CRITÉRIO DE FALSEABILIDADE APLICADO À RELIGIÃO

"O último deus desaparecerá com o último dos homens"

(Michel Onfray)

A ciência (nem tanto os cientistas) está sempre disposta a revogar suas teorias em favor de alguma outra que melhor descreva a realidade, os fenômenos observados, que tenha um maior poder de previsão dos acontecimentos futuros e seja mais sólida. Isso é efeito da plena consciência de que não se pode conhecer, descrever e explicar algum fenômeno com certeza absoluta e plenamente. Só é possível fazê-lo parcialmente e admitindo ser possível o erro. Quando um cientista formula uma teoria para descrever ou explicar um fenômeno, nela já está inserido o meio de torná-la inválida. Isso por conta da impossibilidade de verificar todos os casos. Assim, se eu disse que todos os corvos são pretos, não importa quantos corvos eu veja desta cor, nunca estará provada minha afirmação, mas ela estará resistindo. No entanto, a observação de um único corvo seria capaz de falsear minha afirmação.

O mesmo não ocorre com a religião. Por mais que os crentes não queiram admitir, ela se sustenta apenas através de uma fé cega. Ela sobrevive mesmo após séculos de descobertas científicas que são capazes de falsear a hipótese de um Deus pessoal semelhante ao narrado na Bíblia. Os religiosos, que muitas vezes acham estar caminhando ao lado da razão, não apresentam fatos capazes de falsear sua fé. Esta parece inabalável e qualquer coisa que a contradiga deve ser falsa mesmo que todas as evidências gritem ao seu favor. Em vez de admiti-lo, os religiosos sempre usam subterfúgios e estratagemas inventados “ad hoc” e improvisados das maneiras mais disparatadas a fim de defender as fábulas da Bíblia e a existência do Deus judaico-cristão. Quando não, preocupam-se cuidadosamente em enfiar a entidade mágica criada por eles nas lacunas de algumas teorias científicas. A religião não admite que ela possa estar errada. Pensar nisso pode ser até um crime contra Deus e um pecado. Mas se não é admitida a possibilidade do erro, não teria sentido tantas pesquisas feitas por tantos religiosos a fim de fortalecer sua fé. Se querem mesmo fazer uso da razão, que o façam de modo apropriado, não apenas buscando confirmar uma hipótese, mas também admitindo que esta hipótese pode estar errada. Sendo assim, que fatos empiricamente observáveis fariam você abandonar sua fé? Aparente nada seria capaz de tal feito para um crente. Se admitirem isso estarão admitindo que sua fé não passa de uma confiança cega em algo que não se pode provar e não se pode refutar. Assim, Deus seria um carrasco tirano que exige que acreditemos nele sem que pra isso nos dê os motivos reais para tal. Ele nos deu a razão para distinguirmos o bom do ruim, o certo do errado, o verdadeiro do falso, no entanto nos pede para que a abandonemos quando se trata dele. Além do mais, creio que ninguém admitiria estar se baseando em uma crença cega, tamanho absurdo que isso seria. Uma crença assim não teria nenhum critério de escolha, seria como tirar na sorte o deus que se vai acreditar e defender até a morte. Assim, ao escolher a religião cristã, alguém usa a razão, mesmo que a limitando bastante e apenas fazendo a escolha dos seus pais ou da sua cultura.

Por muito tempo a Bíblia foi tida como relato objetivamente inquestionável de Deus. Tudo nela era tido como literalmente verdadeiro. No entanto, por séculos a ciência vem demonstrando que o mundo e os fatos não são como diz a Bíblia. O Sol não se move, como no livro de Josué, a Terra não é plana como no livro de Isaías (está escrito que ela é circular, mas não esférica), o mundo não existe há apenas alguns milhares de anos, Deus não criou o homem do barro e todas as outras espécies instantaneamente como no livro de Gênesis. O universo surgiu há aproximadamente 15 bilhões de anos, não em seis dias, sem nenhuma intervenção divina aparente, mas como fruto de meros processos mecânicos, como prevê a física. As espécies evoluíram, não foram criadas por Deus para o bel-prazer do homem. Inúmeras descobertas arqueológicas desmentem os fatos narrados na Bíblia. Não houve um Moisés, o Pentateuco foi escrito no reinado de Josias, séculos depois do suposto Moisés, não houve fuga do Egito, não houve dilúvio global, não houve Abraão nem Noé, Davi e Salomão eram pobres coitados longe de ser os apoteóticos personagens pintados pela Bíblia e talvez o próprio Jesus jamais tenha existido. Inúmeros fatos e teorias desmentem os relatos bíblicos e mesmo assim muitos que os conhecem permanecem fiéis a este livro fabuloso. Diante de tais contradições, alguns crentes mais esclarecidos (mas não o bastante) alegam que a Bíblia não deve ser lida ao pé da letra, afirmando ser ela um conjunto de metáforas, alegorias, com função mais didática que explicativa. Mas não penso que metáforas seja a forma mais inteligente e justo de se comunicar algo tão importante do qual depende a salvação de toda a humanidade. Se assim fosse, cada um seria o próprio exegeta dos textos bíblicos, não sendo, pois, de ninguém a interpretação correta. Tentam se esquivar também conciliando algumas teorias com os relatos bíblicos a fim de mascarar as contradições e ignoram intencionalmente aquelas onde é impossível essa manipulação. Não obstante, muitos reconhecem que há de fato erros gravíssimos nas “sagradas” Escrituras. Mas estes se contentam com o lado, digamos, espiritual que elas tratam. Também está mais que provado que não é preciso ter religião alguma para levar uma vida ética e justa. Ao contrário, onde a religião é mais forte ocorrem mais crimes, guerras, conflitos, etc.

Minha pergunta é: o que faria você deixar de acreditar em Deus? Deve haver alguma coisa que, observada, o convença de que não há nenhum Deus em parte alguma do cosmo. Não adianta dizer que somente se alguém provar que Deus não existe você se convenceria. Somente os leigos sabem que não evidencia uma negativa universal. Se a Bíblia estivesse errada, você deixaria de acreditar em Deus? A ciência contém um sem-número de evidências de que a Bíblia não é um livro mais divino que “O Pequeno Príncipe”. Existem nela inúmeros erros, mas apenas um provaria que ela não é divina, como no exemplo do corvo. Também não precisamos da fé em um ser superior para termos um comportamento ético e justo, não somos maus por natureza. Comportamento altruísta já foi observado entre chimpanzés e eles não sabem nem ler. A ciência não tem explicação para tudo, mas pelo menos Deus nunca foi explicação científica para coisa alguma. Você não encontrará nenhuma prova da existência de Deus em toda literatura científica e filosófica que não tenha sido devidamente refutada. Então, o que faria você negar a existência de Deus? Isso não é uma introdução ao ateísmo, é somente uma questão de reflexão. Você deve admitir que existe algo capaz de fazer com que você abandone sua fé. Se não existe, então sua fé é cega e irracional e nem você ou Deus teria o direito de fazer com que acreditemos cegamente em alguma coisa.

P.s: Por conta de inúmeros mal entendidos, acho necessário postar esta observação. O intuito deste artigo não é aplicar métodos científicos à religião (isso seria absurdo), mas mostrar a diferença entre o pensamento religioso e o ateu, que considero mais honesto, e que é bem parecido com o dos cientistas.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 03/03/2009
Reeditado em 11/03/2010
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