Artigos - Teia Literária 2
Lobo Antunes, um auto-falante emitindo sons
enigmáticos: Artigo em dois atos
Adriano Pereira Bastos
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Um artista está sempre sozinho – se é artista. Não, o que o artista precisa é de solidão.
Henry Miller
1 ° Ato: O som da solidão
Embora velha conhecida, a solidão é um fenômeno crescente nesses tempos modernos em que vivemos. Tempos que, após a fantástica análise crítica realizada no filme que recebeu o mesmo título, merecem a alcunha de chaplinianos. A solidão como sintoma pode ser vista, cada vez mais, como aquilo que os sistemas reguladores da pós-modernidade causam no Homo sapiens sapiens; o frágil homem que cruza as cidades de ponta a ponta em sua correria cotidiana. O homem que é engolido pelas engrenagens do trabalho, o indivíduo que desaparece, sendo tragado por algo gigantesco e bem mais forte do que supõe seu vão ego, e que sai, após passar por um túnel escuro, do outro lado da esteira, como algo novo, como outra coisa, com marcas outras que não as de nascença. [...]
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São os nômades do pensamento, os homens perigosos e assustadores que subvertem
a ordem das coisas, fazendo emergir o fundo e fazendo emergir do fundo as singula-
Lobo Antunes, um auto-falante emitindo sons
enigmáticos: Artigo em dois atos
Adriano Pereira Bastos
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Um artista está sempre sozinho – se é artista. Não, o que o artista precisa é de solidão.
Henry Miller
1 ° Ato: O som da solidão
Embora velha conhecida, a solidão é um fenômeno crescente nesses tempos modernos em que vivemos. Tempos que, após a fantástica análise crítica realizada no filme que recebeu o mesmo título, merecem a alcunha de chaplinianos. A solidão como sintoma pode ser vista, cada vez mais, como aquilo que os sistemas reguladores da pós-modernidade causam no Homo sapiens sapiens; o frágil homem que cruza as cidades de ponta a ponta em sua correria cotidiana. O homem que é engolido pelas engrenagens do trabalho, o indivíduo que desaparece, sendo tragado por algo gigantesco e bem mais forte do que supõe seu vão ego, e que sai, após passar por um túnel escuro, do outro lado da esteira, como algo novo, como outra coisa, com marcas outras que não as de nascença. [...]
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ANA PAULA TAVARES E JORGE MARMELO:
uma poética a quatro mãos
uma poética a quatro mãos
Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco
Universidade Federal do Rio de Janeiro
São os nômades do pensamento, os homens perigosos e assustadores que subvertem
a ordem das coisas, fazendo emergir o fundo e fazendo emergir do fundo as singula-
dades impessoais que destronam a antiga crença dos sujeitos a priori.
Regina Schöpke
Para Deleuze, a escrita é transgressão quando ultrapassa os limites sedentários da linguagem, quando opta pelos caminhos nômades do discurso que procura, a todo instante, brincar com as palavras, descobrindo sentidos novos para estas.
Não só a escrita, mas também a leitura pode assumir um viés transgressor, fazendo emergir interpretações múltiplas e mutantes. É com esse olhar nômade que buscamos ler o livro Os olhos do homem que chorava no rio (2005), texto prosapoético de Manuel Jorge Marmelo e Paula Tavares, cujo fluir acompanha a opacidade de metáforas porosas que, em profusão, rumorejam, trazendo à tona, com Barthes, “o prazer da língua fora do poder”. [...]
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Quando uma ilha tem consciência de si própria:
auto-imaginação em A Ilha Décima de Maria
Luísa Soares
Carmen Ramos Villar
University of Sheffield
A consciência de ser ilhéu e de estar numa ilha manifesta-se de várias formas. Nos Açores, um arquipélago de nove ilhas a meio caminho entre Europa e América, a manifestação mais famosa desta auto-consciência chama-se “Açorianidade”. Esse foi o termo que Vitorino Nemésio criou, e que tem sido utilizado de forma similar à “Cabovernianidade” em Cabo Verde, ou à “Hispanidad”, o termo homólogo no mundo espanhol. “Açorianidade” foi o termo usado por Nemésio dos anos 30 para adiante, descrevendo uma diferença cultural açoriana perante o resto de Portugal, explicada como fruto de condições históricas específicas que tiveram a ver com a forma como as ilhas se povoaram e também com a sua posição geopolítica para com Portugal e o mundo. [...]
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MIA COUTO, POETA DE RAIZ DE ORVALHO:
CONFIGURAÇÕES POÉTICAS E LUGARES PÓS-COLONIAIS
Elena Brugioni
Universidade do Minho
CEHUM – Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho
[…] le dinamiche della scrittura e della testualità ci impongono di ripensare le logiche
della causalità che determinano il modo in cui riconosciamo il “politico” come forma
di calcolo e azione strategica che interviene specificatamente nella trasformazione
sociale. […] La testualità non è un’espressione ideologica di secondaria importanza
o un sintomo verbale di un soggetto politico “già dato”: anzi il soggetto politico – inteso
come soggetto della politica – é un chiaro evento discorsivo.
Homi Bhabha
1. Raiz de Orvalho, uma obra esquecida
Em termos de géneros literários, falar de Mia Couto significa estabelecer uma correspondência, quase obrigatória, com designações específicas tais como conto, estóriaouromance, deixando, deste modo, esquecida, ou melhor, marginalizada, a obra de poesia que constitui o incipit literário desse autor. Refiro-me a Raiz de Orvalho,[1] uma colectânea de poemas editada em Maputo, em 1983, que viria a ser publicada em Portugal apenas em 1999, após a indiscutível afirmação do autor no panorama literário europeu, antes com a recolha de contos Vozes Anoitecidas (COUTO, 1987) e, logo, com o primeiro romance, Terra Sonâmbula (COUTO, 1992).[2] [...]
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Literatura Angolana:
Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Jofre Rocha e
Boaventura Cardoso – quatro ficcionistas
de língua literária em português angolanizado
Jorge Macedo
Angola
1. Introdução
Contrariamente ao que era lógico deduzir, as autoridades portuguesas desembarcadas na Bahia de Luanda no século XVI em diante não obrigaram a generalidade dos colonizados angolanos a falarem a sua língua neo- latina, nem por decreto, nem por processos pedagógicos generalizados, directos confessados. Senhores d`Aquém e Além Mar, Diogo Cão e seus sucessores procuraram primeiro foi ensinar o seu idioma luso a meia dúzia de congueses que lhes servissem de intérpretes nos contactos com o Ntótila, soberano do território político do Kongo, cuja extensão abrangia os actuais Congos Brazzaville e Congo Democrático com sede em Kinshasa, incluindo o Gabão. Os missionários desembarcados na capital africana desse território Mbanza Congo, fundaram escolas, onde ensinaram Latim, Retórica, certamente a Língua portuguesa e as Escrituras aos naturais, visando formá – los para a dilatação da fé. [...]
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De Predadores e de presas: representações
das metamorfoses políticas e culturais
angolanas na ficção de Pepetela
Jorge Valentim
Universidade Federal de São Carlos
Os escritores dispõem de um recurso maravilhoso, o imaginário, que lhes permite
fingir. Atribuem a personagens fictícios o que eles próprios sentem e pensam.
Albert Memmi.
Para um leitor menos avisado, o romance Predadores (2005), de Pepetela, pode dar uma impressão bem diferente daquela esperada por um título tão chamativo. Numa era de aldeias globalizadas e expectativas globalizantes, com universos midiáticos, informações instantâneas e de fácil acesso, com meios de comunicação embebidos numa massificação cinematográfica (e, por que não dizer, muitas vezes, de pendor hollywoodiano), com sagas fantasiosas, apelando muito mais para o consumo rápido do expectador, do que propriamente para a sua capacidade de reflexão contínua, um romance com uma porta de entrada deste porte, como é o caso da expressão Predadores, pode gerar uma certa linha de leitura que reiteraria a simpatia e a acomodação do seu autor com o cenário da chamada “pós-modernidade”. [...]
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O prenúncio do projeto literário
de João Antônio, em Malagueta,
Perus e Bacanaço
Luciana Cristina Corrêa
Universidade Federal de Minas Gerais
Correm aqui os que vivem da mesa, os vadios que dormem nos bancos dos salões
e curtem fome quietamente, os que jogam mas têm lá uma profissão.Correm aqui com
os olhos lá no fundo das caras. Aqui vão os meninos, coitadinhos. Vão os velhos e os
mocinhos. Enfim, desgraçadamente correm os homens atrás das bolas, que correm
atrás das caçapas. E a cada uma das pequenas coisas que compõem a vida, maldade,
poesia e paixão do joguinho, eu dedico uma história.
João Antônio
Diante da tentativa de investigação acerca do projeto literário do escritor João Antônio, devemos mencionar que, já nos idos de 60, a sinuca mereceria destaque em seus escritos, sobretudo, como temática que elevaria o seu nome como um autor que, ao se debruçar sobre as precariedades e lacunas sociais brasileiras, retira delas a beleza e a grandiosidade merecidas.
Aparece, ou melhor, reaparece na produção de João Antônio o que Lígia Chiappini classifica como “a exposição irreverente e crítica, sem disfarces, das mazelas nacionais”, mas salvam-se nela, “a beleza no mundo da feiúra e a memória no processo de ‘desmanche’ [...] que as elites deslancham desde sempre” (CHIAPPINI, 2000, p.17). [...]
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Resituando as margens e o centro: uma leitura
de Mornas Eram as Noites, de Dina Salústio
Maria Tavares
University of Manchester
A obra literária Mornas Eram as Noites (SALÚSTIO, 1994) é uma colectânea de trinta e cinco contos que constitui uma representação caleidoscópica da vivência cabo-verdiana. Há, efectivamente, uma variedade de temas que são explorados ao longo das histórias. Uma breve meditação relativamente ao título da obra conduz-nos à recuperação de uma das referências mais marcantes da cultura do arquipélago: as mornas. Partindo do ensaio de Simone Caputo Gomes (GOMES, 2003, p.265-285), compreendemos de que modo esta referência distinta invoca toda uma identidade, ou nas palavras de Manuel Ferreira “the collective nature of the musical dimension” (apud GOMES, 2003, p.272), que, no texto, chega até nós na forma de uma selecção de temas que evocam o simbolismo do país, isto é, um conjunto de imagens que fala ao colectivo, implicando uma identificação quase imediata da parte daqueles que se reconhecem nestas pequenas fotos da nação cultural cabo-verdiana. [...]
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Por uma arte social em Portugal: Geração de 70,
Neo-Realismo e ‘Novo Realismo’
Michelle Sales
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
A poesia está na luta dos homens está nos olhos abertos para amanhã.
Mário Dionísio
O século XIX foi um século puramente ótico. As inovações tecnológicas ligadas à experiência do olhar, como a fotografia, o cinema e, por outro lado, a experiência da multidão e da metrópole são a condição da modernidade, condição esta da qual a visualidade é um pressuposto intrínseco.
A modernidade, entre as inúmeras transformações que simboliza, engendrou o cotidiano como prática e, além disto, transformou-o em objeto de análise científica. Entretanto, para além de um interesse científico, as práticas do cotidiano se tornam os também objetos de representação cultural; e a Literatura, como a pintura, logo se preocuparam em narrar os acontecimentos rotineiros do dia-a-dia da cidade. [...]
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Patrícia Chiganer Lilenbaum
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
“Pós-modernismo” é, certamente, uma das expressões mais polêmicas que o século XX produziu. A dificuldade em defini-lo advém das múltiplas metamorfoses que ele nomeia: política, econômica, social e cultural. Iniciar um artigo sobre pós-modernismo é pisar em terreno movediço; o terreno fica ainda mais instável se o que pretendemos é enfocar um possível diálogo entre essa força cultural problematizadora e problemática e certos aspectos presentes na obra de autores brasileiros. O pós-modernismo é extremamente plural, e há sempre o risco de reduzi-lo ao aspecto favorável a nossa linha de pensamento. Se a isso se une a tentativa de relacioná-lo à literatura brasileira, especificamente a autores como Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, o caráter complicador aumenta, pois o contexto originário do conceito – a sociedade pós-industrial – é diverso do contexto brasileiro, que se caracteriza pela desigualdade sócio-econômica e pela convivência de diversas etapas da evolução tecnológica. [...]
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O DISCURSO ÉTICO-POLÍTICO NA POESIA DE
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Raquel Cristina dos Santos Pereira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[...] a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas,
a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e com as imagens. Por isso
o poema fala não de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta [...]
Sophia de Mello Breyner Andresen
A dimensão ética em Sophia, não constitui apenas um aspecto da sua modulação lírica,
antes enforma globalmente uma expressão literária que se quer ligada à vastidão das
coisas e do mundo.
Maria Alzira Seixo
Dar a ver a realidade é, para Sophia de Mello Breyner Andresen, uma obrigação do poeta. A escritora vê na expressão poética o espaço para interagir com o mundo, o caminho para compartilhar os desdobramentos de uma vida concreta. O lirismo poético de Sophia ao descrever o cotidiano não deixa passar despercebido seu posicionamento ideológico em relação à realidade portuguesa que vivenciava, pois, de acordo com a autora: “O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim.” (ANDRESEN, 2004, p.156). [...]
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O angustiado homem do ressentimento
em Graciliano Ramos
Proponho, ao longo deste artigo, a realização de uma exposição literária acerca do problema do ressentimento na vida humana, tomando como foco o personagem Luís da Silva, protagonista do romance Angústia (1936), de Graciliano Ramos, utilizando como base teórica a filosofia de Nietzsche.
No caso do protagonista citado, percebemos a apresentação, ao longo da obra de Graciliano Ramos, de uma diversidade de sintomas psíquicos que demonstram nitidamente a presença desse transtorno psicológico na sua estrutura afetiva. Os sintomas mais nítidos de seu ressentimento se manifestam na sua incapacidade de esquecer os contratempos cotidianos e o seu desejo irrefreável de se vingar daquele que considera como o responsável por seu nefasto mal-estar moral: Julião Tavares. [...]
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CONHECIMENTO DO INFERNO:
“A DESESPERANTE TAREFA DE DURAR”
Roberto Nunes Bittencourt
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Penso num dos mitos mais antigos da cultura ocidental e que Homero nos fixou. A viagem.
Ele não é naturalmente só nosso. Mas foi sobretudo em nós que ele respondeu ao que lhe
é substancial, ou seja, à inquietação. E uma inquietação que não se sabe verdadeiramente
que existe senão depois de se ter cumprido no impossível repouso da chegada.
Vergílio Ferreira
Respeitado e cultuado pela crítica, António Lobo Antunes tem sido tema de Colóquios, Dissertações e Teses acadêmicas. Realizou-se na cidade de Évora, Portugal, de 14 a 16 de novembro de 2002, o Colóquio Internacional António Lobo Antunes, contando com a presença de grandes nomes da crítica literária e cultural, de Portugal e do estrangeiro, como Eduardo Lourenço, Nuno Júdice, Maria Alzira Seixo, Eunice Cabral, Carlos J. F. Jorge e Christine Zurbach. Os três últimos foram os responsáveis pela reunião dos textos em Atas para o Colóquio, originando o volume A Escrita e o Mundo em António Lobo Antunes(2002). [1] [...]
A produção de Ruy Duarte de Carvalho:
gêneros literários em conversão e derivação
Simone Caputo Gomes
Universidade de São Paulo
Um homem que alterou conjugações de estrelas, é
uma noção de espaço conquistado e em espaço
se transmuda renovado.
Ruy Duarte de Carvalho
Ruy Duarte de Carvalho (Santarém,1941), poeta, ficcionista, realizador de cinema e televisão, antropólogo, artista plástico, desenhista, fotógrafo é um cidadão angolano que, de modo gradual e com incorporação da experiência vivida, vem construindo uma obra ímpar, pela originalidade, diversidade temática e formal, pelo convívio entre as experimentações mais ousadas da literatura contemporânea e o resgate do mundo rural tradicional, especialmente o do Sul de Angola, com a sua pluralidade cultural e riqueza oral. A sua maneira de construir a nação e a identidade angolanas no discurso literário consiste em dar corpo e voz às culturas das comunidades rurais do deserto do Namibe - a sua matriz: “Sou mensageiro das identidades/de que se forja a fala do silêncio.” (1976, p. 62). [...]
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Os artigos na íntegra encontram-se na seção e-books, revista Teia Literária 2.
Regina Schöpke
Para Deleuze, a escrita é transgressão quando ultrapassa os limites sedentários da linguagem, quando opta pelos caminhos nômades do discurso que procura, a todo instante, brincar com as palavras, descobrindo sentidos novos para estas.
Não só a escrita, mas também a leitura pode assumir um viés transgressor, fazendo emergir interpretações múltiplas e mutantes. É com esse olhar nômade que buscamos ler o livro Os olhos do homem que chorava no rio (2005), texto prosapoético de Manuel Jorge Marmelo e Paula Tavares, cujo fluir acompanha a opacidade de metáforas porosas que, em profusão, rumorejam, trazendo à tona, com Barthes, “o prazer da língua fora do poder”. [...]
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Quando uma ilha tem consciência de si própria:
auto-imaginação em A Ilha Décima de Maria
Luísa Soares
Carmen Ramos Villar
University of Sheffield
A consciência de ser ilhéu e de estar numa ilha manifesta-se de várias formas. Nos Açores, um arquipélago de nove ilhas a meio caminho entre Europa e América, a manifestação mais famosa desta auto-consciência chama-se “Açorianidade”. Esse foi o termo que Vitorino Nemésio criou, e que tem sido utilizado de forma similar à “Cabovernianidade” em Cabo Verde, ou à “Hispanidad”, o termo homólogo no mundo espanhol. “Açorianidade” foi o termo usado por Nemésio dos anos 30 para adiante, descrevendo uma diferença cultural açoriana perante o resto de Portugal, explicada como fruto de condições históricas específicas que tiveram a ver com a forma como as ilhas se povoaram e também com a sua posição geopolítica para com Portugal e o mundo. [...]
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MIA COUTO, POETA DE RAIZ DE ORVALHO:
CONFIGURAÇÕES POÉTICAS E LUGARES PÓS-COLONIAIS
Elena Brugioni
Universidade do Minho
CEHUM – Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho
[…] le dinamiche della scrittura e della testualità ci impongono di ripensare le logiche
della causalità che determinano il modo in cui riconosciamo il “politico” come forma
di calcolo e azione strategica che interviene specificatamente nella trasformazione
sociale. […] La testualità non è un’espressione ideologica di secondaria importanza
o un sintomo verbale di un soggetto politico “già dato”: anzi il soggetto politico – inteso
come soggetto della politica – é un chiaro evento discorsivo.
Homi Bhabha
1. Raiz de Orvalho, uma obra esquecida
Em termos de géneros literários, falar de Mia Couto significa estabelecer uma correspondência, quase obrigatória, com designações específicas tais como conto, estóriaouromance, deixando, deste modo, esquecida, ou melhor, marginalizada, a obra de poesia que constitui o incipit literário desse autor. Refiro-me a Raiz de Orvalho,[1] uma colectânea de poemas editada em Maputo, em 1983, que viria a ser publicada em Portugal apenas em 1999, após a indiscutível afirmação do autor no panorama literário europeu, antes com a recolha de contos Vozes Anoitecidas (COUTO, 1987) e, logo, com o primeiro romance, Terra Sonâmbula (COUTO, 1992).[2] [...]
[2]A consideração desses aspectos não é apenas de ordem cronológica; ter em conta, também, essas informações poderá facultar a observação de algumas dinâmicas interessantes que dizem respeito aos que se poderiam definir como processos de emergência das literaturas africanas de língua portuguesa no contexto europeu os quais passam também por políticas específicas e estratégias editoriais.
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Literatura Angolana:
Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Jofre Rocha e
Boaventura Cardoso – quatro ficcionistas
de língua literária em português angolanizado
Jorge Macedo
Angola
1. Introdução
Contrariamente ao que era lógico deduzir, as autoridades portuguesas desembarcadas na Bahia de Luanda no século XVI em diante não obrigaram a generalidade dos colonizados angolanos a falarem a sua língua neo- latina, nem por decreto, nem por processos pedagógicos generalizados, directos confessados. Senhores d`Aquém e Além Mar, Diogo Cão e seus sucessores procuraram primeiro foi ensinar o seu idioma luso a meia dúzia de congueses que lhes servissem de intérpretes nos contactos com o Ntótila, soberano do território político do Kongo, cuja extensão abrangia os actuais Congos Brazzaville e Congo Democrático com sede em Kinshasa, incluindo o Gabão. Os missionários desembarcados na capital africana desse território Mbanza Congo, fundaram escolas, onde ensinaram Latim, Retórica, certamente a Língua portuguesa e as Escrituras aos naturais, visando formá – los para a dilatação da fé. [...]
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De Predadores e de presas: representações
das metamorfoses políticas e culturais
angolanas na ficção de Pepetela
Jorge Valentim
Universidade Federal de São Carlos
Os escritores dispõem de um recurso maravilhoso, o imaginário, que lhes permite
fingir. Atribuem a personagens fictícios o que eles próprios sentem e pensam.
Albert Memmi.
Para um leitor menos avisado, o romance Predadores (2005), de Pepetela, pode dar uma impressão bem diferente daquela esperada por um título tão chamativo. Numa era de aldeias globalizadas e expectativas globalizantes, com universos midiáticos, informações instantâneas e de fácil acesso, com meios de comunicação embebidos numa massificação cinematográfica (e, por que não dizer, muitas vezes, de pendor hollywoodiano), com sagas fantasiosas, apelando muito mais para o consumo rápido do expectador, do que propriamente para a sua capacidade de reflexão contínua, um romance com uma porta de entrada deste porte, como é o caso da expressão Predadores, pode gerar uma certa linha de leitura que reiteraria a simpatia e a acomodação do seu autor com o cenário da chamada “pós-modernidade”. [...]
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O prenúncio do projeto literário
de João Antônio, em Malagueta,
Perus e Bacanaço
Luciana Cristina Corrêa
Universidade Federal de Minas Gerais
Correm aqui os que vivem da mesa, os vadios que dormem nos bancos dos salões
e curtem fome quietamente, os que jogam mas têm lá uma profissão.Correm aqui com
os olhos lá no fundo das caras. Aqui vão os meninos, coitadinhos. Vão os velhos e os
mocinhos. Enfim, desgraçadamente correm os homens atrás das bolas, que correm
atrás das caçapas. E a cada uma das pequenas coisas que compõem a vida, maldade,
poesia e paixão do joguinho, eu dedico uma história.
João Antônio
Diante da tentativa de investigação acerca do projeto literário do escritor João Antônio, devemos mencionar que, já nos idos de 60, a sinuca mereceria destaque em seus escritos, sobretudo, como temática que elevaria o seu nome como um autor que, ao se debruçar sobre as precariedades e lacunas sociais brasileiras, retira delas a beleza e a grandiosidade merecidas.
Aparece, ou melhor, reaparece na produção de João Antônio o que Lígia Chiappini classifica como “a exposição irreverente e crítica, sem disfarces, das mazelas nacionais”, mas salvam-se nela, “a beleza no mundo da feiúra e a memória no processo de ‘desmanche’ [...] que as elites deslancham desde sempre” (CHIAPPINI, 2000, p.17). [...]
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Resituando as margens e o centro: uma leitura
de Mornas Eram as Noites, de Dina Salústio
Maria Tavares
University of Manchester
A obra literária Mornas Eram as Noites (SALÚSTIO, 1994) é uma colectânea de trinta e cinco contos que constitui uma representação caleidoscópica da vivência cabo-verdiana. Há, efectivamente, uma variedade de temas que são explorados ao longo das histórias. Uma breve meditação relativamente ao título da obra conduz-nos à recuperação de uma das referências mais marcantes da cultura do arquipélago: as mornas. Partindo do ensaio de Simone Caputo Gomes (GOMES, 2003, p.265-285), compreendemos de que modo esta referência distinta invoca toda uma identidade, ou nas palavras de Manuel Ferreira “the collective nature of the musical dimension” (apud GOMES, 2003, p.272), que, no texto, chega até nós na forma de uma selecção de temas que evocam o simbolismo do país, isto é, um conjunto de imagens que fala ao colectivo, implicando uma identificação quase imediata da parte daqueles que se reconhecem nestas pequenas fotos da nação cultural cabo-verdiana. [...]
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Por uma arte social em Portugal: Geração de 70,
Neo-Realismo e ‘Novo Realismo’
Michelle Sales
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
A poesia está na luta dos homens está nos olhos abertos para amanhã.
Mário Dionísio
O século XIX foi um século puramente ótico. As inovações tecnológicas ligadas à experiência do olhar, como a fotografia, o cinema e, por outro lado, a experiência da multidão e da metrópole são a condição da modernidade, condição esta da qual a visualidade é um pressuposto intrínseco.
A modernidade, entre as inúmeras transformações que simboliza, engendrou o cotidiano como prática e, além disto, transformou-o em objeto de análise científica. Entretanto, para além de um interesse científico, as práticas do cotidiano se tornam os também objetos de representação cultural; e a Literatura, como a pintura, logo se preocuparam em narrar os acontecimentos rotineiros do dia-a-dia da cidade. [...]
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AS LETRAS BRASILEIRAS E O ESPÍRITO PÓS-MODERNISTA
Patrícia Chiganer Lilenbaum
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
“Pós-modernismo” é, certamente, uma das expressões mais polêmicas que o século XX produziu. A dificuldade em defini-lo advém das múltiplas metamorfoses que ele nomeia: política, econômica, social e cultural. Iniciar um artigo sobre pós-modernismo é pisar em terreno movediço; o terreno fica ainda mais instável se o que pretendemos é enfocar um possível diálogo entre essa força cultural problematizadora e problemática e certos aspectos presentes na obra de autores brasileiros. O pós-modernismo é extremamente plural, e há sempre o risco de reduzi-lo ao aspecto favorável a nossa linha de pensamento. Se a isso se une a tentativa de relacioná-lo à literatura brasileira, especificamente a autores como Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, o caráter complicador aumenta, pois o contexto originário do conceito – a sociedade pós-industrial – é diverso do contexto brasileiro, que se caracteriza pela desigualdade sócio-econômica e pela convivência de diversas etapas da evolução tecnológica. [...]
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O DISCURSO ÉTICO-POLÍTICO NA POESIA DE
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Raquel Cristina dos Santos Pereira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[...] a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas,
a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e com as imagens. Por isso
o poema fala não de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta [...]
Sophia de Mello Breyner Andresen
A dimensão ética em Sophia, não constitui apenas um aspecto da sua modulação lírica,
antes enforma globalmente uma expressão literária que se quer ligada à vastidão das
coisas e do mundo.
Maria Alzira Seixo
Dar a ver a realidade é, para Sophia de Mello Breyner Andresen, uma obrigação do poeta. A escritora vê na expressão poética o espaço para interagir com o mundo, o caminho para compartilhar os desdobramentos de uma vida concreta. O lirismo poético de Sophia ao descrever o cotidiano não deixa passar despercebido seu posicionamento ideológico em relação à realidade portuguesa que vivenciava, pois, de acordo com a autora: “O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim.” (ANDRESEN, 2004, p.156). [...]
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O angustiado homem do ressentimento
em Graciliano Ramos
Renato Nunes Bittencourt
Universidade Federal do Rio de Janeiro Introdução
Proponho, ao longo deste artigo, a realização de uma exposição literária acerca do problema do ressentimento na vida humana, tomando como foco o personagem Luís da Silva, protagonista do romance Angústia (1936), de Graciliano Ramos, utilizando como base teórica a filosofia de Nietzsche.
No caso do protagonista citado, percebemos a apresentação, ao longo da obra de Graciliano Ramos, de uma diversidade de sintomas psíquicos que demonstram nitidamente a presença desse transtorno psicológico na sua estrutura afetiva. Os sintomas mais nítidos de seu ressentimento se manifestam na sua incapacidade de esquecer os contratempos cotidianos e o seu desejo irrefreável de se vingar daquele que considera como o responsável por seu nefasto mal-estar moral: Julião Tavares. [...]
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CONHECIMENTO DO INFERNO:
“A DESESPERANTE TAREFA DE DURAR”
Roberto Nunes Bittencourt
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Penso num dos mitos mais antigos da cultura ocidental e que Homero nos fixou. A viagem.
Ele não é naturalmente só nosso. Mas foi sobretudo em nós que ele respondeu ao que lhe
é substancial, ou seja, à inquietação. E uma inquietação que não se sabe verdadeiramente
que existe senão depois de se ter cumprido no impossível repouso da chegada.
Vergílio Ferreira
Respeitado e cultuado pela crítica, António Lobo Antunes tem sido tema de Colóquios, Dissertações e Teses acadêmicas. Realizou-se na cidade de Évora, Portugal, de 14 a 16 de novembro de 2002, o Colóquio Internacional António Lobo Antunes, contando com a presença de grandes nomes da crítica literária e cultural, de Portugal e do estrangeiro, como Eduardo Lourenço, Nuno Júdice, Maria Alzira Seixo, Eunice Cabral, Carlos J. F. Jorge e Christine Zurbach. Os três últimos foram os responsáveis pela reunião dos textos em Atas para o Colóquio, originando o volume A Escrita e o Mundo em António Lobo Antunes(2002). [1] [...]
[1] CABRAL, Eunice; JORGE, Carlos J. F.; ZURBACH, Christine (eds.). A Escrita e o Mundo em António Lobo Antunes. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
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gêneros literários em conversão e derivação
Simone Caputo Gomes
Universidade de São Paulo
Um homem que alterou conjugações de estrelas, é
uma noção de espaço conquistado e em espaço
se transmuda renovado.
Ruy Duarte de Carvalho
Ruy Duarte de Carvalho (Santarém,1941), poeta, ficcionista, realizador de cinema e televisão, antropólogo, artista plástico, desenhista, fotógrafo é um cidadão angolano que, de modo gradual e com incorporação da experiência vivida, vem construindo uma obra ímpar, pela originalidade, diversidade temática e formal, pelo convívio entre as experimentações mais ousadas da literatura contemporânea e o resgate do mundo rural tradicional, especialmente o do Sul de Angola, com a sua pluralidade cultural e riqueza oral. A sua maneira de construir a nação e a identidade angolanas no discurso literário consiste em dar corpo e voz às culturas das comunidades rurais do deserto do Namibe - a sua matriz: “Sou mensageiro das identidades/de que se forja a fala do silêncio.” (1976, p. 62). [...]
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Os artigos na íntegra encontram-se na seção e-books, revista Teia Literária 2.