que sejam os ritos, a morte seria uma pena, tão somente uma extinção lamentável da vida.
Até mesmo no radical direito islâmico calcado nas palavras alcorânicas onde se determina que todo o condenado pelo crime de furto, tivesse a mão decepada, em assim, com o regular julgamento do condenado, isto importaria em causa suficiente para desfechar o desrespeito à integridade física do condenado.
Lembremos que a mão decepada não faria desaparecer a fome e desamparo social que provocaram o crime.
Os direitos humanos nasceram de uma exigência histórica 5 de se proteger o indivíduo contra os atos do poder Público. Assim, uma lei mesmo que fruto da soberania popular, será ilegítima se violar qualquer direito fundamental da pessoa humana.
O Direito defende o homem até mesmo contra ele próprio. Eis o porquê declaradamente impõe a total indisponibilidade de certos bens jurídicos que só na aparência pertence ao homem.
Eis aí, o porquê que mesmo havendo o consentimento do ofendido, este é impróprio para descaracterizar a conduta como crime.
Vivenciamos o triste quadro aonde a maioria das penas imputadas e executadas no sistema carcerário brasileiro por si só, já representam uma afronta aos direitos humanos. Onde a possibilidade de ressocialização e resgate do apenado, é cada vez mais remota e utópica.
O art. 60,§ 4º. IV da CF/88 é imperioso em enunciar: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda (constitucional) tendente a abolir os direitos e garantia individuais”.
Tal proibição constitucional, não se refere somente aos representantes do povo, mas sobretudo, diretamente ao povo que é a autêntica fonte de todo o Direito.
Aqueles que propugnam pela adoção da pena capital, se arriscam também a atentar e ferir outras garantias, tais como o direito de propriedade, de voto, de livre associação, de livre expressão, enfim os tão famosos direitos fundamentais.
Veríamos ruir então a democracia e se transformar na pior das autocracias ditatoriais capazes das mesmas atrocidades dos anos de chumbo.
Já são muitos os estragos contabilizados pelo populismo (e, em particular na América do Sul), também na política brasileira, e agora com esta cruel enxurrada de denúncias, grampos, dossiês que tanto desmoralizam não só aos políticos, mas principalmente abalam a fé e a esperança de milhões de brasileiros...
E a incerteza e o medo toma conta do cidadão descrente e desiludido, que se traduz na famigerada sensação do cego no cabaré...
Façamos do voto nossa arma eficiente e certeira para banir os demagogos, os sofistas e, para ainda, reafirmar que o Brasil é nosso!
Façamos nós um redescobrimento da pátria, mas não só para torcer pelo futebol do Brasil em tempos de Copa do Mundo. Ao invés de sermos a pátria de chuteiras, sejamos simplesmente a pátria da consciência e da cidadania.
Não creditemos na pena capital, a possibilidade ingênua e tola de reduzir com eficácia a criminalidade até porque tal redução não ocorreu nos países que a adotaram.
Enfim, como se diz popularmente, “ não caiam em estorinhas”, no conto do vigário e, sobretudo, não percam a fé na democracia e nem na humanidade.
Adendos
*1 É surpreendente mas nem Platão, nem Aristóteles(incluindo seu mestre em comum: Sócrates) apesar de serem os fundadores da tradição filosófica ocidental da democracia, não deixaram de denunciar o grande perigo que corre a comunidade política dotada de excesso de liberdade.
As democracias gregas estavam à milhas distantes de serem baseadas na liberdade ou de fazer desta o seu primeiro valor. A liberdade não é o único bem desejável. Apesar disto, a democracia é o único regime que tenta implantar a justiça sem sacrificar a liberdade.
Mesmo os mais ferrenhos adversários da democracia como Martim Heidegger e Michel Foucault reconhecem as qualidades da democracia, onde o primeiro engajou-se a favor do nacional-socialismo alemão. E o segundo, com uma notória simpatia pelas subcorrentes do anarquismo que no início dos ano 70, não hesitaram em compara a França com os piores regimes totalitários.
É bem visível o ódio foucaultiano pela democracia em geral, segundo ele, a democracia é um sistema fundado no respeito ao direito, ao “sistema jurídico”, logo “formal”. Sob a alegação de conceder direitos idênticos a todos, a democracia dissimula hipocritamente as diferenças, na verdade as pessoas estão longe de serem realmente livres e iguais (e nunca o serão).
*2 Para Kelsen a democracia é sobretudo um caminho: o da progressão para a liberdade.
Com sua ironia peculiar, afirmava Churchill: “a democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já se experimentaram.”.
*3 A moderna democracia ocidental, de feição tão diferente da antiga democracia, tem por bases principais a soberania popular que se traduz na volunté genérale de Rousseau.
Mas que ainda assim ressalva e resguarda o direito das minorias nacionais que porventura existirem.
*4 A coação partidária modernamente restringe a liberdade parlamentar, onde a consciência, os interesses tomam o passo às ideias, a discussão se faz substituir pela transação, a publicidade pelo silêncio, a convicção pela conveniência...
Radbruch escreveu que a luta pelo poder veio a substituir definitivamente a luta pela verdade.
*5 Nunca os direitos humanos estiveram tão em baixa como agora, ao ponto da Anistia Internacional alertar contra as práticas abusivas dos EUA principalmente após a tragédia de 11.09.2001.
Esperemos que a retirada do último pilar do World Trade Center não coincida com a retirada do último bastião da democracia no mundo contemporâneo!