A EPIDEMIA DE LAPTOPIROSE
“Cada um dá o que tem,
ah! Que verdade!"
Antônio Tavernard, poeta paraense
Não, caro leitor! Nada a ver com “cochilo” ortográfico ou doença causada por contaminação por urina de ratos (inclusive do "mouse"). Queremos nos referir, sim, à verdadeira “epidemia” que hoje assola nossa terra brasilis de cidadãos que “não saem de casa sem ele”: o laptop (ou notebook), ambos abomináveis designativos ingleses, sem significados lógicos em nosso belo e sonoroso idioma camoniano.
Por favor, senhores, não nos julguem mal. Também nós, por força das atividades que desempenhamos, temos que recorrer aos préstimos insuperáveis da computação e também possuímos um modesto indigitado “compumóvel” ou “datamóvel” (por que não? - à semelhança de telemóvel, como são chamados em Portugal, que zela por nossa língua comum, os celulares), mas, nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Os brasileiros, por via de regra, são vidrados em coisas que sugiram “sinais exteriores de riqueza”. Assim, já tivemos a febre das “capangas” (de couros autóctones e/ou exóticos, quase sempre associadas a jaquetas idem); a das pastas 007 (lembram-se?), nacionais ou importadas, de feitios e acabamentos de fina estampa. Sucedeu-a a dos telemóveis (celulares), com a inefável utilização em lugares os mais inconvenientes e impróprios possíveis, feita alto e bom (??) som (hoje tão banais e acessíveis a toda gente, que já não incitam o exibicionismo).
A atual é a do laptop, esses mirabolantes equipamentos de telecomunicação on-line e outras feituras, que (ainda) impressionam a maior parte da plebe rude, daí cunharmos o neo-ilogismo (sim, porque um neologismo maroto, ilídimo) que encima este escrito, advindo por contração de laptop (ingl.) = computador portátil + “pirose” (Bras. Gír.) = estado de “piração” (Bras. Gír.), arroubamento, alienação. O que mais se vê hoje são cidadãos, pelo geral “de alta linha”, a sobraçarem, compenetrados e chibantes, seus acalentados “objetos de desejo” involucrados em pastas ou revestimentos, preferentemente de elevado custo e, à mais sutil oportunidade, como alguns minutos de aguardo nos desvãos dos aeroportos, abrirem-nos e deliciarem-se a manipulá-los, embevecidos, deixando embasbacados e cobiçosos os anônimos e despossuídos cidadãos comuns. Um espanto! Quanta cultura! Quanto poder!
Em recente viagem aérea que empreendemos ao Rio de Janeiro constatamos que entre 10 a 15 aeronautas “viajavam” a bordo de suas máquinas de felicidade, como crianças entretidas com seus brinquedos infantis. Sejamos sensatos: em duas a três horas de vôo, imprensado na poltrona e com os atropelos dos “serviços de bordo”, será realmente imprescindível a utilização da tal engenhoca em detrimento, por exemplo, de saudável, proveitosa e reconfortante leitura de um bom livro?
Senão vejamos: hoje, qualquer hotel nem tão estrelado quanto nosso emblemático e celestial Cruzeiro do Sul, disponibiliza a seus hóspedes, por preços módicos, a utilização de terminais de computadores ligados à rede universal (internet), dispensando, destarte, a incômoda (e pesada) necessidade do transporte de equipo próprio. Também, em cada esquina se pode encontrar, e utilizar, os terminais desses centros de informática (cyberpoints para os anglófilos). Ah! Mas não tèm os arquivos coletados em “Meus documentos” para manipulação. Leve-os no bolso (ou pendurados ao pescoço, a modo de cordão e pendentif [pingente], que também é chique e moderno, dá status), naquele miraculoso e até bonitinho berloque 3-B (bom, barato e bastante) chamado pendrive (de novo o termo espúrio, impreciso para nossa língua), que pode levar toda a memória de seu PC e ainda conter espaço vago, para divagações lúdicas e acréscimos.
Eis razões, prezados leitores, por que o MS (modus sensatus) adverte e a comunidade agradece: laptopirose é prejudicial à saúde.
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(*) Médico e escritor – SOBRAMES/ABRAMES
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