O artigo do José Cláudio,  EUTANÁSIA (Recanto das Letras), põe questões muito pertinentes. São questões que terão de ser encaradas, pelos legisladores, pela classe médica, pelas pessoas em geral, religiosas ou não. E são questões medonhas, questões que metem medo a todos porque são questões de vida e morte.  

O Cláudio José propôs-se evitar o aspecto religioso, o mais controverso, de toda a questão, mas, claro, não conseguiu. E não conseguiu, porque é impossível pôr a questão sem se ouvir o alarido religioso  que se levanta à volta da eutanásia.

Eu acho que o melhor é levar o diálogo também ao mundo religioso, é tentar compreender honestamente, abertamente, as apreensões, as preocupações religiosas das pessoas que sentem medo à ideia da eutanásia.

No seu conteúdo ontológico (ou religioso se preferirem), a eutanásia mete medo às pessoas, exactamente porque se situa no limiar do divino, no momento possivelmente mais transcendente da vida humana. E, porque nós não nos sentimos equipados para lidar com questões que se põe a esse nível, recorremos à norma religiosa, à revelação divina, ao dogma.

O dogma neste caso é duma simplicidade brutal: NÃO MATARÁS. As pessoas referem-se-lhe de várias maneiras: a vida humana é sagrada, é Deus que a dá, só Deus a pode tirar... etc. Mas como pano de fundo, como norma fundamental está sempre o 5.º mandamento da Lei de Deus: NÃO MATARÁS. Aceitemos, em benefício de um diálogo aberto e honesto, que esta norma é a própria palavra de Deus, que foi o próprio Deus que a escreveu na pedra do Decálogo e que, portanto, é absolutamente sagrada.

Mas aceitar a origem divina da norma, reconhecer a sua essência sacrossanta, não nos exime da responsabilidade de ter de a aplicar aos casos concretos da vida. Deus legislou, mas não regulamentou. É como se ele nos tivesse dado a Lei e se tivesse afastado definitivamente.

O diálogo sobre a eutanásia representa, no momento presente, o esforço humano (e a angústia) para aplicar a norma divina à vida humana, real, concreta, em que vivemos agora e aqui.
Como nos aparece no Decálogo e como nos é transmitida pela(s) doutrina(s) religiosas a norma não tem, em muitos casos aplicação clara, unívoca. Mata-se. Mata-se para viver, para comer, em defesa própria e em defesa da sociedade, mata-se porque se mata, mata-se por negligência... Mata-se na guerra, mata-se na cadeira eléctrica, na forca...

Há casos mesmo muito complicados. O José Cláudio refere situações criadas pela tecnologia médica moderna (pessoas que ficam ligadas à máquina num estado vegetativo), que investem o 5.º mandamento duma ambiguidade angustiante.

Por mais que nos repugne regulamentar a Lei de Deus, regulamentar é preciso.