JACOBINA MAURER

Desejo descrever a impiedade, insinceridade e crueldade dos católicos durante a Idade Média e a Renascença, chegando até nosso tempo sem ter que escrever um livro. Ressalto, porém, que pretendo descrever o caráter vil, supersticioso e cheio de artimanhas dos católicos leigos, não da Igreja, tampouco do clero, pois sobre seu mau caráter, crueldade e jogo de interesses há muitos livros de prestigiados autores, se bem que muito da paixão discriminadora e fraticida da plebe católica tenha sido instigada pelo clero, pondo-os de certa forma neste texto. Sei, entretanto, que muitos católicos hão de sentir-se magoados com o que direi, visto que esses não o merecem, pois muitos são cristãos sinceros, mas ainda enredados nessa teia filosófica segadora, a doutrina anticristo que cobriu de trevas os últimos mil e setecentos anos. Digo-lhes, entretanto, que tal texto não se aplica aos sinceros, mas a ala centro direita da Igreja, que perseguiu com intensidade e crueldade, persegue moderadamente e perseguirá com grande ira os próprios irmãos dentro da igreja. Quanto aos católicos sinceros, estou certo que em breves tempos a Luz do Espírito Santo de Deus inundará seus corações, dando que vejam o caminho do único Salvador. Então muitos deixarão as fileiras que conduzem ao extermínio, onde certamente já estarão sofrendo perseguição por não concordar com a maldade e insinceridade da maioria.

Outro dia descrevia o caráter dos romanos para minha esposa. As famílias romanas eram tão insinceras que não se incomodavam por saber que a riqueza com a qual se regalavam provinha de pesados impostos tirados a força, muitas vezes através de tortura a pais de família, mães, velhos e crianças pobres, nos países subjugados. Decerto algum romano alguma vez pensou quão doloroso seria se lhes tirassem tudo após torturá-los e judiar de algum ou todos os seus filhos e esposa, deixando a família a sofrer miséria e fome. Todavia, se pensou, estava inserido na sociedade romana, da qual os historiadores antigos diziam: assassina e assaltante, e sofreria dupla perda se fizesse algum manifesto: a vingança implacável dos compatriotas, sendo tratado como vil traidor, e a perda das próprias regalias que usufruía.

Mais adiante o povo romano não teve misericórdia dos cristãos, que em Roma não eram apenas judeus, a quem eles odiavam por não aceitarem seus deuses, enquanto eles aceitavam o Deus dos judeus profanado-o com deuses inventados. Logo no primeiro século muitos romanos deixaram o paganismo para tornarem-se cristãos. Todavia, nem esses eram poupados do ódio dos romanos, sendo que cristãos romanos foram dilacerados por leões nas arenas juntamente judeus para alegria e aplauso da plebe e poderosos romanos, além de queimados vivos para iluminar festas, como uma que Nero deu para aplacar a indignação dos senadores que suspeitavam de sua autoria no incêndio do Centro da cidade em vez dos cristãos, a quem ele culpou. Isto sem contar a maldade de tantos outros imperadores, que decapitaram, fritaram, torturaram, baniram e encarceraram cristãos apenas porque eles rejeitavam o paganismo.

Qual um dos irmãos da minha esposa, que inventava denúncias da irmã para rir-se enquanto ela apanhava da mãe tendenciosa e implacável, assim era o caráter dos romanos. Nas intrigas que o irmão começava, mesmo que a mãe ouvisse a tudo, quem apanhava era a irmã enquanto ele ria-se. Assim era o caráter dos romanos, que aplaudiam ao extermínio ignominioso dos seus irmãos.

Nesse tempo o romano que se apiedasse de um cristão, ressaltando o caráter suave, sincero, compassivo e ordeiro que reproduzia de Cristo, logo se tornaria um cristão, pois não havia entre a maior parte o povo romano sensatez e misericórdia, tampouco justiça e sinceridade para reconhecer as qualidades dos cristãos, pelo que esse romano seria logo perseguido, sofrendo apaixonado linchamento, mesmo antes de ter se juntado aos cristãos, somente pelo fato de ter reconhecido que eram inocentes das calúnias que sofriam.

Mas, para desgosto dos poderosos romanos, quanto mais cristãos eram ultrajados, mais romanos se convertiam impressionados com a certeza que fazia os cristãos cantarem e orarem na hora da morte, imaginando o dia da bendita esperança da volta de Cristo, sem emitir qualquer som de dor ou lamúria. Por conta de seu caráter, a credibilidade dos cristãos entre os romanos cresceu muito, ao passo que a reputação dos governantes caia em completo descrédito por causa da corrupção incontrolável.

O imperador Constantino percebeu que perseguir os cristãos produzia efeito oposto. Melhor seria tê-los do lado de dentro e a sombra de sua reputação conferir credibilidade ao governo. Para cessarem as perseguições e a Igreja tornar-se a religião oficial do Império exigiu-se apenas que absorvesse algumas doutrinas do paganismo, o que retrocedeu a mente dos cristãos à velha forma de pensar e julgar dos romanos pagãos. Alguns cristãos, porém, não assimilaram a nova doutrina, nem mesmo recuaram do cristianismo original, sofrendo daí perseguição dos próprios irmãos. Muitos desses fingiram aceitar o cristianismo paganizado para ficar bem com a maioria, deixando de apoiar os opositores, qual número foi se reduzindo a ponto de não mais suportarem a perseguição e indiferença, tendo que fugir e esconder-se como faziam os primeiro cristãos. Daí passaram a ser denominados pelos católicos de hereges, tendo início em torno de 321 A.D. o caráter atual da Igreja Católica.

Fanatismo não é fazer a vontade de Deus, como as pessoas seriam mais humanas, a sociedade seria mais coesa, sem tanta disparidade, a natureza seria preservada e as pessoas viveriam mais e melhor. Fanatismo é mandar para a fogueira, guilhotina ou machado do carrasco os próprios amigos, irmãos, pais, filhos, etc., em nome de Deus, pretendendo purificar suas almas, quando as almas verdadeiramente impuras é que ficavam vivas promovendo a sordidez. É assim que os católicos fizeram, principalmente durante o tempo que inventaram a superstição das bruxas, quando queimaram Joana D’Arck com as calúnias mais vis. Fanatismo é ensinar seus filhos a explodir-se para matar em nome de Deus, como os islâmicos fazem a exemplo das chacinas que os católicos fizeram até um século atrás.

A exemplo das cruzadas, que também mataram hereges, trespassando na ponta da espada a bebês, mulheres grávidas, doentes e velhos, como ocorreu como os Valdenses, cristãos que reproduziam a doutrina original dos apóstolos nos Alpes do Piemonte; das fogueiras acesas por força da “Santa” Inquisição, onde se queimaram como hereges pessoas que guardavam a Bíblia com suas vidas; dos machados dos carrascos, que tiraram as cabeças de muitos cristãos por calúnia dos católicos e ordens do papas; das guilhotinas, que decapitaram famílias protestantes nas madrugadas sangrentas da França por ordem dos prelados, sem falar das masmorras, que existiram por todo o mundo cristão, a maldade e ignomínia sanguinária dos católicos se estendeu até próximo ao nosso tempo. Só não é sanguinária e linchadora ainda hoje por força das leis dos países. Todavia, mantém o potencial caluniador, maldizente e discriminador que os católicos sempre usaram contra seus desafetos, não se arrependendo de causar dor, sofrimento e destruir a reputação de qualquer pessoa, mesma aquelas que a eles usassem de compaixão e caridade, levando indivíduos e famílias ao pó, não por não obedecerem a doutrina nem a falsa piedade católica, mas por pertencerem a uma denominação não católica.

Após 321 A.D. os católicos nunca mais agregaram conversos pela demonstração do caráter de Cristo, a não ser pelo uso da força, do medo, da espada e interesses econômicos. Na Idade Média a Igreja era a bolsa de valores do mundo e somente usufruía do mercado internacional os reinos cujo rei, os nobre e os povo se convertessem ao catolicismo.

Embora seja um romance, o livro A Ferro e Fogo, de José Guimarães, deve refletir a realidade ao descrever um padre que censurava os não católicos na Rua Grande de São Leopoldo batendo-lhes nas mãos com uma palmatória no século XIX, por volta do tempo da Revolução Farroupilha. Em um livro sobre os Muckers (episódio ocorrido em 1873/184), o histórico Doutor João Daniel Hillebrandt diagnóstica o caráter de pequena Jacobina Maurer descrevendo-o como diferente dos das demais meninas, pois gostava de correr com os meninos, subir em árvores, fazer traquinagens, sendo, com certeza, possuída pelo demônio.

O que a Jacobina (apelido depreciativo que os católicos dão em alusão a Jacó aos judeus ou aos que guardam o sábado como eles), – o que ela fazia nos cultos de sábados com um grupo dentre os quais havia até psiquiatra não era mistério para os católicos e luteranos do pé do monte Ferrabrás. O problema era que fazia culto no Sábado, conforme os Dez Mandamentos, em desacordo com a ordem de Constantino em 321 A.D. Como cristão, qualquer católico sabia do paraíso que Jesus pregara que transformaria a Terra após Sua segunda vinda. Portanto, eles sabiam que não tinha nada de obscuro no paraíso que Jacobina pregava. O problema é que o paraíso de Jesus contrapõe o Reino de Deus na terra no qual o Papa é o representante máximo da Divindade. Na mesma Bíblia que eles deviam ler, mas não liam, estão os ensinamentos para os cuidados com a saúde através da natureza como Jacobina fazia. O problema é que esses ensinamentos dizem que quem come porco e alimentos impuros, tomando bebidas alcoólicas, etc., destrói o Templo do Espírito Santo, nosso corpo, e Deus destruirá quem faz isso. Portanto, como eles sempre inventaram calúnias de sacrifícios de criancinhas para justificar o linchamento dos judeus, o que faziam após esgotadas as tentativas de convertê-los a força, destruindo-os com suas foices, machados, pás e inchadas por ostentarem a validade da Lei de Deus, – da mesma forma inventaram calúnias mortais contra Jacobina, sem o menor peso na consciência por produzir dor e sofrimento com palavras que eles sabiam que eram mentirosas, instigando eles mesmos os soldados para satisfazerem-lhes os intentos sanguinários, matando antes de qualquer pergunta a pessoas inocentes.

A falsidade, calúnia e linchamento católico teriam triunfado ainda no século XX, como certamente triunfou em muitos lugares, se não fosse a clareza e presença de espírito de Borges de Medeiros, então Presidente da Província de São Pedro, hoje Estado do Rio Grande do Sul. Por volta de 1914, dona Ana Amador dos Reis pregava a doutrina da volta de Cristo na região de Campestre Velho, no Município de Santo Antônio da Patrulha, ensinando as pessoas a guardar a Lei de Deus e aceitar o sangue de Jesus para a remissão dos pecados, conforme os adventistas pregam há mais de um século e meio. Frequentemente os vizinhos católicos interferiam nas reuniões fazendo ameaças por causa dos cultos ao diabo que diziam que ela fazia. Quando se marcou um batismo, que se daria num pequeno lago que lá ainda está, os católicos apareceram dizendo que iriam ao batismo armados para matar o pastor e tantos quantos se atrevessem a se batizar. E, para consumar o propósito sanguinário, foram ao governador denunciar dona Ana por promover cultos demoníacos onde se faziam rituais de oferenda de crianças. Esperavam que, a exemplo do que se dera no tempo de Jacobina, o governador mandasse um destacamento de soldados para destruir os crentes. Mas, ao contrário, ele mandou chamar dona Ana, que lhe perguntou se achava possível uma mãe, estudante e pregadora da Bíblia, sacrificar criancinhas em cultos a Jesus. Percebendo tratar-se da mesma maldade que provera a então controversa história dos Muckers, o presidente da Província mandou um destacamento da Brigada Militar para garantir que o batismo se consumasse. Ainda assim os católicos compareceram, embora que desarmados e quietos. Todavia, há relato de que um deles, não contendo a vontade de zombar, pediu ao pastor que batizasse seu cachorro, batizando ele mesmo o animal enquanto o pastor batizava das pessoas.