Entre a MTV e a vinheta do Supercine
Minha filha vive me falando que adora a música que toca na vinheta do tradicional programa Supercine, da televisão, que passa filmes sábados à noite. Os filmes normalmente não são os melhores, mas a musiquinha de abertura... Ah, a música é mágica. Vira e mexe, nós dois estamos fazendo aquelas notas com a boca, terminando o tema em vozes diferentes. E aquilo ali é puro jazz. Que música magnífica é o jazz... Contudo, meu relacionamento com a música em geral é, digamos, punk.
Música, música. A minha relação com a música está se transformando. Estou tornando-me mais e mais um ouvinte do que um músico. Talvez eu prefira mesmo ouvir, a tocar e cantar. Talvez eu esteja descobrindo isso tardiamente. Talvez eu sempre tenha preferido isso. Talvez eu esteja arranjando esse subterfúgio psicológico auto-sugestivo enquanto não participo de uma nova banda. Vá eu saber. É foda. Banda dá muito trabalho - discute-se muito sobre repertório, arranjos, falhas na execução de músicas, em meio a uma infinidade de ensaios. Aí há sempre um músico mais vaidoso que não aceita bem sugestões ou que gosta de dar sugestões demais. Bandas exigem democracia. Criar em grupo é, na maioria das vezes, um saco. Arte e democracia não são exatamente grandes amigos - ao menos não são amigos em potencial. E quando se fala em grupos musicais, é muita gente querendo pensar junto. Não se trata de duas pessoas, mas sim de quatro ou cinco cabeças pensando e querendo mostrar seu pensamento. Já o esquema voz-e-violão para bares e restaurantes, por sua vez, é um saco. Acham que você é obrigado a atender a pedidos das mesas, como se as músicas que a gente executa fizessem parte de um cardápio. E pior: de um cardápio infinito. Além da sensação de solidão no palco, que eu acho bastante incômoda. Estou cansado disso tudo. Talvez eu venha a montar uma banda pra gravar minhas composições num estúdio pessoal - no dia em que eu possuir um estúdio pessoal, pois em estúdios alugados não há bolso que agüente. Quero ter total liberdade com minha música e ter uma relação livre com a música como um todo: uma coisa que eu creio jamais ter conseguido. Acho então que vou, por enquanto, ficar no conforto do meu armário.
A emissora MTV está agora sendo transmitida em canal aberto para todas as antenas parabólicas. É só sintonizar - quem tem a antena - e a transmissão está lá. Isso vai determinar um ganho significativo nos seus índices de audiência, já que a transmissão de TV para todo o interior do país é, creio, predominantemente feita via-satélite para as parabólicas. Criada no início dos anos oitenta, a emissora especializada em música pop determinou um novo comportamento da produção musical mundial. Fez parir o rap e ao hip-hop. Deu corpo ao rock também, restaurando suas forças. Embora hoje sem o status e a influência de outrora, a MTV ainda forma opinião - e se não o faz de forma direta, ela ainda influencia o comportamento do seu público, majoritariamente adolescente. Talvez a emissora precise, neste momento, começar a adaptar o conteúdo de sua grade às possíveis exigências do seu novo e vasto público parabólico: o público jovem do grande interior do Brasil. A programação, que não é um primor de boa, pode com isso piorar. Assim como pode, claro, melhorar. Tenho assistido a clips muito bons - 50% dos clips veiculados hoje pela emissora eu considero bons. Há até coisas geniais, que dão uma aula de audiovisual e mostram como o videoclipe evoluiu, junto a algumas porcarias completamente descartáveis, previsíveis e de mau gosto. Há também muito, muito conteúdo erótico com o quadradinho verde e a letra "L" de indicação "livre". Garotas se esfregando e se beijando na boca às 9 da manhã não é exatamente o que o público de TV aberta está acostumado a ver. Minha filha de 11 anos tem assistido a muito videoclipe com sexo, incluindo vários com cenas de homossexualismo feminino. E eu fico sem saber o que fazer, pois amamos música aqui em casa. Amamos rock. Gosto de ver o interesse dela por música e por arte visual. Mas a velha moral nos segura um pé atrás, claro. Este pé atrás parece preso em cimento. E daí, o que fazer? Quebrar o cimento? Deixar minha filhinha pré-adolescente e quase pura ser conduzida pelo "sagrado" trinômio sexo,drogas e rock-and-roll? A MTV está aí, dando sinais de sobrevida. Meus discos de rock continuam também vivos e pulsantes nas minhas caixas acústicas na sala do meu doce lar. E eu estou aqui, preocupadíssimo. E o que faço? Começo a colocar CDs do padre Fábio de Melo e proibir videoclipe? Me responda, meu editor. Ah, que bom se a vida fosse simples e perfeita como a música da vinheta do Supercine.