Insegurança na Segurança Pública - "no cumprimento do dever"
“NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL”
1. A POLÍCIA MILITAR
A polícia é num conceito tácito como uma corporação de pessoas patrulhando o espaço público, usando uniformes e revestida de um mandato de manter a ordem social e controlar o crime quando instalado. Essa noção intuitiva é apresentada em qualquer sociedade moderna. Mas esse conceito no Brasil torna-se totalmente diferente dos países centrais. Entender o papel da polícia brasileira requer um dinamismo histórico envolvendo não só o tempo mais também o espaço. O que se tem em voga é que sem uma polícia para controle social da ordem política democrática, o caos certamente se instalaria. O cerne nacional está no policiamento que difere deveras do conceito de polícia.
Nessa esteira aparecem com o golpe de estado de 1969 as polícias militares sob o controle e coordenação do Exército que antes criadas para defesa das políticas locais e de classes dominantes, combatiam os subversivos, reprimiam as greves operárias e as manifestações populares, são hoje “deslocadas”, a prevenção e combate da criminalidade.
Contudo, não combate a criminalidade como um todo. Os policiais de rua, muitas vezes incipientes e despreparados, têm dificuldades de identificarem os marginais, seu alvo principal são os pobres e os de pele menos clara – negros –, estes quando presos fogem todas as regras legais e até mesmo constitucionais. Situações simples como direito a um advogado, tomada de depoimentos, saber por que e por quem está sendo preso, a um telefonema, em fim, o preceito é o desrespeito às garantias individuais, ficando ao arbítrio daqueles policiais aplicarem as condutas “legais” cabíveis ao caso concreto, que se caracterizam muitas vezes por torturas, tanto física, como psicológica. É comum, nesse meio policial, que bandido bom é aquele que sabe apanhar, pois aquele que não apanha pode vir a ser interpretado, pelos próprios marginais, como colaboradores da polícia.
2. ROTA DIRECIONADA
Nesse mesmo período que antecedeu a democratização surgiu um grupo especializado em São Paulo – a ROTA (Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar), um braço ágil e forte ao combate enérgico, um eufemismo de violento, contra o “inimigo interno” criado pelo então estado.
Esse grupo armado ao longo de sua história esteve em vias de ser extinto, porém por questões políticas não o foi, promessas ocorreram, mas nem sequer concretizadas que envolvessem sua extinção ou tirasse desse grupo a violência enraizada que trazia em seu bojo. Pois se antes foram treinados para o combate a guerrilheiros urbanos, assaltantes de bancos, hoje são transmutados diretamente para o crime comum, o fora-da-lei. Já que não há controle legal, destarte, os abusos são encorajados pelos governantes e pela própria sociedade que a impunidade é assegurada pelo Judiciário, atuam “além da lei” em contrapartida dos que estão à margem dela.
O que se tem de concreto é que essa ROTA matou, ou melhor, executou 129 pessoas, seres humanos, de janeiro a setembro de 1981. Muitos não tinham passagem policial. Os motivos? Resistências pré-figuradas, termo criado por Hélio Bicudo um ícone dos Direitos Humanos e denunciante explícito do “Esquadrão da Morte”. Ou seja, foi dada ordem de prisão a um suspeito perseguido, este responde à bala ou à faca (veja neste último caso a desproporcionalidade e o não uso moderado da força), segue-se um tiroteio, suspeito morre em combate. Ponto final. Para a ROTA mais um marginal morto, ou menos um se contar como retirada de cena dos delinquentes, comparados a erva daninha, como se matasse resolvesse o problema da criminalidade.
Essa quantidade pode ser bem maior se somadas as que não constam nas estatísticas, as envoltas de “acidentes”, “suicídios” nas delegacias ou até mesmo execuções, consequência de rebelião em presídios e cadeias. Não se pode deter e matar. Não existe no Brasil pena de morte, somente em caso de guerra declarada. É nesse ponto obscuro de “achismo” que se ampara, em sua grande maioria, os integrantes das polícias militares, ou seja, uma declaração tácita de guerra contra a criminalidade dando-lhe respaldo a ser o órgão opressor, julgador e executor.
A pena de morte que ora vigeu no Brasil colônia é reintroduzida nas palavras de Cobler: “a pena de morte foi, na verdade, reintroduzida através da porta dos fundos contra a Constituição e a Lei, decidida e implementada...”
Ficar ao arbítrio dessa polícia ao arrepio escancarado de qualquer proteção de direitos constitucionais é um retrocesso histórico e cultural à era medieval. Ao tempo de trevas. A repressão tomou espaço da prevenção que foi substituída pela ação militar ofensiva, ou melhor, hostil.
A escalada da violência policial conta com vários aspectos a seu favor, como se fosse privilégio matar, receber o número 00, como no filme de 007 onde o personagem James Bond, recebe a “Permissão para Matar”, associado a políticas agressivas, mais duras, mão pesada, que aprovam os abusos cometidos pelos policiais e lhe dão carta branca. Faz parte de todo arcabouço da impunidade constante que são abarcadas por esses verdadeiros fora-da-lei.
3. “VIGILANTISMO”
Alguns governantes transformam a matança em elogios que constam nos Boletins de Serviço da corporação e outros concedem gratificação remunerada. Uma verdadeira desestrutura do aparato policial que deveria ser o responsável pela ordem, acabam por instalar e estimular a desordem dos direitos humanos. Uma amplitude descarada do permissivo das execuções quase-legais.
Isso posto, se constitui nesse texto base de Sérgio Pinheiro que o “vigilantismo” policial preenche seu espaço por três motivos, quais sejam: a polícia percebe a ausência de controle legais, assim sendo vale qualquer relato que um soldado da polícia militar queira apresentar. Sabemos que o ato de um agente público tem uma presunção relativa (“juris tantum”) e deve-se ouvir a outra parte, existem diversos aparatos de normas jurídicas para esse fim. Outro motivo que leva ao “vigilantismo” é quando o próprio regime encoraja os abusos. Passado o período de autoritarismo que o Brasil viveu por quase duas décadas e considerando que se vive num regime democrático de direito, torna-se inconcebível tal encorajamento. Remete a uma impotência política vergonhosa. Por fim, o último motivo que Pinheiro traz a implantação do “vigilantismo” policial é quando esses abusos são ignorados, ou seja, como se não houvesse existido. Dizer que um carro foi “confundido” com o dos marginais na cidade do Rio de Janeiro, momentos depois crivado de balas por policiais para tudo que é lado e lá dentro uma criança ser atingida e morta, não se pode desprezar de responsabilidade e transformá-la em impunidade. Revela, antes de tudo, um verdadeiro despreparo e desespero policial.
Como foi tido, diferenciar polícia de policiamento espera-se contar com eficácia e amadurecimento de cidadania, envoltos de conhecimentos técnicos e jurídicos em prol à coletividade, não uma polícia arcaica com pensamentos retrógrados que se levou ao tempo de opressão social. Vive-se sim, numa democracia e todos fazem parte da segurança pública.
4. INSEGURANÇA NA SEGURANÇA PÚBLICA
Há mais de duas décadas com a transmutação ditatorial para um Estado Democrático de Direito, onde se consolidaria a Constituição Cidadã, ficou mais na retórica que na prática, pois o crime nesse período, em consequência a violência, tomou proporções estratosféricas sem precedentes, principalmente em cidades mais desenvolvidas desse país continente, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. E essas magnitudes se aproximam de outras nem tanto crescidas.
Viver numa dessas cidades e conviver dia-a-dia com uma polícia corrupta, despreparada, violenta, esquizofrênica por achar que está em constante “guerra contra o crime”, na verdade consiste numa tarefa de sobrevivência a cada instante, a cada dia. Sair para trabalhar e não ser confundido com um marginal ao ser enquadrado por essa polícia é um dia de glória, pois quando o é, sofre todos os vexames que um cidadão de bem pode sofrer, quiçá se não tomar um tapa na orelha, pois reclamou da conduta policial.
Alguns cidadãos preferem ser assaltados, pois a violência banal os levam a andar com poucos numerários, a serem abordados por essa polícia ineficiente. Não se quer aqui fazer uma apologia ao crime, mas mostrar que a polícia pode e deve ser mais bem preparada.
Não obstante, há de se convir que essa escalada da violência é um círculo vicioso que essa própria polícia criou. Só há roubos de carros, porque existem receptadores que recebem guarita da banda podre. Só há armas nos morros cariocas e periferias paulistanas, porque existem policias e servidores públicos corruptos nas fronteiras e aduanas, quando recuperadas, são “devolvidas”, não se sabe como, aos bandidos. Só existem drogas ilícitas, porque há consumidores tanto de baixa, como alta renda e uma carência de policial (alguns corruptíveis) nas fronteiras com países produtores de maconha e cocaína. Destarte, a corrupção, esta putrefação, está impregnada como uma crosta nessa polícia, a qual não deveria ser assim chamada – POLÍCIA. Foge como éter todo o conceito de polícia e macula aqueles que fazem da sua profissão policial sua própria vida.
5. CONCLUSÃO
Por fim, extirpar essa violência sem, no entanto, fazer uso de mais violência, deve ser uma tarefa de toda a sociedade e principalmente do governo federal, pois há necessidade de reformas políticas fundamentais, como a celeridade e eficiência judicial; controle acirrado das fronteiras com fins de impedir a entrada de drogas e armas; um aprimoramento no sistema carcerário, fazendo com que os presos sejam produtivos à sociedade e depois de apenados sejam inseridos de volta ao convívio social; o preparo de uma polícia competente pela sua disposição, organização e apresentação perante uma sociedade justa e solidária; ações sociais direcionadas aos mais pobres, dando-lhe oportunidades; uma educação de base condizente com que se pretende atingir num futuro próximo; enfrentamento da corrupção e da infiltração do crime organizado no aparelhamento estatal, por meio de investigação séria e punições exemplares. Como se vê, são envoltos de políticas públicas capazes de impedir a violação sistemática de um governo que se pretende sedimentar como Democrático de Direito. São algumas medidas que se requer tempo e dinheiro, mas se solicita muito mais ainda em vontade política e humanitária.