DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO...

O papel da Universidade, seja ela progressista ou conservadora, é ensinar, é formar, é pesquisar. O que distingue uma Universidade conservadora de outra, progressista, jamais pode ser o fato de que uma ensina e pesquisa e a outra nada faz.

Paulo Freire

Um professor universitário, além de incansável estudioso, precisa ser dotado de perspicácia crítica e de acuidade analítica. À luz da realidade brasileira, lamentamos, é algo cada vez mais raro. A tirada irônica de Diógenes e sua lanterna vale aqui também.

Quantos, em nome de intuições rebanhescas, em nome de princípios democratiqueiros, em nome de pesquisas mal conduzidas, em nome de leituras assistemáticas, em nome de experiências rasteiras, em nome de titulações ocas, em nome de produções acadêmico-científicas medíocres, em nome de carguinhos de ocasião, não estão por aí rotando e vomitando tolices? Quantos não conhecemos que se acham “phdeuses”, a quintessência do conhecimento, da sabedoria, da verdade, da ciência? Quantos?

Por onde andam os professores, de fato, estudiosos? Refiro-me àqueles capazes de se dedicarem, a fundo, em exercícios de combates textuais, sem preocupações espaço-temporais. Penso naqueles que investem na formação intelectual (não formal) incluindo, sobretudo, suas bibliotecas particulares. Estudar é um “imperativo categórico” que se impõe à vida de modo geral, imaginemos a nós, professores. Infelizmente, basta sondarmos o que anda sendo lecionado e pesquisado nas Universidades para se constatar um descalabro. Blablablás ideológicos, conceituais e científicos marcam, cinicamente, certos discursos forjando leituras vazias, revelando, claro, a ignorância funcional de alguns.

A perspicácia crítica decorre do grau de estudos que desenvolvemos. Sem esta atividade, nosso trabalho se esteriliza e nos enredamos na acomodação geradora de falta de imaginação. Na Universidade, nenhuma forma de silêncio pode ser tolerada. Ora, nas dissecações dos silêncios, derrubamos as hegemonias, os fetiches, as ideologias, os encapotamentos. Neles (silêncios), sem dúvida, encalacram-se sentidos que, muitas vezes, são os oxigênios de dada estrutura, de certa linguagem. Destarte, professor consciente sabe que os fenômenos são produzidos, construídos e que tudo se manifesta carregado de silêncios.

O terceiro elemento – acuidade analítica – se refere à ousadia nas problemáticas, procurando, sim, atingir maior amplidão perceptiva. Diante de evidências, diante de fatos, diante de valores, diante de conceitos, existem pistas que nos auxiliam no encontro com as verdades? Só a análise percuciente, desapaixonada, tendo por alicerce a lógica, a razão, será capaz de tal intento. Analista digno deste nome é um formulador de questões à procura de substantividade das coisas. Sabe do perigo das “falácias”, bem como reconhece que argumentar nada tem a ver com disputar. Naquele, temos diálogos racionais e neste, apenas jogos capciosos visando ferir pessoas. David W. Carraher nos aponta as seguintes perguntas para empreendermos nossa análise crítica: o que está sendo afirmado? Há idéias implícitas no pensamento? O que é usado para apoiar as idéias? As evidências (se houver) apóiam as idéias? Há facetas do problema abordado que não foram consideradas? O que outras perspectivas sugerem? Caracteriza-se bem o problema abordado? Ou a caracterização distorce o problema? Quais as questões principais envolvidas? Reconhece-se a centralidade de tais questões? Essas questões são de fato, de valor ou conceituais? Que informações poderiam ajudar a esclarecer as questões principais? Que idéias ou conceitos precisam ser explorados para esclarecer as questões principais?

Sendo, portanto, a Universidade um lugar de debates, os professores não podemos estagnar em nenhuma dimensão. Transformá-la em “escolão’ no qual se repassem meras produções dos variados campos é crime ignominioso, é desencadear um processo “educadeiro” que imbeciliza gerações inteiras. Razão, enfim, porque os professores destas instituições precisam manter o senso crítico cada vez mais atuante, combatendo qualquer tipo de gerenciamento do pensamento, sendo exemplos tanto como estudiosos, como na perspicácia crítica, como na acuidade analítica.