A Identidade do Povo Negro
Pensar na estética sem antes pensar na cultura e na ética são passos que não podem prosseguir, pois antes de tudo é preciso levar em consideração as entrelinhas da identidade de um povo. Em vista disso, a Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, na Bahia, vai ser analisada seguindo essas diretrizes as quais vão ser contextualizadas nas visões de teóricos como Maffesoli, Nietzsche, Baudrillard. A realização desta neste local é muito importante, inicialmente porque esse estado é conhecido no Brasil e no mundo pela forte tradição cultural assentada nas matrizes artísticas e culturais de origem africana.
É sempre delicado analisar a identidade de um povo, mesmo sabendo que este é a mistura de outras raças que junto a ele traz novas formas de agir, pensar e se comportar. Saber realmente a função da cultura, é o dever de todos, mas saber especificamente a cultura negra é para mim, por exemplo, uma obrigação, pois nela estou inserida, assim como várias pessoas que moram na Bahia. Esse estado não é feito só de festas todos os dias, e nem de pessoas preguiçosas como são vistos, os seus habitantes, lá fora. Aqui encontram-se outras belezas e delícias oriundas de outra gente, que hoje, por sinal, somos filhos dessa miscigenação a qual a Bahia fez e faz parte. O resultado disso está em nossas expressões artísticas e culturais, dinâmicas e inovadoras incorporadas em nossa identidade.
Mas, afinal o que quer dizer cultura, identidade?? A cultura é a dimensão simbólica da vida humana, ou seja, é a condição social de possibilidades, é a experiência “material” dos indivíduos. Segundo Jean Francis, “as relações humanas, sejam elas principalmente econômicas, políticas, jurídicas ou religiosas, só podem ser o que são – o que quer elas sejam – porque são, antes e fundamentalmente, relações simbólicas que se sustentam através da comunicação”. Portanto a cultura são todos procedimentos aprendidos socialmente, isto é, o domínio em que se dá a produção e a reprodução simbólica da sociedade.
Enquanto a identidade, é uma construção que se elabora em uma relação que opõe um grupo aos grupos com os quais está em contato. Isso quer dizer, que a construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orienta suas representações e suas escolhas. Visto que, a identidade se constrói e se reconstrói constantemente no interior das trocas sociais.
A estética como obra de arte, é sem dúvida o “modelo” de sentimento em relação a mesma que está ligada a cultura. E são as imagens da exposição (Museu) que podem ser comprovadas todos os condicionamentos, interesses, hábitos na cultura negra. Antes de aprofundar este estudo, deve-se levar em consideração a arte, o que ela significa e como é vista nesse acervo.
A arte é um conjunto de “manifestações”, atos pelos quais se muda, onde há transformações oferecidas pela cultura. Ela também pode ser considerada como um modo de conhecimento e de expressão, um modo de construção, enfim, um saber. Além disso, a arte cria produtos dotados de uma articulação estrutural que os capacita a estabelecer vínculos com outras realidades expressivas. Na verdade, a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos.
Daí a importâncias de verificar esse modelo de construção nas figuras que tiveram valor na sociedade. Aqui me refiro, sobretudo, as imagens vistas na Mostra Pan-Africana. Imagens estas, que naquele momento me engrandeceram e me surpreenderam e ainda, fizeram-me repensar sobre as atitudes (discriminação e julgamentos) que são feitos a essa gente a todo instante. A finalidade da Mostra é levantar questões comuns a países tão diferentes quanto o Brasil e Burkina Fasso, Cuba e Angola, os EUA e Gana. E sem dúvida, fortalecer as iniciativas de aproximação com culturas com as quais tanto temos a trocar.
Os artistas que fizeram parte do Museu de Arte Moderna da Bahia deixaram em suas obras traços pessoais e únicos, fazendo uma conexão com a África e a história do continente. Em vista disso, pude perceber a simplicidade e os detalhes das fotografias feitas por Mário Cravo Neto, António Olé, Eustáquio Neves, e os demais colaboradores. Agora, vou deixar os meus pensamentos fluírem permitindo-me a relembrar a minha ida ao local, que até então, me deixou curiosa.
Quando desci as escadas tive a sensação de liberdade, ainda mais que as minhas vistas estavam fixadas na amplitude do mar, é claro que este já é o meu conhecido, mas não na situação a qual estava. A minha visita ao Museu foi de muita importância, pois o dia não estava tão agradável a ponto de sair do meu aconchego, é claro. Bem, o que vale ressaltar é que foi muito interessante e isso pra mim já tem um grande valor. Aos poucos pude observar que aquele local tinha sido no século XVII, se não me falha a memória, uma senzala e um pelourinho. Logo aí, “me transportei” àquele período onde houve diversas crueldades, humilhações etc. com um povo que visava a sua liberdade e dignidade.
Entretanto, mais sensível fiquei quando entrei na sala onde estava as obras de Olé, vi uma canoa quebrada e ela parecia que era feita de tijolos, ferro, televisores e corvos embalsamados, acompanhada de seis fotos em preto e branco sem título. Fotos de rosto de pessoas com diferentes expressões. Já as fotos de Eustáquio Neves, por ele ter estudado química, traz em seus negativos e cópias expostos a processos químicos, um experimentalismo que as altera fisicamente e potencializa texturas e dramaticidade. As imagens ficam estranhas, tem uma, por exemplo, que me chamou atenção que foi a do cadáver com uma figura tampando seu órgão sexual com uma folha, me remeteu a pensar que é uma mulher que sofreu algum tipo de agressão, agressão, sobretudo, a sexual, talvez.
Por fim, as outras imagens também são bem interessantes e chamativas, a do mar, por exemplo, me fez lembrar o período em que os negros foram transportados através do Atlântico, e as outras lembram do cotidiano desse povo. Imagens expressivas marcam cada cena, com diferentes ângulos e interpretações.
É através dessa exposição que posso analisar as diversas formas de Comunicação e cultura Contemporânea e/ou Pós Moderna. Para Mafessoli, isso significa o estar junto socialmente, enquanto Nietzsche não gostava de utilizar a palavrinha “e”, que, na expressão “homem e mundo”, pretende juntar aquilo que, na verdade, está separado. Daí então a necessidade de encontrar resposta para cultura na antropologia social. É claro que nesse “viés” há um sentido diferenciado de cultura. Por isso, a cultura pode estar dividida em: arte, erudição e antropológico.
No sentido das obras a identidade pode ter um duplo sentido, isto porque cria-se estratégias por um motivo de lutas sociais e de classificação que buscam a reprodução ou a reviravolta das relações de dominação. Por conta disso, a identidade se constrói através das estratégias doas atores sociais. Nesse sentido, eu acredito que essa exposição visa, sobretudo, dar continuidade a dominação nas questões que desrespeitam a /as cultura(s) como um todo.
A visão de Mafessoli em relação a esse tipo de situação pode ser explicada como culto de expressão, como deslizamento da comunicação pós – moderna: um deslizamento da moral política para ética da estética. A primeira manifestação segundo ele, é o culto do corpo, a construção do corpo, do corpo que ele constrói sob o olhar e para que ele possa ser olhado pelo outro. Daí então ele passa a analisar essa tendência táctil fazendo uma analogia com o barroco para fins de consumo, esportivas e musicais.
Tentando contextualizar a visão de Mafessoli com o que foi visto no museu, pude perceber que a aparelhagem utilizada em alguns momentos para mostrar as fotografias fazem parte desse modelo de consumo fazendo com que a velha idéia arcaica, o táctil, tocar o outro entre em contato com a sinergia do desenvolvimento tecnológico. Portanto, é importante perceber as variações de temáticas que foram exibidas no acervo do museu e identificá-las, pois a nossa arte, a nossa cultura faz parte dessa Mostra Pan -Africana. A Bahia tem uma história de miscigenação muito forte e suas conseqüências estão em cada canto desse estado, na maneira de agir, de pensar, enfim, de se comportar.