O julgamento tem todos os requisitos para se tornar histórico; de um lado, na acusação, uma águia; de outro lado, da defesa, um falcão astuto; no centro das atenções e réu, um coronel nordestino que despertou a ira de outro coronelíssimo; a casa de combate, uma pouco conhecida, mas tão importante quanto às cortes superiores mais versadas. Francisco Rezek, Sepúlveda Pertence, Jackson Lago, José Sarney e o Tribunal Superior Eleitoral são os personagens principais desta “guerra de Titãs” que poucas e raras vezes foram vistas e com certeza, custará décadas para voltar a ocorrer. Ainda se observa vários personagens coadjuvantes, como o Ministro Eros Grau, Luis Carlos Porto e a Senadora Roseana Sarney.
 
A história toda começa a com a disputa entre Jackson Lago e Roseana Sarney pelo comando do Estado onde nasceram Alcione, Aluísio Azevedo, Gonçalves Dias, Ferreira Gullar, José Sarney e o cantor Zeca Baleiro. A briga nas urnas pelo Palácio dos Leões foi dura, apertada e mobilizou todo o efetivo de cabos eleitorais maranhenses; brigas, trocas de farpas, acusações e muita pancadaria até a decisão popular que sacramentou o mandato de quatro anos para Jackson Lago, mas a oposição não se contentou com a derrota e antes mesmo da posse oficial já estava ingressando com uma ação de improbidade onde pedia a cassação do mandato de Lago.
 
Entre idas, vindas, vais e vens, sobes, desces e vira à direita, o caso passou do TER para o TSE; foi como se os juízes de lá dissessem: - Tomem lá que este abacaxi é grande demais para nós descascarmos! E lá foi o TSE assumir o caso, com a promessa de levá-lo até a decisão final; sim, porque em caso de apelação para o Supremo, dificilmente isso ocorrerá devido aos vários entendimentos antecipados de seus ministros. Dois anos e quatro meses depois de protocolada a primeira inicial do caso, hoje, 4 de março de 2009, eis que o episódio finalmente chega ao fim, mas o detalhe mais impressionante e brilhante, no ponto de vista do apólogo jurídico, foi ver dois excepcionais juristas modernos, duas mentes afortunadas sustentando teses em lados opostos; dois advogados que valem quanto pesam se revezaram em sentidos antagônicos para defenderem suas dissertações; Sepúlveda Pertence e Francisco Rezek travou uma batalha linda de se ver, uma aula que raros juristas terão oportunidade de presenciar e somente um deles teve seus discursos e escritos acolhidos.
 
Na acusação, representando a oposição a Lago, o advogado e professor de direito, mineiro de Sabará, José Paulo Sepúlveda Pertence, que dentre tantos cargos e títulos, ocupou nada menos que a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Falar do currículo e vida de Pertence é como falar um pouco da própria história do Brasil recente; falar de seu conhecimento jurídico é como rever os atos e reversos do próprio Rui Barbosa.
 
Pode parecer exagero, mas não é; Sepúlveda Pertence possui um currículo longo e experiente, deste a Medalha Rio Branco que recebeu por seu o melhor aluno de Direito da UFMG em 1960. Esta lenda urbana foi Juiz Federal, Procurador Geral da República e em maio de 1989, foi nomeado Ministro do Supremo pelo então Presidente do Brasil, JOSÉ SARNEY; Roseana e seus asseclas não poderiam ter melhor advogado. Pertence também foi procurador-geral ELEITORAL e conhece como ninguém a legislação eleitoral do Brasil.
 
Do outro lado, defendendo Jackson Lago, FRANCISCO REZEK, também mineiro de Cristina, também ex-aluno da UFMG, Doutor pela Universidade de Paris em Direito Público, e membro de destaque de Oxford nas cadeiras das Ciências Jurídicas, sempre com ênfase em Direito Público. Foi subprocurador Geral da República, professor da UFMG, UNB e Instituto Rio Branco. Aos 39 anos foi indicado ao cargo de Ministro do STF e por dois anos FOI PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Aposentou-se em 1997, quando passou a Presidir o TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA DAS NAÇÕES UNIDAS em Haia na Holanda; Rezek ainda precisa de alguma outra referência?
 
Para quem está de fora do direito, da justiça ou simplesmente acompanha os noticiários, um encontro destas duas referências do direito moderno pode parecer comum, simples e natural; para quem opera no direito ou milita na justiça, estuda ou mantêm-se entusiasta, o encontro de Sepúlveda Pertence e Francisco Rezek num plenário é como um eclipse total do sol; só observamos isso de tempos em tempos e o resultado pode gerar vários livros, inúmeras discussões e vastos entendimentos acerca do tema altercado.
 
Eu imagino a expectativa das partes, autora e ré neste caso; no direito público, sobretudo o eleitoral, não há espaço para acordos; não é como na política do Brasil, onde sempre todas as partes saem felizes e esquecem os rancores de outrora; na legislação eleitoral, quando ocorre uma acusação como a em questão, somente uma parte sai vencedora, somente uma parte consegue estampar um sorriso na cara, e neste caso, quem perdeu primeiro, sorriu por último.
 
Roseana Sarney e seus aliados, derrotados nas urnas, acusaram formalmente o vencedor Jackson Lago de ABUSO DO PODER ECONÔMICO e COMPRA DE VOTOS; pode parecer ínfimo e cotidiano, mas eles, todos, levaram este caso até as últimas conseqüências e as últimas conseqüências foram além do encontro notável de bons e caros juristas, além da aula manifesta de direito público, uma reunião de ministros do Judiciário que decidiram com quem ficará a administração de um Estado pelos próximos 1 ano e 7 meses; pode parecer pequeno e insignificante, mas não é; não é todo dia, aliás, toda década que isso ocorre no Brasil.
 
Para defender Jackson lago de todas as acusações e mantê-lo no Poder do Palácio dos Leões, Rezek teve que argüir, falar alto, explanar e escrever muito; reuniu provas, apresentou testemunhas, como em qualquer outra ação do judiciário; a defesa precisava não só livrar seu cliente da vergonha e da desonra, mas manter afastada qualquer possibilidade de sua oponente, Roseana Sarney, assumir seu posto; precisava convencer os ministros do TSE de que Lago não havia abusado do cargo e não havia trocado migalhas por votos. Parecia impossível, a imprensa inteira publicou a derrota e de fato foi o que ocorreu.
 
Por 5 votos a 2, em sua maioria, o TSE decidiu que as provas e os argumentos apresentados pelo advogado Sepúlveda Pertence foram mais fortes e inequívocos do que o de seu oponente; Rezek também perdeu pela segunda vez na noite, o TSE também decidiu que Roseana Sarney, segunda colocada no pleito, e seu vice, João Alberto, assumirão o comando do Palácio dos Leões e se tornarão Governadora e Vice conseqüentemente.
 
Segundo o rito processual, cabe recurso na própria Corte; ainda pelo rito, o STF terá a decisão final sobre o caso, mas só para encerrar a questão, dos cinco ministros que votaram contra Jackson Lago, 3 são Ministros do STF e os 2 que votaram a favor não fazem parte da composição daquela Corte. Difícil para Lago!
 
O Presidente do TSE, Ministro Carlos Ayres Brito, afirma que o final do caso será em muito breve e se confirmadas às previsões legais, Roseana Sarney assumirá o cargo de Governadora, reiterando o feudo familiar; confirmado o resultado, resta a Jackson Lago retirar-se pelas portas dos fundos da sede do governo, ele e toda sua equipe.
 
No final da batalha jurídica envolvendo os ases da atual advocacia, sagra-se vencedor nas peças jurídicas aquele que reuniu mais condições, mais experiência e mais provas, mas o vencedor maior foi à democracia do Brasil que viu agora, como em raríssimas vezes, um cargo tão alto sendo posto em vacância pelo mesmo motivo que elege prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores e até presidentes.
 
Nesta guerrinha de madames orgulhosas, feridas por não permanecerem ou perderem um cargo bacana, como o de Governador, eu não vejo nenhuma santa ou beata; se Lago comprou votos eu não faço a menor idéia, mas os “Sarneys” não são flores de se cheiras, todo mundo sabe disso, mas ninguém fala ou escreve; posso adiantar que defesa e acusação gastaram uma fortuna por seus patronos ilustres e isso caiu como regozijo para a platéia atenta que permaneceu até as duas da madrugada para verem o desfecho final.
 
O recurso virá com certeza, até mesmo porque isso é o salvo conduto de Jackson Lago e com certeza veremos ainda o ato derradeiro deste prélio; algo incomum, mas que motivará novos operadores a investir na modalidade do direito eleitoral, que dantes, estava restrito a um nicho seleto, invisível e intocável de juristas preclaros.
 
Eu só quero ver se isso acabará numa pizzaria ou num manicômio!
 
 
CARLOS HENRIQUE MASCARENHAS PIRES
www.irregular.com.br
 

CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 04/03/2009
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