Carnaval: a alegoria de um povo
Margareth Menezes em seu Os Mascarados disse que aquele bloco era a alegoria do carnaval de Salvador. Provavelmente ela estava se referindo à diversidade, alegria, cores etc. Contudo, tendo em vista que a corda do bloco era duas vezes menor do que a quantidade de foliões, que alguém só não foi pisoteado por obra divina, que o número de foliões era simetricamente proporcional a de ladrão, para mim ela quis dizer que aquele bloco representava o verdadeiro carnaval de salvador em seu caos, assaltos e violência.
Eu não sei se estou ficando velha, careta ou consciente, mas há muito tempo o carnaval de participação popular e alegria acabou. Todo esse marketing de maior festa popular do planeta só tem a única e exclusiva razão dos blocos e camarotes adquirir patrocínios milionários para agradar os esperados 650 mil turistas. E ainda há quem caia na velha história de que o dinheiro gasto por esse povo dinamiza a economia, cria novos empregos e blá, blá, blá. Os “empregos” criados para a população baiana são de catadores de latinha ou cordeiro, pois os novos postos de trabalhos em hotéis, camarotes e restaurantes são exercidos por profissionais de fora, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo (alguma novidade?). O Governo do Estado da Bahia cedeu 45 milhões para a festa, só que boa parte do lucro desse investimento vai para empresas como Skol, Petrobrás, Itaú, Nova Schin e Nextel (principais patrocinadores) que disponibilizaram juntas apenas 10,79 milhões.
Porém, nada irrita mais do que a hipocrisia dos artistas locais (vide Ivete Sangalo, Bel Marques, Cláudia Leitte, Durval Lelis e Cia). Como baianos cientes da verdadeira condição econômica que vive a população, o melhor recado que eles conseguem mandar é “um abraço para essa rapaziada esperta” e coisas bregas do tipo. Nem foram capazes de dizer uma palavra sequer acerca da campanha realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador contra o trabalho infantil no carnaval. A campanha pretende combater principalmente a exploração sexual infantil, porém é perceptível a quantidade de crianças e adolescente catando latas ou trabalhando em barracas para ajudar seus pais. É visível a deficiência educacional na cidade que contribui para a estagnação e, conseqüentemente, exposição das crianças em tais situações. Em 2006 quando Carlinhos Brown chamou publicamente a atenção do ministro da cultura, Gilberto Gil, pelo descaso com a educação na Bahia recebeu críticas ferrenhas e no ano seguinte declarou que “o carnaval se vende por pouco”.
Me parece que talvez o maior investidor do carnaval dessa cidade seja a ignorância e a miséria. Provavelmente se o povo tivesse um pouco mais de educação e acesso à cultura (ensaio do Psirico não é cultura, diga-se de passagem) não gastaria seus míseros 415,00 reais na manutenção de um acervo musical que vai de “perereca pra frente” a “rala a chana no asfalto”.