RELAÇÕES AMOROSAS E A PERFEIÇÃO
Algumas de minhas relações amorosas são constituídas também sexualmente. Não me parece que o desejo sexual seja fiel senão a si mesmo. É que o instinto sexual é determinado complexamente por diversos fatores e, deste modo, nossa volição não tem importância significativa. O instinto sexual, quando “quer”, não abandona sua predileção.
Talvez, dentre as muitas possibilidades de direção do instinto sexual, haja alguma que diga respeito à monogamia em longo tempo, talvez para toda a vida. Mas, tenho toda certeza de que essa orientação, naturalmente, é rara – e, deve-se dizer, não é mais nem menos valiosa que as demais.
Eleger como pura, santa ou “normal” somente uma maneira de relacionamento amoroso não é senão uma construção histórica. No entanto, opõem-se: comparam-nos com outros animais ou apelam ao ciúme... Escutemos este último argumento, o ciúme não é uma prova da “naturalidade” da monogamia para os seres humanos?
Não raro as considerações sobre os sentimentos partem da premissa que estes formam um sistema equilibrado – como se, por hipótese, se nos deixássemos à mercê dos sentimentos, na sua forma mais pura, seríamos felizes e viveríamos perfeitamente. Não é verdade. O ser humano não é perfeito. O seu sistema de sentimentos também não o é.
Spinoza dizia que os “objetivos” são ilusões dos seres humanos. Estes acreditam que as coisas têm um fim determinado, daí dizem que o rio foi criado pra lhes fornecer água; os animais, para lhes saciar a fome; o ciúme, para policiar a monogamia; o que é ruim, para puni-los! Assim, pelo “fim necessário”, se compõe a perfeição humana.
A ética – possível somente para animais racionais – deve mediar as nossas relações. Deve resolver, neste caso, p.ex., a seguinte contradição: “eu digo amar uma pessoa e outra, mas não quero que elas amem alguém além de mim da mesma forma como as amo”. Condeno-as a uma prisão, em nome da minha liberdade! Guio-me por um querer do meu instinto que elimina o querer alheio: isso é harmônico?