Pintando o Sete e a Vida

E depois da tempestade geralmente vem... a Arte! E por quê não? Interessante isso...

Lembro-me claramente do dia em que, fazendo supermercado, joguei no carrinho um estojinho de pintura, desses escolares, simples. Continha uns poucos pincéis e uma paleta de tinta gauche. Engraçado, porque eu nem mesmo tinha o hábito de pintar... Ah! caí na velha armadilha de comprar algo desnecessário, só porque “estava super barato, uma pechincha!”... O estojo? Esse terminou engavetado, esquecido por muito tempo.

Preocupa-me muito a maneira com que nós, habitantes deste agonizante planeta, lidamos com o lixo. Todo mês, meu marido recebia umas revistas. Elas traziam na embalagem uma folha extra de papel A4, de boa qualidade, ora branca, ora amarela. Com pena de jogar as folhas no lixo - pensava na chacina das árvores – guardava-as, para um dia reaproveitar.

Dizem que, na vida, há um tempo certo para tudo. E isso tem se revelado, para mim, a coisa mais certa. Eu, que nunca tivera tempo para nada, um dia vi-me com todo o tempo do mundo... Meu corpo, depois de muito me enviar sinais, entrara em greve geral e recusava-se, terminantemente, a voltar ao trabalho. Bom, aí olhei para aquela pilha de papéis, e ela olhou pra mim... olhei, de novo, para ela... e ela, faceira, olhou... e até sorriu para mim! Como no cérebro uma coisa puxa outra, lembrei do estojinho... Assim começou minha aventura no universo da Pintura. No início, eu só queria me distrair, mas com o tempo, aquele hobby foi se tornando uma forma de expressão, auto-conhecimento e reciclagem de materiais.

Nesse meio-tempo – dizem por aí que nada é por acaso! - tomei conhecimento de casos de pessoas comuns que depois de um acidente, trauma ou distúrbio neural passaram a ter um comportamento artístico (1) (2). Um documentário na TV exibiu dois casos que me chamaram a atenção. Um homem que começou a pintar e esculpir feito louco, - à la Picasso - logo depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral. Ele dizia ter terríveis enxaquecas. O mais estranho é que, antes, jamais manifestara gosto ou inclinação para as artes. O outro caso foi o de uma neurologista americana – pena eu não ter anotado nomes, canal, nada! - que depois de sofrer uma cirurgia cerebral, passou a escrever compulsivamente, o tempo todo, até mesmo enquanto pedalava para o trabalho. Pode?!

Procurei na internet informações mais concretas sobre esses casos, mas como na ocasião não tinha a menor intenção de usar tais informações, para o que quer que fosse, nem me passou pela cabeça a sombra de querer anotar qualquer coisa. Se você gosta de checar referências, desculpe-me dessa vez. Se um dia topar com uma reprise desse documentário, serei mais cuidadosa.

Sim, mas voltemos à pintura do sete. Um dia, uma amiga comentou que adorara o impressionismo em minhas telas. Tenho uma vaga idéia do que seja isso, uma tentativa de pintar a luz e seus efeitos, se bem entendi. Gosto muito de Claude Monet, mas daí a supor que eu tenha usado tal técnica, conscientemente, em algum de meus quadros, foi uma surpresa até para mim. Daí comecei a tentar ver minhas telas sob um ponto de vista, digamos, técnico.

O que eu sabia sobre Pintura, afinal? O que eu sabia sobre luz, sombra, perspectiva e tantas outras coisas? Impressionismo, Surrealismo, Cubismo etc.? Combinações de cores? Para mim, não mais do que uma brincadeira..."Essa aqui dá com aquela lá, que dá com aquela outra" e por aí vai. Aprecio Renoir, Van Gogh, Michelangelo, amo Frida Kahlo! Não é que eu seja uma total ignorante em artes, mas a verdade é que estou a quilômetros distante de ser uma entendida. Lido com Arte de forma totalmente intuitiva. Se uma pintura ou escultura me diz algo, gosto, e pronto! Não fico tentando entender... e muito menos explicar!

Penso que Arte é toda forma de expressão capaz de mexer, de alguma forma, com as emoções das pessoas. Como bem colocou o colega Cleber B (3), no texto 'Je Suis L’art': "Eu sou a arte. Nós somos arte", por que cargas d’água, então, deveria eu considerar aquelas imagens, que tão naturalmente brotaram das pontas de meus pincéis, das misturas de cores e sentimentos aleatórios, como não sendo uma manifestação artística autêntica? Como reagir a quadros lindos, pintados por crianças, seres relativamente livres de uma visão artística refinada?

No meu entender, produção artística verdadeira, incluindo Literatura, pouco tem a ver com domínio puro de técnicas. Atenção, não estou dizendo que técnicas não são importantes! Não estou aqui me referindo a tipos de "arte" para consumo. Digo que, num primeiro momento, quem deve falar sempre mais alto é o coração – ou a criatividade, como queiram - e não só as técnicas que, para mim, são simplesmente ferramentas.

Por esse motivo, em primeira instância, se tiver vontade de fazer algo, vá lá e faça! Se quiser pintar, pinte; Se quiser escrever, simplesmente escreva; Se quiser cantar, solte a voz! Expresse-se de alguma forma, se é disso o que necessita! Não se preocupe com regras, formas, padrões ou estruturas. Faça Arte - a Sua Arte! Pinte o Sete! Pinte a Vida! Num primeiro momento, cale o seu crítico interior ( e não dê tanta trela assim para os exteriores). Preocupe-se, em primeiro lugar, em ouvir seu coração e registrar fielmente o que ele lhe diz. Depois, bem depois, aí sim, use técnicas para refinar o que viu, ouviu, sentiu; para frisar o que deseja, mesmo, transmitir; considere críticas.

Penso que artistas são assim designados, justamente, por serem capazes de produzir coisas diferentes, únicas, por terem a capacidade de inovar. Veja só: na época de Michelangelo, muitas técnicas artísticas já eram conhecidas e divulgadas por especialistas. Porém, sendo ele pobre, não pôde freqüentar uma faculdade e ser apresentado ao estado da arte de seu tempo. Começou, então, como aprendiz em oficinas de renomados artesãos. Quem sabe, ele não teve medo de inovar justamente por não ter sido, "corretamente", iniciado no conhecimento dominante da época? Para construir suas obras primas, por conta própria, estudou anatomia humana, inventou engenhocas e ferramentas. Ele inovou em Pintura, Escultura e Arquitetura. O reconhecimento não veio assim, da noite para o dia, e ele jamais deixou de trabalhar, produzindo até bem pouco tempo antes de sua morte.

Certa vez, perguntei a meu esposo, também leigo, o que ele achava dos meus quadros. Ele me respondeu: "O que quer que eu te diga será simplesmente a minha opinião, que retrata a minha forma de ver o mundo. Eu não vejo tuas telas da mesma forma que tu. A partir do momento que incorporares minha opinião em teu trabalho ele deixará de ser puro, não será mais, simplesmente, a tua visão de mundo, pois estará contaminada pela minha. Não expliques teus quadros, pinta-os simplesmente. Não cries expectativas." Sábio conselho.

Para terminar esta reflexão, gostaria de citar relatos de alguns alunos da pintora mexicana Frida Kahlo (4), a respeito de seus métodos de ensino pouco ortodoxos: "Logo no inicio, ela (Kahlo) tratou de promover um clima de camaradagem na sala de aula. Ela jamais desestimulou qualquer de nós. Por outro lado, promovia nosso desenvolvimento e o exercício da auto-crítica. Ela tentou nos ensinar as técnicas básicas, chamando a atenção para a necessidade da auto-disciplina. Ela comentava os trabalhos, mas não interferia diretamente no processo de criação. Ao contrario do que faziam outros professores, ela jamais nos disse algo sobre como deveríamos pintar, ou qualquer coisa sobre estilo, como fazia o mestre Diego (Rivera). O que ela, certamente, mais nos ensinou foi buscar o amor ao que é humano, aos povos e suas culturas. 'Muchachos' - dizia ela – 'ficando aqui dentro desta sala é que não podemos fazer nada. Vamos para a rua. Vamos ver a vida nas ruas e pintá-la.' "

Para saber mais:

(1) Pollak, T.A. and Mulvenna, C.M. and Lythgoe, M.F. (2007) De novo artistic behaviour following brain injury. In: Bogousslavsky, J. and Hennerici, M.G., (eds.) Neurological Disorders in Famous Artists – Part 2. Frontiers of Neurology and Neuroscience (Volume 22). S. Karger AG, Basel, Switzerland, pp. 75-88. ISBN 9783805582650

http://eprints.ucl.ac.uk/3465/

(2) BBC News; Migraine theory on Picasso paintings - Matéria antiga, mas que não deixa, por isso, de trazer informações interessantes.

http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/909914.stm

(3) Cleber B; Je Suis L'art.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1091339

(4) Andrea Kettenmann; Frida Kahlo 1907 – 1954 Leid und Leidenschaft. Taschen Verlag. Página 67.

Trecho aqui citado traduzido livremente, do Alemão, pela autora.