Manoel de Barros, poeta que brinca com palavras
Terezinha Pereira
Manoel de Barros, poeta pantaneiro, que gosta de brincar com as palavras, alcança seus 90 anos no próximo dezembro. Diz pensar ainda como menino, mesmo que o corpo não lhe seja tão leve como o de um menino. Para o corpo, queria ele poder amarrar o tempo no poste.
Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá em 1916. Viveu em Corumbá, Rio de Janeiro, Nova York. Hoje mora em Campo Grande. É advogado, fazendeiro e poeta. Aos 19 anos escreveu seu primeiro poema, porém, desde os 13, no colégio onde estudava no Rio de Janeiro mostrou queda para a literatura. Seu primeiro livro foi publicado em 1937 – “Poemas concebidos sem pecado” e o segundo, em 1942 – “Face Imóvel”. Daí, passou um longo tempo sem fazer versos. Quis cuidar de chão e bichos da fazenda. Diz que, da natureza das terras, é que extrai tanto o alimento para sustentar a si e a família como os elementos de sua escrita. É das terras que lhe brotou o amor pelas coisas sem importância. Dessas coisas que outros poetas não se ocupam em sua poesia como: formigas, lesmas, lacraias, lagartos, rãs, sapos, caracóis, jacarés e as pedrinhas redondas. Afirma que suas palavras florescem no chão e que não as sabe comandar, que as palavras o elaboram. Seria. Não seria ele o obreiro das palavras? Assim, usa das palavras como brinquedo, algo que se pode manusear, ver cores, sentir cheiro e sabor.
É autor de fazer de sempre poesia, para gentes das mais pequenas às mais crescidas. Por derradeiro, fez prosa que veio enfeitada de poesia em seus livros “Memórias Inventadas-A Infância”, editado em 2003 e “Memórias Inventadas – A segunda Infância”, lançado neste ano. Diz não escrever bem assim suas memórias, até mesmo que as chama de inventadas. Todavia, revelam de suas lembranças. Estas duas últimas obras de Manoel de Barros chegam ao leitor como um pacote de presente. São poemas impressos em páginas soltas, lindamente ilustrados com iluminuras da filha-artista Martha de Barros, figuras coloridas nos tons da natureza, que ocupam página vizinha do texto. Estas páginas vêm amarradas por um laço de cetim e acondicionadas numa caixinha de papelão. Um presentão! O primeiro volume traz as invenções de memória de um menino mais pequeno e o segundo, de segunda infância, lembra o adolescer do poeta, suas descobertas em relação ao amor, ao sexo, à política, à natureza das gentes e das coisas. É história construída traço por traço, letra por letra, que ele mesmo afirma “ porque me abasteço na infância e minha palavra é Bem-de-raiz e bebe na fonte do ser”.
Ao falar do uso da prosa nos seus dois últimos livros, ele comenta de sua preocupação com a estrutura da linguagem. Que só queria modificar um pouco a estrutura lingüística. Tanto na prosa como na poesia, diz que seu gosto é modificar, que nunca aceitou o mundo que está aí, mas que essa é uma história pessoal. Inspiração ele diz conhecer só de nome, que ele tem é excitação pela palavra e que quando uma palavra o excita, ele vai atrás da história dela, vai nos etimologistas, anda pelo latim, procura os caminhos dessa palavra e que, nessa procura, outras palavras se juntam e, às vezes, pedem um poema. E ele obedece.
De certa vez, em entrevista, o poeta se disse um fazedor de frases, que aprendeu isto com um grande frasista, padre Antônio Vieira, que leu quando estudou no colégio interno. Que ele é um fazedor de frases é fácil de perceber em seus poemas engendrados de versos brancos, frases desencadeadas no texto. Falar sobre toda a sua rica obra nem é possível neste espaço da coluna. No entanto, quero mostrar algumas frases inventadas pelo poeta, frases soltas, algumas copiadas de seus dois últimos livros, outras de alguns poemas:
“Eu não sei nada sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as pequenas eu sei menos. Tudo o que não invento é falso. / Agora tenho saudade do que não fui. / Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre Antônio, 1604, Lisboa) eu aprendera que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir. / Bocó é um que gosta de conversar bobagens profundas com as águas. / Bocó é aquele que fala sempre com sotaque das suas origens, / é um que descobriu que as tardes fazem parte de haver beleza nos pássaros./ Lesmas e lacrais também eram substantivos verbais porque se botavam em movimento. /
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. / Que uma boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais importante para elas do que a Cordilheira dos Andes. / O olhar segura a palavra na gente. / Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite! / Prefiro as máquinas que servem para não funcionar./ Não gosto de dar confiança para a razão, ela diminui a poesia. / A poesia não existe para comunicar, mas para comungar. / Desconfio do verso que fulgura; em poesia, o opaco é mais luminoso que o brilhante. / Poesia é um lugar onde a gente ainda pode fazer com que um absurdo seja uma sensatez. / As coisas que não existem são as mais bonitas. / As coisas me ampliaram para menos./ O nome ensina ao poeta as suas semelhanças./ Poesia é a loucura das palavras.”
Para quem ficar curioso para saber o nome de outros livros que Manoel de Barros escreveu, segue a bibliografia:
1956 — Poesias / 1960 — Compêndio para uso dos pássaros / 1966 — Gramática expositiva do chão / 1974 — Matéria de poesia / 1982 — Arranjos para assobio / 1985 — Livro de pré-coisas (Ilustração da capa: Martha Barros) / 1989 — O guardador das águas / 1990 — Poesia quase toda / 1991 — Concerto a céu aberto para solos de aves / 1993 — O livro das ignorãças / 1996 — Livro sobre nada (Ilustrações de Wega Nery) / 1998 — Retrato do artista quando coisa (Ilustrações de Millôr Fernandes) / 1999 — Exercícios de ser criança / 2000 — Ensaios fotográficos / 2001 — O fazedor de amanhecer / 2001 — Poeminhas pescados numa fala de João / 2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo (Ilustrações de Martha Barros) / 2003 — Memórias inventadas - A infância (Ilustrações de Martha Barros) / 2003 — Cantigas para um passarinho à toa /
2004 — Poemas rupestres (Ilustrações de Martha Barros).
De “Cantigas para um passarinho à toa”, dito literatura infanto-juvenil, copiei o poeminha (grande!):
Achava que os passarinhos
são pessoas mais importantes
do que aviões.
Porque os passarinhos
Vêm dos inícios do mundo.
E os aviões são acessórios.