A IDEALIZAÇÃO ROMÂNTICA EM CINCO MINUTOS: de uma existência digna de um grande amor à insignificância de vãs preocupações materiais
É uma estória curiosa a que vou lhe contar, minha prima. Mas é uma história e não um romance. (ALENCAR, 1977, p.3).
OLIVEIRA SILVA, Francisco Geimes de - UECE/FAFIDAM
REMÍGIO, Ana - UECE/FAFIDAM
Numa premissa de análise literária compreendemos que a publicação, inicialmente em folhetins do Romance, Urbano Cinco Minutos de José de Alencar (1856), representa o marco de construção de uma história de amor que mostra-nos claramente como Alencar, que é a maior vertente da prosa de ficção romântica brasileira, quis enfatizar feições predominantes no estilo de criação e inspiração literária presente no Romantismo Brasileiro. Esta estética tem início no Brasil em 1836, coincidindo com os movimentos políticos de independência, expressando uma ligação com os movimentos libertadores, um desejo de construir uma pátria nova, de criar uma literatura nacional. Segundo Karl Menheim, o “Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza decadente e a pequena burguesia em ascensão”.
Em todos os romance urbanos, Alencar situa o amor como tema central. Isto significa que ele ressalta a condição social e familiar da mulher, em relação ao casamento e ao amor. Porém, o amor como o entendia a mentalidade romântica da época era um amor sublime, ideal, com renúncias, sacrifícios, heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força transformadora de sua intensidade e de sua paixão.
É evidente que para se fazer qualquer apreciação dos textos de Alencar é preciso entender que, como considera Machado de Assis “nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira”. A partir desse pressuposto, verifica-se que em 48 anos de vida José de Alencar produziu um dos mais importantes conjuntos de obras da literatura brasileira.
Afirmo aqui que a produção alencariana é, sem dúvida, distinta à literatura portuguesa, pois, se o conteúdo era nacional, a forma de apregoá-lo também o era: já que ele procurava uma sintaxe brasileira, colocando construções caracteristicamente nacionais e palavras indígenas.
Deter-nos-emos nesse trabalho a analisar neste artigo A Idealização Romântica em Cinco Minutos destaco nesse texto aspectos transitórios de uma existência digna de um amor à insignificância de vãs preocupações materiais que são retratadas na vida carioca apresenta-nos dramas morais, tipos femininos complicados e, portanto, faremos uma avaliação sobre o canal da afetividade masculina, comumente visual, alterna para auditivo, tátil e olfativo, ao menos nos cinco primeiros capítulos.
Em Cinco Minutos, o narrador-personagem está presente, da primeira à última página, para agradar a todos os caprichos de sua imaginação. Sem compromisso profissional algum, o aspecto financeiro de suas peregrinações atrás de Carlota não chega nunca a preocupá-lo.
Nessa passagem ele mostra seu posicionamento sobre essa pequena causa, ou seja, o atraso de cinco minutos que mudou totalmente a vida do narrador-personagem: “Se tivesse sido pontual como um inglês, não teria tido uma paixão nem feito uma viagem; mas ainda hoje estaria perdendo o meu tempo a passear pela rua do Ouvidor e a ouvir falar de política e teatro”. (ALENCAR, 1977, p.34).
É, por isso, que o narrador, além de afirmar que as histórias não são verdadeiras, usa outras técnicas que as subtraem à categoria de ficção: citações precisas de locais e horários, menção a obras públicas - como a destruição da Santa Casa e a destruição do Morro do Castelo -, alusão a fatos característicos da vida carioca da época, como a freqüência a opera e os hábitos comerciais da praça do Rio.
Alencar municia os seus leitores com forte lastro de realidade que, por assim dizer, embrulha tudo o que no seu romance há de imaginativo e romântico. De tal modo, permitindo que o leitor ingênuo, ganhe pela verdade dos amores súbitos e eternos, os gestos irrefletidos, as decisões passionais, as curas impossíveis e tudo o mais que faz o leitor contemporâneo (e mais exigente) sorrir-se de Alencar.
Estas “romantiquices” atualmente provocam sorrisos de incredulidade e relegam o Alencar destas obras para estantes empoeiradas pelo desuso, são elas também que dão às obras em estudo sua identidade romântica, isto é, sua capacidade de satisfazer aos leitores brasileiros de meados do século passado.
Vejamo-los que em todo contato privado do canal visual, o narrador em 1ª pessoa também pensa a hipótese de a mulher estar fora dos padrões de amabilidade romântica:
De repente veio-me uma idéia. Se fosse feia! se fosse velha! se fosse uma e outra coisa! ... Fiquei frio, e comecei a refletir ... Esta mulher, que sem me conhecer me permitia o que só se permite ao homem que se ama, não podia deixar com efeito de ser feia e muito feia. (ALENCAR, 1977, p.4). [grifo nosso].
Ressalto nesses excertos que o enredo desenvolveu-se quando o narrador-personagem se atrasa para pegar o ônibus de Andaraí. Este atraso leva-o a conhecer Carlota, uma mulher por quem se apaixona sem ver seu rosto, só ouvindo sua voz, sentindo o toque de seu braço e seu perfume, uma vez que ela cobria-se o rosto misteriosamente. Para um maior esclarecimento veja o seguinte trecho (ALENCAR, 1977, p.4): “ [...] estava tão envolvida no seu mantelete e no seu véu, que nem um traço do rosto traía o seu incógnito”.
Mais forte, entretanto, que as razões de Carlota, era a paixão do Autor: vencendo dificuldades de toda ordem, o que tomou ainda mais empolgante sua conquista, conseguiu chegar a Nápoles, para dar à amada, já no fim de sua breve existência, pelo menos o conforto de uma assistência afetiva e moral.
Observe os seguintes trechos que encontramos tal idealização:
“Ela abriu os olhos um momento e quis sorrir”. [...] (despedida e conformação); [...] “Seus lábios nem tinham mais forças para desabrochar o sorriso”. [...] “As lágrimas saltaram-se dos olhos” [...] “tinha perdido a fé” (momentos finais de vida e desespero). (ALENCAR, 1977, p.32-33). [grifo nosso].
Nos trechos que analisamos abaixo, apreende-se um diálogo profundo entre a fusão da idealização romântica alencariana com o plano materialístico e conservador de vida na sociedade carioca daquela época, por isso a felicidade típica na linguagem do Romantismo foge para um espaço mais voltado para os elementos naturais que expressam vida e liberdade para a concretização do amor sincero e construído entre dois personagens:
Achamos na quebrada de uma montanha um lindo retiro, um verdadeiro berço de relva suspenso entre o céu e a terra por uma ponta de rochedo. [grifo nosso].
Aí abrigamos o nosso amor e vivemos tão felizes que só pedimos a Deus que nos conserve o que nos deu; a nossa existência é um longo dia, calmo e tranqüilo, que começou ontem, mas que não tem amanhã. [grifo nosso].
Uma linda casa, toda alva e louçã, um pequeno rio saltitando entre as pedras, algumas braças de terra, sol, ar puro, árvores, sombras... eis toda a nossa riqueza. [grifo nosso].
Quando nos sentimos fatigados de tanta felicidade, ela arvora-se em dona de casa ou vai cuidar de suas flores; eu fecho-me com os meus livros e passo o dia a trabalhar. São os únicos momentos em que não nos vemos. [grifo nosso].
Assim, minha prima, como parece que neste mundo não pode haver um amor sem o seu receio e a sua inquietação, nós não estamos isentos dessa fraqueza. (ALENCAR, 1977, p. 34). [grifo nosso].
Verifique que o momento de clímax é detalhadamente descrito por Alencar onde ele (personagem tratado por Carlota como “amigo”) acompanha passo-a-passo como ela vai morrendo: “[...] desvaneceu-se”. (ALENCAR, 1977, p. 33). [grifo nosso].
A partir daqui como reforça Ana Remígio (2004, p. 29), o romance torna-se uma corrida diurna... uma corrida contra o tempo e contra a morte... e esta, quando chega em busca de sua escolhida, é escorraçada...por um amoroso (e casto) beijo (lance da imaginativa pena alencariana).
Passados alguns dias, num melancólico entardecer, Carlota, quase a morrer, pediu-lhe que sorvesse, num primeiro e último beijo, a sua alma... ; e nesse momento operou-se (como depois explicaram os médicos) um verdadeiro "milagre do amor". Carlota reviveu; e passado algum tempo, recuperada a saúde, casou-se com seu amado.
Conclui-se que nesse romance, Alencar faz um desfecho incrível, muito delirante, com um final feliz, em outras palavras, completada por uma venturosa viagem de núpcias, pela Europa, de que trouxeram ambos as mais belas e inesquecíveis recordações, vieram a esconder e preservar sua felicidade conjugal, num lindo retiro, numa montanha de Minas, donde o Autor, então, escrevia à prima, contando-lhe a história de amor que, sem dúvida, fá-la-ia compreender a razão de seu desaparecimento da sociedade carioca, em tudo, mas principalmente, pela falsidade dos sentimentos, contrária à verdadeira e pura felicidade matrimonial.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José. Romances ilustrados de José de Alencar. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, Brasília, INL, 1977.
MORAES, Vera e REMÍGIO, Ana. Discurso e Memória em Alencar. Fortaleza-CE: Universidade Federal do Ceará, 2004.
REMÍGIO, Ana. Cinco minutos: uma leitura em companhia de Bachelard. In: MORAES, Vera e REMÍGIO, Ana. Discurso e Memória em Alencar. Fortaleza-CE: Universidade Federal do Ceará, 2004. p. 25-30.