Diálogos éticos pela sustentabilidade e o cuidado pela convivência
Diálogos éticos pela sustentabilidade e o cuidado pela convivência
Por Márcia Rasia
Resumo:
Este artigo propõe uma reflexão acerca da necessidade da ética nas relações humanas, perpassando pelo diálogo e pelo cuidado como base fundamental e essencial em prol da sustentabilidade planetária e, sobretudo pela sustentabilidade da convivência humana.
Palavras- chave: Diálogo, Cuidado, Sustentabilidade
Abstract:
This article proposes a reflection on needing of the ethics in human relationships, permeated by the dialogue and the care as a fundamental basis and essential for the sake of global sustainability and, above of all for sustainability of human coexistence.
Introdução
O planeta vive um momento delicado. Delicado, que significa gentil no trato com suas pessoas, amável, que é amável, que é frágil, precário; que causa constrangimento. (Aulete, p. 234, 2004). Não falo no sentido de amável, pelo contrario, falo de uma situação frágil que requer cuidado, tanto no sentido da sustentabilidade planetária, quanto na sustentabilidade das relações humanas que será o foco deste trabalho.
Sinalizo enquanto cidadã que observo o ritmo da sociedade e falo também enquanto professora que dialogo muito mais com os alunos, do que propriamente dou aulas. Me reporto neste pensamento em Terezinha Rios que em um de seus artigos reflete que “ uma aula não é algo que se dá, mas algo que se faz, ou melhor, que professores e alunos fazem juntos”.
O que falta na sociedade, nas relações interpessoais é o diálogo e principalmente, um diálogo ético. Me reportarei a Paulo Freire, pois o diálogo é uma das palavras- chave da proposta freireana. E sem ele não existe sustentabilidade nas relações. Sem o verdadeiro diálogo, sincero e honesto, não existirá cumplicidade, troca, não existirá ética nas relações. Estamos como diz Leonardo Boff, numa crise ecológica e civilizacional e que é preciso recorrer ao cuidado ético como salvação da humanidade. Boff será o meu norte na questão de cuidado, princípio essencial para um novo ethos social. Quanto à ética e a moral, me apoiarei em Vaz (1998), Vasquez (1975) e Boff (2003) e não poderia também deixar de citar Morin (2005) que fala da ética de uma forma imperativa, uma exigência moral nos dias atuais.Nas considerações finais, cito Aristóteles no livro Ética a Nicômaco.
Desta forma delinearei um ponto de vista que percebo nas aulas de ética, que ministro tanto no espaço acadêmico, quanto nos cursos profissionalizantes que já são vários e que humildemente sinalizo para as pessoas. È preciso urgentemente buscar um diálogo ético sustentável em todas as relações, para que se diminua o rancor, a injustiça, a intolerância, o desequilíbrio e que se aumente desesperadamente uma nova relação entre os seres humanos e também uma relação para e com a natureza, apelo este comum nos meios de comunicação e a nomenclatura tão falada que é a sustentabilidade, que todos repetem e poucos sabem o seu teor tanto etimologicamente, quanto comportamental, uma nova postura ética, que também é tão declamada e que poucos, digo raríssimas pessoas sabem e entendem seu verdadeiro significado. É por este eixo que estas reflexões serão desenvolvidas
1- Ensinar ou refletir ética? Um desafio
Já inicio citando Valls (2006, p. 06) que diz logo na introdução de seu livro, que ética é daquelas coisas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta.
Em todos os cursos que já ministrei “Ética e Estética (SENAC)”, Ética e Meio Ambiente (Jovem Aprendiz), Ética e Responsabilidade Social (Curso de Manicures- SENAC), Ética em Vendas (CETEB e FAT), Sociedade e Ética Profissional (Curso de Pedagogia-FACITE). Enfim, sempre questiono o que é ética? E sempre paira no ar um silêncio e as pessoas não encontram palavras para definir. As pessoas não compreendem o seu significado e sua importância no trato com o outro. A sua eficácia nas relações interpessoais, exigências hoje em qualquer profissão, exigência hoje em qualquer contexto social.
Concordo com Valls (2006) e Vasquez (1975) que falam que ninguém ensina ética para ninguém, você questiona e faz reflexão acerca de ética. Vale neste momento trazer o seu significado e a própria diferenciação de ética e moral.
Enquanto a moral se define como conjunto de valores, regra, normas que dirigem as ações dos indivíduos em sociedade, a ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre a moralidade. A moral está presente nas ações e relações dos indivíduos e grupos – não há sociedade que não estabeleça uma forma de conduta para seus membros. (Rios, 2008).
Enquanto ciência, o papel da ética é refletir sobre o comportamento humano. Em sala de aula estamos constantemente refletindo sobre ética, delineando passos, caminhos. Parafraseando Drummond “tirando as pedras do caminho” Tirando? Sim. Mesmo caminhado de “mãos dadas”com a ética, a moral se distingue da ética, quando diz que a moral é o comportamento, a prática. Temos uma conduta moral quando nos posicionamos em relação às imposições, respondemos e nos comprometemos (Rios, 2008). O compromisso é uma decisão, é própria dos seres humanos. Só os seres humanos podem “retirar as pedras do caminho”, só os seres humanos podem fazer um novo começo,como diz Ana Carolina numa de suas músicas, que questiona a ética neste País de tanta corrupção.
E os alunos também questionam em sala de aula o porquê de uma disciplina de ética, se o que vêem na mídia, na política, na escola, na rua, na sociedade, são tantos comportamentos anti- éticos? E porque não dizer, tantos comportamentos imorais. Não é fácil para um professor ministrar uma disciplina de ética, não é fácil falar de ético no atual mundo em que vivemos. Agimos moralmente. Mas nem sempre fazemos uma reflexão ética. Nem sempre buscamos o real significado de nossas ações, de nossos valores. Nem sempre nos olhamos no espelho, nem sempre analisamos o nosso comportamento na nossa sociedade. E o pior, nem sempre pensamos que o nosso comportamento, reflete diretamente no outro.
Só existe ética, se existir o outro. Só podemos falar de ética no coletivo. E é disto que está faltando nas relações dos seres humanos. O ser humano não para mais para refletir sobre a ética. Não existe uma ética da sustentabilidade, que promoveu os princípios do respeito, da justiça, da solidariedade que são promotores do diálogo. Quando se propaga que sustentabilidade no sentido de ecologia é termos ações corretas hoje para uma geração futura, falo também numa relação ética sustentável, para um futuro que é hoje, que precisa resignificar as relações, sejam elas na escola, na empresa, na rua, na sociedade e principalmente na família. A família é à base desta geração. E a família se encontra em desequilíbrio, em desarmonia. Ética etimologicamente do grego ethos e significa morada humana, não é a toa que os gregos pensaram ontem e que hoje está tão evidente e real. Morada entendida existencialmente com o conjunto das relações entre o meio físico e as pessoas, ao qual chamavam à morada de Ethos. O espaço físico seria as pessoas. Os costumes (a moral), o caráter (ética). Esta seria a base. Como disse o psicólogo Winnicot, a importância das relações familiares para estabelecer o caráter das pessoas. As pessoas serão éticas, terão princípios e valores se tiverem uma boa moral, que são as relações harmoniosas e inclusivas em casa. Que chamo de Diálogos éticos sustentáveis, essenciais para a convivência das pessoas.
Percebe-se que a dimensão técnica é importante em qualquer segmento institucional, mas que a dimensão humana esbarra qualquer trabalho. Percebo como é difícil lidar com as pessoas, com as diferenças, com a individualidade de cada um. Como é difícil agir empaticamente numa relação. A convivência entre pessoas está a cada dia sendo mais difícil. E o diálogo está dando lugar à individualidade, o distanciamento do ser em detrimento do ter, é de fato um slogan real e não imaginário. É preciso reverter este cenário.
2- Por um diálogo ético, sustentável, aos cuidados de Boff e Morin
Reverter o quadro atual do afastamento do diálogo como base humana, é difícil, mas não existe como disse o Pequeno Príncipe no livro de Antoire de Saint- Exupéry. É preciso diálogo, amor e cuidado. Quem ama cuida.
Segundo Freire (1974) o diálogo se faz na diferença. Ora, não há diálogo com o “mesmo”. O diálogo não requer somente aceitação, requer também contradição. Requer também conflito. Mas conflito positivo. Este conflito é que é motivador. Existe troca, partilha. No diálogo se cruzam
Os fios não só das experiências enraizadas nos sujeitos que fazem imediatamente a prática, mas também os fios do conhecimento construídos por múltiplos sujeitos ao longo da história (Kramer e Jobim, 1994, p. 04).
Falo sobre diversidade, porque acredito neste diálogo que promova uma relação saudável, que exista a afetividade, que as pessoas se conheçam e se reconheçam através do diálogo para uma via de convivência. Uma convivência onde as pessoas se respeitem na diversidade do outro, com ética e com compromisso para um mundo melhor. Isso é o que fala Paulo Freire nestas afirmações. Ele provoca indagação, nos convida a olhar o outro de outra forma, com um novo olhar. No diálogo, leva-se em conta alteridade, que é exercício de poder nas relações sociais, ganha sentido na articulação com a alteridade e com o reconhecimento do outro.
E pelo reconhecimento do outro, perpassa também a questão do cuidado, que Leonardo Boff propaga em seus livros. Em latim, cuidado significa cura. Em seu sentido mais antigo, cura se escrevia em latim coera e se usava em um contexto de relações humanas de amor e de amizade. Cura queria expressar a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação de inquietação pelo objeto ou pessoa amada. O cuidado somente surge quando temos preocupação com alguém ou com algo.
Daí a necessidade imperativa de termos cuidado com as nossas relações, com a nossa convivência onde trabalhamos, moramos e passeamos. Cuidado significa, então, solicitude, zelo, altivez, bom trato e é exigência fundamental. Não é a toa que Boff fala tanto do cuidado como uma relação ética do ser humano. Não é a toa que Edgar Morin fala do cuidado com o todo, com o planeta, com as pessoas, com as relações. Ele fala também de religamento. Todos nos sentimos ligados e religados uns com os outros, formando um todo orgânico único, diverso e sempre includente. O grande desafio é combinar diálogo e cuidado. Eles não se opõem. Mas se compõem. Juntos poderiam melhora as relações humanas, promover a união e não o afastamento. É preciso resgatar a condição humana do ser em detrimento do ter. É preciso humanizar-se, resgatar as relações interpessoais e intrapessoais. É preciso resgatar a base familiar através do diálogo e com esta a sustentabilidade planetária na forma do comportamento moral do ser. É preciso saber conviver humanamente e eticamente.
3- Por um resgate da ética e da moral
Aristóteles também fala de cuidado, quando cita que “a felicidade perfeita é uma atividade contemplativa, mas que necessita de bens exteriores e que o nosso corpo também necessita para ser saudável, deve ser alimentado e cuidado. Isto não quer dizer excesso pode-se praticar ações nobres sem para isso necessitarmos ser donos da terra e do mar. A vida das pessoas que agem em conformidade com a a virtude será feliz” (Aristóteles, Ética a Nicomaco, p. 233).
Os gregos falavam da busca da felicidade, Aristóteles propagou que quem desfruta das virtudes, colhe a felicidade.O que quero dizer com isto? Que é preciso que o homem busque ou re- busque a felicidade. E para isto é preciso o resgate de valores, o resgate da moral e da ética. O resgate do comportamento, através da pratica, do exercício e co reconhecimento das virtudes, das ações. ““O resgate da era planetária que nos propõe Edgar Morin, Leonardo Boff, grego e não “troianos”“. ” Naquilo que une a ética da compaixão a ética da compreensão é a resistência à crueldade do mundo, da vida, da sociedade e à barbárie humana “ ( Morin, p. 200).
O homem não veio ao mundo para sofrer. Veio para ser feliz, em ultima instância para sobreviver. Mas sobrevivência requer estratégias, no contexto humano, social, político, econômico, epistemológico, antológico, axiológico.
Estratégias de sobrevivência para humanos que somos. Não podemos mais sossegar diante da tanta injustiça, de tanta falta de ética, de tanta falta de cuidado, de tanto descompromisso e falta de diálogo. É urgentemente necessário saber ouvir, saber falar, saber parar, saber agir. E isto requer diálogo com o outro, com os outros. E isto requer equilíbrio, sustentabilidade do diálogo. E isto requer ética. E isto requer saber conviver com diálogos éticos que sustentem o mundo, o planeta, as pessoas. Se não tomarmos o diálogo como base não saberemos lidar com o ser humano.
Logo, não poderemos viver, logo o planeta não sobreviverá. A escolha é unicamente e ontologicamente nossa.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
KRAMER, Sonia e Jobim e SOUZA, Solange. Experiência humana, história de vida e pesquisa: um estudo da narrativa, leitura e escrita de professores. IN Anais da 17ª Reunião da ANPED, 1994.
RIOS, Terezinha Azevedo. A dimensão ética da aula o que nós fazemos com eles. IN: VEIGA, Ilma P. A. (org) aula: gênese dimensões, princípios e práticas. Campinas: Papirus, 2008, PP. 73/93.
VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 2006.
MORIN, Edgar. O método 6: ética. Porto Alegre: Silina, 2005
BOOFF, Leonardo. Ética e moral. A busca dos fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003.
VASQUES, Adolfo Sandrez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do ser humano. Rio de Janeiro: Vozes 1999