SOBRE A (IN)UTILIDADE do POETRIX, por Marilda Confortin
SOBRE A (IN)UTILIDADE do POETRIX, por Marilda Confortin
Um dos principais atributos da poesia, é a inutilidade. Não fosse isso, ela já estaria extinta por obsolescência. Tudo já foi escrito e cantado em verso e prosa de todas as maneiras possíveis. Mas, a revelia dos tempos, da evolução tecnológica e da opinião dos críticos literários que execram os textos ingênuos, todo dia, em algum lugar dessa terra, alguém se depara pela primeira vez com uma lua cheia e solta um “putaqueospariu que coisa mais linda!” ou enche o peito e sem vergonha declama o primeiro versinho que lhe vem a cabeça “não há, ó xente, ó não, luar como este do sertão”[1]. E começa tudo outra vez: nasce um novo poeta rimando amor com dor, criança com esperança, lua com nua, Brasil com anil. É muito confortante saber que o ciclo da poesia se repete inútil e eternamente.
Então porque escrevo um ensaio sobre a utilidade de uma poesia jovem e breve como o Poetrix[2]?
Porque esse tipo de terceto me caiu do céu. Despencou de uma nuvem de informação chamada internet, empurrado por um diabinho baiano chamado Goulart Gomes, no momento em que eu não escrevia nem lia mais poesia, exatamente por acreditar que era algo inútil. E eu lá tinha tempo pra essas coisas? Precisava trabalhar, dominar as novas tecnologias, ganhar dinheiro para sustentar a família, me afirmar como profissional, “ser alguém” na vida. Eu estava me tornando alguém, sim. Alguém mesquinho que sabia tudo sobre os máquinas e nada sobre as pessoas que os utilizavam ou eram substituídas por elas. Alguém que procurava palavras nos dicionários só para escrever relatórios, projetos, orçamentos e manuais técnicos. Alguém tão estúpido que achava incompatível um analista de sistemas, médico ou engenheiro nuclear dedicar parte de seu tempo para a arte, música e poesia. Alguém como muitos que vocês conhecem e estão sentados ao seu lado nesse momento.
Mas a verdade é que eu continuava sem tempo para leituras longas. As editoras só publicavam livros de auto-ajuda e eu estava mais para auto-destruição. Os haicais que eu tanto amava, começaram a me soar tão óbvios e puros com seus kigos, que destoavam com o ar condicionado, urbano e poluído do meu apartamento. Pari alguns tercetos irônicos e chame-os de haicai. Horrível! Me senti como quem estupra flores. As pessoas que me cercavam, não tinham saco para ler meus textos meticulosamente explicados nem para ouvir meus discursos saudosistas entrecortados por sonetos do século passado. Eu precisava de algo rápido, sintético, exato, criativo, surpreendente, amplo, imagético, mágico. Eu precisava de um susto, um “projétil que atingisse minha alma e detonasse minhas emoções” [3].
Eu precisava que me “devolvessem
as
as
as”[4]
Bum! Aconteceu. Tropecei num Poetrix de Goulart Gomes:
A$$ALARIADO
Vende a vida inteira
Pelo pão de cada dia
A liberdade bóia, fria
E vieram outros e mais outros e o poetrix se espalhava feito vírus pela internet. A partir daí, voltei a escrever, ler e trabalhar harmonicamente. De cada relatório técnico ou projeto que escrevo, extraio um poetrix. É meu jeito de exercitar a síntese, a exatidão, a multiplicidade, a consistência e descobrir em mim e nos colegas de trabalho algum resquício de emoção. De cada poesia, crônica ou conto que leio ou escrevo, procuro extrair um poetrix. É a minha maneira de valorizar as palavras, revistá-las, revisitá-las, revitalizá-las, homenageá-las ou torturá-las.
Voltei a ler os clássicos com mais paciência e os contemporâneos com mais complacência. Fiz as pazes com os dicionários. Procuro palavras na fala cotidiana das pessoas e no “silêncio das línguas cansadas”. A poesia enfim, me foi útil.
Não pretendo ensinar ninguém a escrever nem (de)gustar do poetrix. Quero mais é que você “morda, mastigue, engula e faça a digestão. Que se vire!” [5]
Poeta
Tortura as palavras
Até que digam
O que não querem dizer
(Gr)ávida
Pensa que tem
O rei na barriga
… e tem!
Pré Natal
Dilato, contraio, ardo
Estou prestes a parir
Mais um ano bastardo
Marilda Confortin
Coordenadora do MIP - Movimento Internacional Poetrix – Paraná.
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[1] Luar do Sertão – Catullo da Paixão Cearense
[2] Poetrix: Poe=poesia; trix=três. Terceto contemporâneo de temática livre, com título, ritmo e um máximo de trinta sílabas. Possui figuras de linguagem, de pensamento, tropos ou teor satírico. Foi assim batizado em 1999 e difundiu-se num movimento internacional totalmente virtual. Atualmente possui milhares de adeptos que gostam da idéia de escrever tercetos contemporâneos de temática livre sem ferir as regras do haicai.
[3] Sara Fazib em “como fazer poetrix”
[4] Devolva-me – de Sonia Godoy
[5] Trecho do II Manifesto Poetrix