A Troca (Changeling, EUA, 2008)
Lúcio Alves de Barros
Tempo de Duração: 2h17m (141 min.)
Gênero: Drama
Diretor: Clint Eastwood
Roteiro: J. Michael Straczynski
Elenco: Angelina Jolie, Gattlin Griffith, Michelle Gunn, Jan Devereaux, Michael Kelly, Erica Grant, Antonia Bennett, Kerri Randles, Frank Wood, Morgan Eastwood, Madison Hodges, John Malkovich, Colm Feore, Devon Conti, J.P. Bumstead
O enredo do drama estrelado pela bela Angelina Jolie se desenvolve na cidade de Los Angeles de 1928. Christine Collins, o nome da personagem, é uma bela mulher e vive solteira com o seu filho Walter (Gattlin Griffith) de 9 anos. A trama, muito mais do que reza os jornais, não se resume ao desaparecimento do filho após Christine sair de casa para o trabalho. A história é muito mais que isso. Vejamos:
Os pais que me perdoem, mas as mães são fundamentais. Esta frase sintetiza bem a forma que Christine enfrenta as instituições. Em primeiro, a bela trabalhadora em uma central telefônica luta por fazer valer sua verdade diante do Estado. Los Angeles, no final dos anos 20 e início de 30 aparece como uma cidade de leis para poucos e tomada por uma política de extermínio proveniente da polícia corrupta e espetacular. A bela mulher tem poucas chances no primeiro embate com esta instituição. O capitão da polícia Jones (Jeffrey Donovan), no intuito de mostrar uma “nova face” da polícia tenta enfiar - após meses de desaparecimento - goela abaixo outro garoto bastante parecido com Walter. Envolvida em um campo de dúvidas e abalos emocionais a telefonista é colocada em xeque pelo silêncio da própria criança e reluta em aceitar o pequeno menino. Ao comparar a altura do novo garoto com a de Walter ela coloca um fim em seu auto-engano ao mesmo tempo em que busca corroboração nas falas da professora e do dentista. Convicta ela retorna à polícia e é recebida tal como de fato é: uma mulher sem proteção e vulnerável diante dos acontecimentos. Chamada de louca e leviana no trato com o filho, Christine volta para casa e decide por enfrentar outra instituição.
Sugada pelas câmeras, canetas e máquinas fotográficas, Christine se entrega aos desígnios da mídia numa tentativa cega de revelação dos fatos. A polícia de Los Angeles errou. Ela não é louca e aquele realmente não é o seu filho. Mídia e polícia se enfrentam em campo aberto e, no jogo das cartas marcadas sobra para a mulher e trabalhadora Christine, a qual, apesar de contar com o apoio do reverendo da cidade, Gustav Briegleb (John Gavin Malkovich), um respeitado crítico da política de criminalização e extermínio da polícia, sucumbe diante das instituições.
Calada pela polícia Christine segue para um manicômio no qual é tida como louca e irresponsável. Na tela, percebe-se a realidade dos manicômios daquele tempo. O verdadeiro depósito de gente, recheado por mulheres “loucas” e tidas como avessas ao sistema é mostrado com a crueldade que lhe é peculiar: choques elétricos, humilhações, refeições a desejar e violência ostensiva e intensa. Também é perceptível o médico e as enfermeiras corruptas bem como os profissionais sádicos da segurança. Apavorada e com poucas perspectivas, Christine encontra ajuda em uma prostituta e por pouco não sofre os castigos após uma tensa discussão com o “doutor” responsável pela organização. A história, a partir deste acontecimento, toma nova roupagem. Em busca de Christine estava o reverendo que a auxilia a sair do inferno no qual foi colocada. Ao mesmo tempo, “o caso de Christine” é associado ao contínuo sumiço de crianças. Uma laranja ainda madura, em meio à polícia corrupta, descobre por acaso uma teia de seqüestros, assassinatos e violência levados a efeito por um sociopata. O castelo de corrupção vem abaixo, logo depois de associação de acontecimentos. O filho de Christine possivelmente teria sido seqüestrado pelo criminoso que foi preso através do depoimento de uma criança, culpada e cúmplice dos crimes.
A mídia, o sistema manicomial e a polícia caem em descrédito após a descoberta das atrocidades. Christine se transforma em símbolo de resistência e admiração e na tela podemos ver um ciclo virtuoso de justiça e vingança vindo à tona. Primeiro, é deslegitimado todo aparato em torno da loucura encarcerada nos manicômios. Segundo, a polícia é colocada em xeque. Além de mentirosa é revelada outros atributos dela como a onipotência e a onisciência que não deixa de ter ressonância nos seus agentes e atribuições. Por último é colocado em xeque o papel da imprensa escrita que, ao sabor dos ventos, trabalha a vida de Christine em um ambiente espetacular e surreal. Tal como os coqueiros em tempos de ventania a mídia faz o jogo dos mais fortes e, apesar de absolver a mulher e trabalhadora, não deixou de ser conivente com o Estado corrupto e cruel.
É muito interessante o jogo de julgamentos efetuados pelo Diretor Clint Eastwood. Numa sucessão de acontecimentos vemos a heroína sendo vingada, e a possibilidade de justiça aparecendo no universo. Contudo, na tela ainda somos levados pela dúvida do sumiço e conseqüente morte de Walter. O sociopata comemora os seus feitos e chega mesmo a elogiar a luta da mãe ainda desesperada. O seu calvário nos leva a cenas impressionantes da pena de morte, não antes de ter face a face uma poderosa Christine, agora mãe e superior às instituições e aos homens. Sem resposta, ela e os espectadores seguem na dúvida, mesmo após o enforcamento do assassino.
O tempo passa e encontramos uma nova Christine, mais feminina e bela impossível, contudo, carregada de dúvidas e receios. Tal como ela torcemos pelo encontro de Walter e chegamos mesmo a pensar na possibilidade de justiça, haja vista que já no término do longa-metragem vemos toda rede de corrupção da polícia sendo desmontada.
A história contada em A Troca é inspirada em fatos reais ocorridos entre 1928 e 1930. O roteirista J. Michael Straczynski descobriu na prefeitura um arquivo do caso e passou um ano se empenhando na adaptação dele ao cinema. O longa-metragem termina com Christine ainda esperançosa e radiante. Um cenário duvidoso para os anos 30, onde a mulher ainda é vista com desprezo e pouca admiração, mesmo em solo norte-americano. A despeito de ser baseado em fatos reais, é duvidoso que Christine tenha passado somente por aqueles sofrimentos. Certamente, ela enfrentou outros que não comportariam todo o tempo do longa-metragem. Todavia, é louvável a empreitada levada a efeito por Eastwood e Straczynski. Não sou um cinéfilo, tampouco um crítico, mas a película é muito mais do que uma história de uma mãe que faz de tudo para encontrar o filho. A história relembrada por Clint Eastwood e J. Michael Straczynski é, antes de tudo, uma história das instituições que tiram a liberdade, a privacidade, a espontaneidade, o direito e a vida. Talvez mais que isso, é um filme também histórico, que revela o controle da individualidade, a despersonalização dos indivíduos a morte precoce e a luta, necessária e obrigatória pela vida em condições nas quais acreditamos estar em rumo ao processo civilizatório.